A grande novidade das eleições municipais de São Paulo tem sido, até agora, o coach Pablo Marçal. Filiado ao inexpressivo Partido Renovador Trabalhista do Brasil (PRTB), Marçal conseguiu chegar ao topo das pesquisas de intenção de votos após as suas primeiras aparições na imprensa.
O que fez Marçal ganhar popularidade foi, além de toda a sua estrutura previamente montada nas redes sociais, a sua postura como “antissistema”. Com uma postura agressiva, semelhante à de Jair Bolsonaro (PL) no auge do golpe de Estado de 2016, Marçal vem acusando os seus adversários das coisas mais escatológicas possíveis – muitas delas, de cunho puramente moral e sem nenhuma prova.
A principal acusação de Marçal não é de Guilherme Boulos (PSOL) ser um usuário de drogas. O que faz com que ele cresça nas pesquisas é a acusação de que Boulos, Ricardo Nunes (MDB), Tabata do Amaral (PSB) e José Luís Datena (PSDB) são todos parte de um mesmo “sistema”. Isto é, são representantes da mesma ditadura que controla o estado de São Paulo há décadas.
É um fato. O atual prefeito, embora seja do MDB, é um herdeiro da máquina do PSDB. Ele foi o vice do falecido Bruno Covas (PSDB), neto de um dos fundadores do partido. José Luís Datena é do próprio PSDB. O pai de Guilherme Boulos trabalha há anos em cargo de confiança do PSDB. Tabata, por fim, é uma figura projetada por um dos maiores trambiqueiros do país, o empresário Jorge Paulo Lehmann.
Mas e Marçal? Ele é realmente o oposto do “sistema”?
A primeira condição para ser realmente contra o regime dos poderosos é ser, naturalmente, de esquerda. A direita é, no espectro político, a força que defende os interesses das grandes corporações. Que defende a propriedade privada, que defende a polícia, que defende os bancos, que defende as privatizações. Nesse sentido, ser “antissistema” e ser de direita é, em si, uma contradição total.
O caso de Marçal, no entanto, chega a ser ainda pior que o de Jair Bolsonaro. O ex-presidente, na medida em que surge como a liderança de um movimento político real, um movimento que inclusive serviu de cobertura para um golpe de Estado e que vem demonstrando uma capacidade constante de mobilização, acaba tendo contradições reais com os interesses dos setores mais poderosos da burguesia.
Apoiado por setores das Forças Armadas e por uma parcela da burguesia brasileira que se sente prejudicada com a predação neoliberal, Bolsonaro tem um programa que se choca com o que os bancos de fato planejam para o Brasil. Tanto é assim que, em seu governo, o PSDB publicou um texto fazendo chacota do ex-presidente, uma vez que ele não conseguiu, nem de longe, empreender tantas privatizações como Fernando Henrique Cardoso.
Marçal, por sua vez, é um grande falastrão. Não tem um movimento real que lhe acoberte. É, no final das contas, um fenômeno da Internet. Neste sentido, seria alguém que poderia muito facilmente ser adestrado pelo grande capital para fazer absolutamente tudo aquilo que fosse de interesse dos grandes bancos. O que mostra isso é que, apesar de Marçal fazer muita demagogia para atacar os seus adversários, ele se calou quando era necessário um enfrentamento real contra os poderosos: Marçal se negou a criticar Alexandre de Moraes pela derrubada do X.
Esse simples fato mostra que Marçal não está disposto a um enfrentamento com o “sistema”. É uma figura muito mais covarde e oportunista que os bolsonaristas – que, por serem apoiados por um movimento, acabam se chocando mais com o regime. Marçal surge, portanto, como uma espécie de Ciro Gomes (PDT) para o movimento bolsonarista.
Nas últimas duas eleições presidenciais, Gomes aparecia com uma retórica esquerdista, frequentemente acusando o PT de ser “neoliberal” – enquanto ele seria o verdadeiro “progressista”. Hoje, vê-se claramente quem é Ciro Gomes: um aliado do bolsonarismo. Sua participação nas eleições não passou de uma operação para tentar dividir a esquerda.
Marçal neste momento cumpre o mesmo papel, mas no espectro oposto. Ao tentar se apresentar como um direitista mais autêntico, que não estaria ligado aos acordões feitos com o PSDB em São Paulo, o coach apenas está buscando atrair uma parcela do bolsonarismo insatisfeita com as capitulações de sua lideranças. Mas que, no final das contas, está sendo atraída para uma candidatura cujo interesse não é ser mais consequente com a luta “antissistema”, mas sim se apresentar como mais uma via desse sistema.