A virada do ano usualmente é um momento de expectativa e esperança sobre o porvir. Mas para as populações das principais economias do mundo 2025 já começou com desafios dignos de uma “tempestade perfeita”.

Os países do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) têm enfrentado nos últimos tempos turbulências que se estendem da área econômica para a social, passando por crises especialmente nas transições políticas.

O mais recente caso vem do Canadá. Na última segunda-feira (6), o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou a renúncia do cargo após nove anos, pressionado por tensões internas.

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Ainda que cada situação apresente diferenciado grau de insatisfação, muito além de recados das urnas, um sentido comum a todos estes poderosos países pode estar no conceito de ‘malaise’. A palavra de origem francesa – que traduzida significa mal-estar – tem a mesma grafia e significado em inglês, porém para esta última língua com utilização sobretudo em contextos sociopolíticos.

E é nesse ponto que a ideia converge para os membros do G7, onde paira a sensação de insatisfação generalizada da população, causada por fatores que envolvem desigualdades, insegurança econômica e falta de perspectivas, mas, principalmente, ceticismo em relação às instituições políticas.

Essas dificuldades em atender as necessidades dos cidadãos têm causado frustrações e levado a uma crise de desconfiança generalizada, o que oferta situações para que oportunistas se apresentem e se estabeleçam nas brechas das estruturas sociais.

O desencanto, a desconfiança e a crise de identidade têm sido o palco perfeito para a malaise do G7, permeada de instabilidade política que começou em 2024 (ou antes) e deverá durar pelos próximos anos.

Estados Unidos

A volta de Donald Trump à presidência dos EUA traz diversos impasses. Ainda que tenha registrado uma significativa vitória, o retorno do ex-presidente é envolto a polêmicas e processos. O que revela uma crise da democracia norte-americana que não está longe de acabar: na verdade pode estar no começo.

O impasse começa sobre os rumos que ele dará ao seu governo. Membros do próprio Partido Republicano já se mostraram contrários ao perdão que Trump pretende dar aos invasores do Capitólio – fato que completou 4 anos em 6 de janeiro. Ele próprio continua como réu no estado da Geórgia por tentativa de anular a eleição presidencial de 2020.

Além disso, Trump é o primeiro presidente da história dos EUA condenado criminalmente – ele foi considerado culpado por falsificar registros de pagamento pelo silêncio da atriz pornô Stormy Daniels.

A este caldeirão se soma a composição dos membros escolhidos para compor o governo, incluindo o milionário Elon Musk, o que mostra que a pauta conservadora e protecionista será ainda mais acentuada do que no seu primeiro governo. Isto acentua que a guerra comercial com a China pode escalar, assim como o indicativo de formação de um eixo de extrema direita juntamente a outros países.

Quanto às guerras, o sinal é de manutenção ao apoio à ofensiva de Israel contra os palestinos. Sobre a Ucrânia e Rússia o cenário é incerto, ainda que Trump tenha afirmado que colocará fim ao conflito – o presidente eleito tem bom relacionamento com Putin e Zelensky.

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Inclusive o motivo do início da guerra, a entrada da Ucrânia na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) volta ao centro das atenções, sendo que Trump já manifestou a intenção de que os EUA deixem o grupo.

Fora isso, ele já mandou recados para diversos países, dentre eles o Brasil, com ameaças de elevação de tarifas para proteger produtos dos EUA.

Também é preciso considerar que Trump perdeu a reeleição, em 2020, e os democratas não conseguiram se manter no poder com Kamala Harris na disputa. Ou seja, os rumos da política por lá tem alternado com frequência e o magnata garantiu a volta ao poder a despeito de a economia deixada por Biden estar em boa fase – o que não foi suficiente para garantir a vitória para seu partido.

O que é certo é Donald não poderá se candidatar em 2028, a Constituição dos EUA (pela 22º emenda) não permite que um cidadão exerça mais de duas vezes o mandato presidencial, mesmo que não seja de forma consecutiva. Porém, até mesmo seu ex-estrategista Steve Bannon já lançou suspeita sobre isto ao afirmar que acredita em uma “virada de mesa” para que Trump possa se candidatar novamente.

