No início do século XX, trabalhadores brasileiros chegavam a cumprir jornadas de 16 horas diárias. Com a mobilização dos trabalhadores, entidades, sindicatos, federações, e da própria sociedade, a Constituição de 1934 garantiu a jornada de 48 horas.

Na Constituição de 1988, a pressão da bancada ligada aos trabalhadores e ao movimento sindical conseguiu avançar para 44 horas semanais de trabalho. Agora, quase quarenta anos depois, o debate volta a ganhar força na sociedade e no Parlamento.

A Comissão de Direitos Humanos (CDH), por solicitação do senador Paulo Paim (PT-RS), realizou nesta segunda-feira (5/5), audiência pública com foco, justamente, na discussão em torno da possibilidade de redução da jornada semanal de trabalho no Brasil. O debate de hoje faz parte do ciclo de debates sobre o novo Estatuto do Trabalho (SUG 12/2018).

Logo na abertura do debate, Paim relatou que diversos países têm colhido frutos positivos com medidas de diminuição da jornada de trabalho. A Islândia, por exemplo, adotou uma jornada de quatro dias semanais e registrou um crescimento econômico de 5%. Ainda segundo Paim, mais da metade da população ativa da Islândia passou a trabalhar menos horas sem perder renda.

Outro exemplo citado pelo senador foi o da Alemanha. Naquele país, empresas que testavam a semana de quatro dias com o modelo 100/80/100 – 100% salário, 80% da carga horária e 100% de desempenho – mantiveram a prática, após observarem aumento de produtividade e redução de custos, devido à alta rotatividade que tinham antes.

“O argumento de que a redução da jornada de trabalho gera desemprego é uma falácia, eu diria um mito, que já foi derrubado pela própria história”, afirmou o senador.

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Dentre as propostas de redução da jornada, em análise pelo Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 148/2015) aguarda a inclusão na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta, de Paulo Paim, relatada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), propõe a jornada de trabalho de 36 horas semanais.

“Reduzir a jornada de trabalho é reconhecer que o trabalhador também tem direito a um ritmo de vida equilibrado; é melhorar a qualidade de vida do trabalhador e seus familiares; significa promover um modelo de desenvolvimento justo e sustentável, que priorize a qualidade de vida e, naturalmente, preserve os direitos sociais. O Brasil tem a oportunidade de seguir nesse caminho e avançar para um futuro de mais dignidade, produtividade e justiça social para todos. A redução da jornada de trabalho é também uma questão de direitos humanos”, destacou Paim.

Debatedores defendem medida

Luiz de Souza Arraes, presidente da Federação dos Frentistas de São Paulo (FEPOSPETRO), afirmou que o movimento sindical tem debatido a redução da jornada há décadas. Na sua avaliação, a mudança trará mais dignidade e qualidade de vida.

“O trabalhador tem mais tempo para se qualificar, mais tempo para ficar com a família, mais tempo para o seu lazer; então, melhora a qualidade de vida. E, comprovadamente, diminui o índice de doenças ocupacional, diminui o índice de acidente no trabalho, aumenta a produtividade, e isso traz benefícios para todos”, apontou.

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A procuradora do Trabalho, Cirlene Luiza Zimmermann citou estudo, de 2022, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para mostrar o quão prejudicial à saúde do trabalhador pode ser uma jornada extenuante de trabalho.

De acordo com o levantamento, 81% das mortes relacionadas ao trabalho decorrem de doenças adquiridas no trabalho, em função do trabalho, e o principal fator de adoecimento desses trabalhadores são as extensas jornadas de trabalho.

“Essa redução é essencial não apenas para assegurar melhores condições de vida, mas também como medida preventiva contra os impactos físicos e mentais decorrentes da sobrecarga laboral”, corroborou Sonia Zerino, secretária da mulher da Nova Central Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras (NCST).

A assessora técnica da secretaria de relações do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Shakti Prates Borela apontou que um dos motivos que levaram o debate sobre a redução da jornada a ganhar corpo na sociedade foram as mudanças promovidas pela modernização das relações de trabalho que tem ampliado a jornada e o tempo à disposição, reduzindo o tempo das pessoas desconectadas do trabalho e, até mesmo, precarizado relações entre empregados e empregadores.

“Considerando esse desenvolvimento tecnológico que hoje, inclusive, tem sido utilizado muitas vezes até para colocar o trabalhador mais tempo à disposição do trabalho, esse desenvolvimento tecnológico também pode ser utilizado para garantir a redução da jornada sem que haja uma redução no salário. É importante que o desenvolvimento tecnológico seja utilizado para melhorar as vidas das pessoas”, defendeu.

O coordenador-geral de direitos humanos e empresas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Edmilson Santos dos Santos também defendeu a mudança com foco na melhoria da qualidade de vida, em especial, de crianças e adolescentes que tem dificuldades de convivência com seus pais devido à jornada extenuante de trabalho, aliada como as horas de deslocamento diário entre o local de trabalho e a residência do trabalhador.

“Todos nós sabemos como tem impactado a vida de crianças e jovens o fato de estarem longe da mãe e do pai. Isso traz problemas que nós temos muita dificuldade de equacionar. Inclusive, essas crianças são capturadas com o uso da internet e como elas são capturadas por esse mundo que, muitas vezes, destrói a convivência familiar. Essa jornada de trabalho que nós temos hoje consome psiquicamente famílias que ficam com uma dificuldade muito grande de conseguir compensar essa ausência no seio familiar”, explicou.

O Estatuto do Trabalho

A SUG 12/2018 é resultado de debates promovidos pela Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho (CDHET), criada pelo senador Paulo Paim, e que funcionou entre 2016 e 2018.

Com o fim das atividades do colegiado, quatro entidades ligadas à Justiça do Trabalho e à fiscalização das relações trabalhistas apresentaram a sugestão legislativa: Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT); Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT); e Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

As entidades propuseram a criação de um novo Estatuto do Trabalho com o objetivo de regulamentar os direitos sociais previstos na Constituição e atualizar a legislação trabalhista diante das transformações no mundo do trabalho.

No Senado, a sugestão legislativa é uma forma de participação popular que permite a qualquer cidadão ou entidade apresentar propostas de leis. Caso uma ideia receba mais de 20 mil apoios no portal e-Cidadania, ela é encaminhada à CDH, que pode transformá-la em sugestão legislativa para tramitação como projeto.

Do PT Senado

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Last Update: 05/05/2025