Foto: Arquivo/MST no Ceará

Da Página do MST

Em uma madrugada chuvosa, homens e mulheres rompiam o silêncio das matas da antiga Fazenda Serrote, no município de Crateús, Ceará. Era 28 de dezembro de 1993, e 40 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) carregavam consigo a esperança de dias melhores a partir do acesso à tão sonhada Reforma Agrária. Ali, sob as sombras e a proteção das matas, barracos foram erguidos e sementes foram plantadas. A terra passou a ser cultivada a partir da organização coletiva, enfrentando tensões e ameaças enquanto aguardavam a decisão sobre a desapropriação da área.

O acampamento recebeu o nome de Palmares como identidade, por se identificar com a luta do povo negro por terra, território e liberdade.

Francisca Rodrigues, assentada da Reforma Agrária no assentamento Palmares, relata sobre a motivação de ter construído a luta pela terra: “No início, quando ocupamos aqui, era muita incerteza sobre o que poderia acontecer com todos nós. A gente sabia que podia custar a nossa vida, mas as dificuldades eram tão grandes que não havia outra opção. Sabíamos que era um caminho sem volta: ou ganhávamos, ou ganhávamos. E nós conquistamos.”

Foto: Arquivo/MST no Ceará

Francisca relembra todo o processo de acampamento: da chegada, a organização das barracas, das estratégias usadas na segurança, dos processos de apoio com as organizações parceiras e o quanto esses apoios foram importantes na resistência do povo Sem Terra.

“A luta pela terra só faz quem ama o próximo. Aprendemos a ter esse amor e assim arriscar nossa própria vida para melhorar a vida de muita gente. Aqui nunca estivemos sós, a nossa coragem também veio do Bispo Dom Fragoso, um grande líder religioso que nos ensinou sobre os nossos direitos e a defender as nossas causas, as causas comuns”, destaca Francisca.

Após a conquista, que ocorreu em 9 de agosto de 1994, quando o presidente da República Itamar Franco assinou o decreto de desapropriação da área, oficializando a posse da terra pelas famílias acampadas após meses de resistência, o assentamento passou por diversas etapas de organização. As famílias cadastradas receberam os créditos iniciais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para construir suas moradias, iniciar cultivos em regime coletivo e acessar créditos para a produção. Na área, que soma 4.052 hectares, cada família cultiva seu próprio roçado, mas sem divisão formal de lotes, mantendo a gestão coletiva da terra. A infraestrutura do assentamento foi reforçada com a chegada da energia elétrica em 1997, a construção de açudes e escolas, além da instalação de cisternas.

Luzia Soares, militante do Partido dos Trabalhadores, relembra como participou e apoiou o acampamento: “Consideramos parte dessa história porque sempre sonhamos em conquistar terra. Quem conviveu com Dom Fragoso aprendeu a enfrentar as dificuldades. Essa ocupação foi a realização de um sonho: plantar a semente da Reforma Agrária neste país. Foi um movimento que nos trouxe esperança; por isso apoiamos a causa”.

Foto: Arquivo/MST no Ceará

Com o tempo, o assentamento acabou se dividindo em duas associações, Palmares I e Palmares II, devido à divisão geográfica. A produção agrícola é voltada principalmente para a subsistência, e os quintais das casas desempenham papel importante na alimentação, renda e manutenção das famílias assentadas.

Entre as principais conquistas, destaca-se também a criação da Rádio Camponesa, veículo de comunicação popular e comunitário que tem desempenhado um papel importante na difusão do projeto de sociedade voltado ao fortalecimento da classe trabalhadora na região. O assentamento Palmares é visto como um exemplo de resistência e organização popular.

Além das estruturas, como as moradias, água encanada, açude, energia elétrica, acesso à internet, a produção agrícola e de ovinos e caprinos, as famílias assentadas no assentamento Palmares sempre colocaram a educação como prioridade. Já no período do acampamento foi criada uma escola, onde havia um compartilhamento de saberes, que, segundo Francisca, “para garantir as conquistas, precisa compreender a realidade, e estudar era necessário, pois sem o conhecimento não se vai longe”. E desse modo, o MST foi conquistando espaço, ocupando novas áreas e as instituições que poderiam garantir estruturas para as áreas de Reforma Agrária. Com isso, houve a ocupação das universidades, com a conquista do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) em 1998. Hoje, o assentamento Palmares conta com uma geração de jovens e adultos com ensino superior, nos cursos de medicina, serviço social, administração, jornalismo, pedagogia e tantos outros.

Foto: Arquivo/MST no Ceará

Além de todas essas conquistas, o assentamento Palmares também se destaca pela força de sua representação política. O primeiro deputado estadual Sem Terra do Ceará, Missias Dias, é assentado da Reforma Agrária no Palmares, tendo vivido a experiência do acampamento ainda criança. Essa trajetória demonstra como a luta coletiva pode transformar vidas a partir da ocupação de outras trincheiras, como o parlamento, e assim forjar novas lideranças populares. Da mesma forma, o assentamento conta ainda com Pedro Neto, atualmente o vereador mais votado do Partido dos Trabalhadores em Crateús, reafirmando a importância da organização e da participação política construídas no chão da Reforma Agrária.

*Editado por Fernanda Alcântara

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Last Update: 27/06/2025