Estas situações colocam um imenso ponto de interrogação sobre o próximo governo, mas tudo leva a crer que a crise deverá ser permanente, pois mesmo com os atuais resultados econômicos a sensação de sonho americano parece distante da população.

Canadá

A primeira notícia de 2025 no mundo da política que ganhou grande repercussão foi a renúncia do premiê do Canadá, Justin Trudeau. Após semanas de especulação, ele anunciou a saída do cargo depois de nove anos.

O fim desse longo período reflete as tensões internas pelo qual passa o país e pelas quais o premiê não estava conseguindo lidar. Nos últimos tempos os trabalhadores passaram a sofrer com aumento da inflação e aumento no custo de vida, com serviços públicos cada vez mais difíceis pelos ajustes fiscais promovidos pelo governo.

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O golpe final nesta atual trajetória veio justamente com ataques especulativos de Trump, que nem mesmo tomou posse. O presidente eleito dos EUA anunciou que aumentaria tarifas de produtos do país vizinho para 25%, o que fez crescer a preocupação com a área comercial e levou a reações em cadeia por parte do Canadá com a saída da ministra das Finanças, Chrystia Freeland, mudanças no gabinete de Trudeau e a perda do apoio do Novo Partido Democrático (NDP).

Com minoria no parlamento e críticas de sua própria legenda, o Partido Liberal do Canadá, o fim do primeiro-ministro era inevitável antes que a insatisfação política e social, também ganhasse às ruas.

França

A situação conturbada na França se estende por anos. Os números da reeleição do presidente Emmanuel Macron, em 2022, já revelavam um voto menos convicto na figura dele e muito mais contrário ao avanço da extrema direita liderada por Marine Le Pen. Com o seu primeiro governo tumultuado por crises sociais e sanitárias, o segundo manteve um ritmo mais acelerado de crises. Primeiro ao perder grande parte da bancada legislativa, em junho de 2022.

Os meses subsequentes foram marcados por greves gerais. Primeiro contra à inflação. Depois, no ano seguinte, contra a reforma da previdência.

Mas tudo isso ganhou um ápice em 2024, quando Macron dissolveu a Assembleia Nacional depois da vitória da extrema direita nas eleições do parlamento Europeu. Em um movimento arriscado de convocação de novo pleito legislativo, o presidente francês arriscou jogar o país no colo de Le Pen e dos extremistas de direita que haviam vencido recentemente as cadeiras do país na União Europeia.

Houve uma união de centro e esquerda para evitar tamanha tragédia. Contrariando prognósticos, a esquerda saiu vitoriosa na eleição antecipada, ainda que não tenha sido o suficiente para indicar o primeiro-ministro do país.

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A partir daí, ao invés de respeitar a vontade das urnas e nomear um premiê do partido vencedor, uma vez que não houve entendimento entre os demais partidos em torno de um nome, Macron decidiu por colocar no cargo o ex-ministro das Relações Exteriores Michel Barnier, de direita, que ficou apenas três meses no cargo. Ele entregou a carta de renúncia após o parlamento aprovar uma moção de censura ao seu nome, com isso Barnier foi o primeiro premiê derrubado pelos legisladores em mais de 60 anos.

A partir daí, em dezembro passado, Macron nomeou o experiente François Bayrou para tentar aplacar a crise com mais diálogo entre os partidos. No entanto, os parlamentares de esquerda, maioria na Casa, já prometeram que também irão barrá-lo.

Ao passo que o governo enfrenta esta crise política que se estende para grandes movimentações pelo país a cada etapa, a Executivo francês também lida com protestos permanentes de agricultores contrários ao acordo entre Mercosul e União Europeia. Ainda que o governo local não tenha autoridade sobre o assunto, uma vez que o acordo é decidido no nível do bloco econômico, os protestos (e o acordo em si) são motivo de desgaste e preocupação.

Reino Unido

No Reino Unido bons ventos sopraram na política em 2024, mas só depois um longo período de agravamento da situação econômica de seus habitantes. No poder desde 2010, os conservadores conduziram uma alta dos preços de produtos e serviços que encareceram o custo de vida em um cenário de alta da inflação.

