O mundo foi surpreendido pelo anúncio da morte de Ozzy Osbourne nesta terça-feira, 22 de julho. Ozzy, um dos pais do heavy metal, se vai apenas 17 dias depois da ontológica apresentação de despedida do Black Sabbath, presenciado por 40 mil pessoas no estádio do Aston, e acompanhado por outros 5 milhões de fãs online, que se emocionaram com uma performance vigorosa, e uma voz potente que era difícil crer que saía daquele corpo fragilizado pelo Parkinson.

O show “Black Sabbath: Back to the Beginning” (de volta ao começo, em tradução livre), ocorreu na cidade inglesa de Birmingham, a mesma região em que o então metalúrgico John Michael Osbourne reuniu um grupo de trabalhadores para dar início a uma revolução na música e lançar a pedra fundante do que viria a ser o heavy metal.

O início

No final dos anos 1960, Birmingham era um importante centro industrial da Inglaterra. Foi esse cenário cinza, entre chaminés e fuligem das fábricas, o palco para o surgimento do rock pesado. “Eu nasci e vivi, durante muitos anos, num lugar em que a vida era trabalhar, trabalhar e trabalhar, do berço à sepultura, em fábricas de chapa de aço”, resumiu Ozzy Osbourne.

Moradores de Aston, subúrbio de Birmingham, os integrantes originais do Black Sabbath reuniram-se a partir de um anúncio publicado no jornal por Ozzy procurando companheiros para formar uma banda. Ozzy era metalúrgico numa fábrica de carros, fazia bico de mecânico e chegou a trabalhar num matadouro. Já o baterista Bill Ward carregava carvão, e o então guitarrista Geezer Butler ganhava a vida como contador.

Tony Iommi, também guitarrista, trabalhava numa fábrica, onde perdeu as pontas de dois dedos numa prensa. Deprimido, chegou a pensar em desistir da música. Ele, então, derreteu plástico e, usando um frasco de detergente, moldou dedais que substituíssem seus dedos. Inspirou-se no músico de jazz francês Django Reinhardt, que tocava com apenas três dedos, e adaptou seu jeito de tocar, que lhe garantiu um estilo único no rock.

Os garotos de Aston queriam, literalmente, fazer barulho. E o que tinha de mais barulhento nessa época era o blues redescoberto pela Inglaterra anos antes, o rock de Jimi Hendrix e bandas como os próprios Beatles. A inspiração para adotarem o “Black Sabbath” veio de um filme de terror italiano visto por Geezer. E tinha tudo a ver com o momento.

O nascimento do heavy metal

Ozzy, Iommi, Geezer e Ward não eram exatamente virtuosos. O primeiro se esganiçava no microfone com sua voz fanha. Já Iommi compensava suas limitações com riffs (frases de guitarra) tão pesados quanto criativos, como em “Paranoid” e “Iron Man”, que se alguém ouvir, mesmo que não conheça ou não goste de rock, automaticamente vai reconhecer de algum lugar. Geezer largou a guitarra para assumir o baixo, mas continuou tocando como se fosse uma guitarra, inclusive distorcendo o instrumento para desespero das gravadoras. E Ward, como tantos outros bateristas de rock daquele momento, trouxe influência, sobretudo, do jazz.

Juntos, porém, faziam um rock sujo, pesado, soturno e original. Mas o que mais os diferenciavam de outros grupos que surgiam na cena inglesa, como Led Zeppelin ou Deep Purple? Justamente a atmosfera sombria que recobria o grupo, presente nas letras. A ideia era ser um contraponto aos hippies e às músicas otimistas e românticas de outros grupos de rock. Era, tão somente, expressar a dura realidade da classe operária.

Só se falava em flower power (poder das flores) e pensamento positivo, que o mundo era tão legal, mas o mundo nem sempre é ensolarado”, resumiu Ozzy. “Então, nós decidimos tomar o ângulo oposto da onda flower power”. Isso se concretizava em temas como ocultismo, terror, ficção científica ou o discurso abertamente político como na música antiguerra “War Pigs”, lançada em plena guerra do Vietnã.

Tony Iommi define assim a diferença do Sabbath para as outras bandas: “Éramos classificados como os mais pesados, os mais sinistros, uma banda de downer rock (rock ‘pra baixo’) da classe trabalhadora”.

Do estrelato ao fim

A banda foi recusada por 14 gravadoras antes de assinar com o selo Vertigo, da Phillips. Praticamente todos os primeiros álbuns foram rechaçados pela crítica, enquanto angariavam milhões de fãs ao redor do mundo. As brigas com as gravadoras e produtores tornaram-se frequentes diante da recusa em esterilizar seu som.

No decorrer dos anos 1970, a banda conheceu o paraíso da fama e do dinheiro, e o inferno das crises com as drogas, depressão e tudo o que vem junto com a máquina de moer da indústria fonográfica. Ozzy foi demitido em 1979 por seus problemas com álcool e drogas, e a banda passou por um périplo de vocalistas, sendo o primeiro o não menos lendário James Dio.

Ozzy, após um período de crise pessoal, se levantou numa profícua carreira solo. O Black Sabbath ainda se reuniria, em sua formação original, para gravar o disco ao vivo “Reunion”, de 1998 e o seu derradeiro álbum de estúdio, “13”, em 2013. Em 2017, realizaram seu último show oficial, mas sem o baterista Bill Ward, que participaria agora do festival em homenagem a Ozzy.

Uma honrosa despedida

O festival “Back to the Beginning” (cuja renda foi revertida a hospitais infantis e de tratamento do Parkinson) foi antecedido por uma onda de ceticismo e dúvidas em relação à capacidade de Ozzy interpretar suas próprias canções. Há cinco anos, o ex-líder do Black Sabbath anunciou estar com Parkinson, e esta seria sua definitiva despedida.

Apesar da curadoria de Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine, o festival contou com escolhas lamentáveis, como a banda Pantera (cujo vocalista, Phil Anselmo, fez uma saudação nazista durante um show em 2016) e o vocalista do Disturbed, o sionista David Draiman, que chegou a autografar um míssel das forças armadas de Israel. O músico foi recepcionado pelo público com vaias e xingamentos.

A imagem que fica, porém, é a de Ozzy, surpreendendo todas as expectativas e, mesmo apoiado em sua cadeira em forma de trono, cantando quase que perfeitamente, numa interpretação carregada de emoção que arrancou lágrimas dos fãs mais antigos às novas gerações. Ozzy não se via fora dos palcos, e saiu de cena com todas as honras, como sempre desejou.

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Last Update: 22/07/2025