A Previ, caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, é o maior fundo de pensão do País. Sua carteira de investimentos é estimada em 276 bilhões de reais e se esparrama por grandes projetos e empresas. Não por outro motivo, o controle dessa montanha de dinheiro tornou-se central nas disputas políticas da República. Nos governos do PT, a Previ tem sido invariavelmente administrada por representantes sindicais. O mercado financeiro torce o nariz, pois preferiria ter um serviçal de seus interesses no comando da fundação. Essa queda de braço está na origem, nas últimas décadas, de alguns escândalos reais ou fabricados. Não tem sido diferente no terceiro mandato de Lula, embora, desta vez, a cobiça pelo butim e pela influência do fundo envolva integrantes da própria equipe do presidente. Segundo informações colhidas por CartaCapital, a tentativa de desestabilizar a atual diretoria da instituição conta com o apoio dos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Silveira, de Minas e Energia. Outro interessado seria Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União.

Na quarta-feira 9, o plenário do TCU aprovou uma auditoria nas contas de uma das carteiras de previdência administradas pela Previ, o Plano 1, que passou, segundo investigação preliminar conduzida pelo ministro Walton Alencar, de um superávit de 14,5 bilhões de reais para um déficit de 17,7 bilhões em um período de dez meses compreendido entre 2023 e 2024. “O relatório de fiscalização identificou sérios riscos inerentes à gestão de recursos na Previ, os quais demandam que esse levantamento seja transformado em auditoria plena”, anotou Alencar, em voto acompanhado pelos demais ministros. Após a decisão, o tribunal enviou cópias do processo ao Congresso, ao Ministério Público, à Polícia Federal e à Controladoria-Geral da União.

Além de enxergar indícios de “gestão temerária” em investimentos de renda variável, Alencar questiona em seu voto se o aumento dos aportes em gigantes como Vale ou Vibra, antiga BR Distribuidora, não serviram como “moeda de troca” para a nomeação de dirigentes do fundo a vagas nos conselhos de administração das empresas, embora seja uma praxe no setor privado (quem investe muito dinheiro em uma companhia em geral tem direito a participar das decisões). Atualmente, o presidente da Previ, João ­Fukunaga, tem assento no conselho da Vale. Também indicado pela fundação, o presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão, Marcel Barros, está virtualmente confirmado no conselho da Vibra, decisão tomada em assembleia realizada na quarta-feira 16 e não concluí­da até o fechamento desta edição.

A diretoria da fundação contesta a investigação aberta pelo TCU

A Previ está prestes a divulgar um relatório no qual aponta uma série de contradições entre o voto de Alencar e o que de fato foi relatado na investigação preliminar. “Foi um voto com viés claramente político. O ministro incluiu temas não analisados, como viagens e conselhos, enquanto o relatório dos auditores manteve o foco técnico. Relatar fatos e dados que não estão no processo técnico fere a governança do próprio TCU”, rebate a direção do fundo de pensão. O conflito entre a conclusão do conselheiro e os dados é mencionado no documento, pois Alencar “enfatiza suspeitas”, enquanto o relatório atribui o déficit a fatores de mercado, entre eles a queda do valor das ações e o aumento da taxa de juros, e reconhece sua conformidade com as boas práticas de investimento. “Falta base técnica para alegações graves. O relatório não aponta conflito de interesse ou crime, limitando-se a recomendar análise aprofundada de investimentos realizados em um recorte de apenas alguns meses, o que não é usual”, prossegue a diretoria do fundo em posicionamento oficial.

A explicação para os números, diz Barros, foi fornecida pelos próprios auditores do TCU. “O déficit justifica-se pela volatilidade do mercado. Oscilações como a verificada no ano passado acontecem quando a economia não vai bem. Mas a gestão do patrimônio do Plano 1 vem sendo feita com cuidado há muitos anos, garantindo um fluxo de caixa suficiente para pagar os benefícios e a solvência ao longo do tempo. O investimento em renda variável permitiu ao plano um rendimento extraordinário, ao ponto de distribuir benefícios extras por um período e abater definitivamente parte da contribuição dos participantes e do patrocinador.” A política de aportes, acrescenta, produz uma “imunização do passivo”, ou seja, busca tirar os efeitos da volatilidade sobre o patrimônio. “A principal maneira de fazer isso é adquirindo renda fixa ou ativos de renda variável que tenham um bom dividend yeld, casos, por exemplo, de ações do sistema financeiro, da Petrobras e da Vibra.”

O documento com críticas ao voto de Alencar afirma ainda que as menções à Vale e à Vibra ignoram o histórico de rentabilidade de uma e os critérios técnicos para comprar papéis da outra. “Investimentos em empresas como estas são parte da estratégia de diversificação da carteira da Previ. Embora esses investimentos possam apresentar riscos devido à volatilidade do mercado, oferecem oportunidades de retorno significativo que vão além do preço da ação, como o recebimento de dividendos”, defende-se a direção do fundo. Nos últimos cinco anos, o fundo recebeu perto de 16 bilhões de reais da Vale. “Esses dividendos representaram uma parte significativa dos rendimentos da carteira da Previ, ajudando a manter o equilíbrio financeiro dos planos e garantindo os pagamentos aos associados.”