O governo impopular do primeiro-ministro Rishi Sunak fez com que ele antecipasse as eleições que culminaram na volta do partido trabalhista ao poder com maioria absoluta. Assim, Keir Starmer a assumiu como primeiro-ministro com a tarefa de reconstruir o Reino Unido e estabilizar a situação econômica.

Mesmo que o seu trabalho não tenha sido alvo de uma contestação mais contundente, Starmer se mantém em alerta devido aos ataques vindos, veja só, de Elon Musk. Assim como aconteceu no Brasil, o dono do X ataca autoridades locais sem prova ao acusá-las de cerceamento.

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Enquanto o Reino Unido luta para impedir ataques de extrema direita contra imigrantes iniciados no ano passado depois de uma fake news, Musk visa insuflar os fascistas com ataques e ideologia anti-imigração. Para completar, nesta semana ele acusou Starmer de crimes enquanto promotor sem nenhuma comprovação.

A situação motivou que o premiê, assim como fizeram Macron e o chanceler alemão, Olaf Scholz, criticassem Musk. Segundo Starmer, sem indicar diretamente o dono do X, colocou: “aqueles que disseminam mentiras e desinformação não estão interessados nas vítimas. Estão só preocupados consigo mesmos”.

 Alemanha

No mês de setembro os primeiros sinais de ruptura ocorreram na Alemanha com a extrema direita conquistado sua primeira grande vitória eleitoral desde a 2º Guerra Mundial. A eleição na Turíngia e Saxônia foi o sinal de enfraquecimento da coalizão do chanceler Olaf Scholz.

Neste tempo a indústria automotiva alcançou os limites de sua profunda crise com grandes greves de trabalhadores, sendo que o setor é um dos pilares da economia alemã.

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Ao perder a colisão tripartidária, Scholz teve que se submeter a uma moção de confiança do Parlamento. Seu governo foi rejeitado e uma nova eleição para 23 fevereiro foi convocada. Como já destacado pelo Portal Vermelho, a implosão da coalizão é um sinal de alerta, pois o AfD, partido de extrema direita, observa a situação como oportunidade.

Itália e Japão

Na Itália a primeira-ministra Giorgia Meloni tem se portado como influência para outros países comandados pela extrema direita, com mais relevância na Europa. Ao manter e aprofundar laços com Trump e o argentino Javier Milei, especula-se um sombrio 2025 em que estes líderes devem fomentar agendas radicais calcadas no discurso xenófobo contra os imigrantes. Ao saber transitar entre autoridades de diferentes ideologias sem maiores problemas, ela atraiu os holofotes, diferente do que se apostava quando assumiu: “ingovernabilidade”. Inclusive, Meloni liderou o G7, em 2024.

Apesar de Meloni vencer obstáculos políticos nestes poucos mais de dois anos, o Instituto Nacional de Estatísticas (ISTAT) revela que a pobreza no país atingiu, em 2023, 5,75 milhões de pessoas, o que corresponde a 9,8% da população. Não será surpresa se os dados macroeconômicos italianos se depararem com a realidade crua da população em revolta nos próximos anos.

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No caso do Japão, o Partido Liberal Democrata (LDP) que governa o país por um longo período de tempo entrou em crise. Em agosto passado o primeiro-ministro Fumio Kishida anunciou que sairia do cargo após três anos. A pressão para a renúncia derivou de um mandato em que a população conviveu com o aumento da inflação e escândalos políticos. O principal deles envolvia o LDP em casos de financiamentos de políticos não documentados e propinas para seus membros.

Quem assumiu em seu lugar foi Shigeru Ishiba, que logo em outubro teve que lidar com a derrota de seu partido nas eleições parlamentares, o primeiro revés em 15 anos. Mesmo não tendo uma coalizão que garanta a maioria, Ishiba espera se manter no cargo e formar um governo. Para tal pretende realizar reformas políticas e previdenciárias em diálogo com a oposição.

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Last Update: 07/01/2025