Negócios. A Previ mantém participações na Vibra, controladora da BR, e na Vale. Rui Costa, ministro da Casa Civil, estaria alinhado aos detratores da fundação – Imagem: Redes Sociais/Vale, Agência Petrobras e Ministro Rui Costa

Sobre a Vibra, a fundação diz entender que a empresa está se posicionando para um futuro promissor. A companhia “está comprometida em buscar maior eficiência operacional com a redução de sua dívida até o fim de 2025, o que deve colaborar para uma melhor alocação de recursos. Além disso, continua a investir em infraestrutura logística e na expansão de sua rede de postos, consolidando sua posição de liderança no setor. De acordo com uma série de analistas de mercado, esses fatores sinalizam uma importante evolução, com a manutenção da recomendação de compra da ação”.

Grandes empresas sempre são mais seguras, e uma das formas de mitigar os riscos do investimento é justamente participar da governança das mesmas, diz Barros. “Por essa razão a Previ é bastante ativa na indicação aos conselhos de administração e fiscal. No caso da Vale, a ­Previ indica conselheiros desde a privatização, em 1997, quando passou a deter cerca de 21% do controle da empresa. O investimento na Vibra leva em consideração o pagamento de dividendos que garantem um fluxo de caixa positivo para um plano que está maduro.” O sindicalista pergunta: “Se os assets que administram recursos de terceiros podem indicar candidatos aos conselhos como forma de diligência na gestão, por qual razão a Previ não poderia fazê-lo? Um ‘gestor de mercado’ pode indicar conselheiro, mas a Previ, que administra os recursos de 200 mil associados, estaria praticando moeda de troca? O recurso é a poupança de seus associados e é preciso fazer essa administração com fidúcia e diligência. Uma das formas é acompanhar a gestão das investidas de perto, por meio de seus conselhos”.

Se o posicionamento do TCU tem ­“viés político”, a quem interessa no governo desestabilizar a atual gestão da Previ? Segundo fontes, o ataque viria de duas frentes e tem como foco o poder de influência na Vale. Um deles partiria do ministro Silveira e do próprio presidente do TCU. Após a saída de Eduardo ­Bartolomeo da presidência da empresa – e da tentativa fracassada do governo de emplacar em seu lugar Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda –, Dantas teria se oferecido para comandar a mineradora. Procurada por Silveira para dar apoio à reivindicação do integrante do tribunal, a direção da Previ teria rejeitado a ideia. “Quiseram interferir na gestão da Vale sob o argumento de garantir maior apoio às ações estratégicas do governo. Mas a Vale não é empresa pública. Não havia como prosperar”, diz, sob anonimato, um integrante do conselho da empresa.

Há uma divisão no governo entre quem apoia e quem critica a atual diretoria do fundo de pensão

A outra frente de ataque, segundo as fontes, parte de Rui Costa. Em comum com Silveira, o titular da Casa Civil teria interesse em investimentos da ­Vale na empresa Bahia Mineração, opção prontamente descartada pelo conselho da ex-estatal. “Há interesse em valorizar a Bamin e fazê-la maior em um momento no qual o oeste da Bahia aumenta sua capacidade de escoamento de minério por porto e ferrovia. Por isso, Costa juntou-se a esse esforço, é sua base eleitoral. A Bamin produz minério de baixa qualidade e não seria um investimento viável”, diz o integrante do conselho da Vale.

A posição de Costa, segundo os relatos, não encontra respaldo em importantes figuras do entorno de Lula, entre eles os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais. “O presidente quis informar-se sobre a situação da Previ e ouviu dos dois ministros que os ativos do fundo hoje são estáveis e estão no mesmo patamar de 2021, e também que Fukunaga faz uma excelente gestão”, descreve um dirigente do PT, que também pede sigilo. Envolvidos em uma história que, por enquanto, permanece nos bastidores, os ministros Costa e Silveira, assim como Dantas, ainda não se pronunciaram oficialmente.

A Previ afirma que nos últimos anos tem diminuído os investimentos em renda variável, atualmente em 26%. A estratégia reflete-se na quantidade de indicações a conselhos de empresas participadas, que diminuiu gradativamente. “Nos anos 2000, tínhamos cerca de 400 cadeiras em conselhos. Em 2015, eram 186 e, atualmente, elas são 86 indicadas em conselhos das empresas investidas, sendo essas nomeações construídas com apoio de outros investidores e deliberadas em assembleias. Somente no ano passado, a Previ se desfez de 57 participações em empresas”, diz a direção do fundo. Para as fontes ouvidas pela reportagem, a banda já não toca mais como outrora. “Um acha que ao colocar um afilhado no conselho de uma grande empresa conseguirá controlá-la. Outro resolve ser o CEO da Vale. Não é tão simples assim.” •

Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pano de fundo’

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Last Update: 16/04/2025