Ousar para vencer
por Francisco Celso Calmon
O Brasil que conhecemos hoje é um Brasil estruturado em cima da política de esquecimento.
Já perdemos muitos companheiros e companheiras ao longo do tempo, deixaram uma saudade inesquecível, e a nação perde a cada vez mais fragmentos da memória do que foi a máquina sanguinária da Ditadura Militar; cada segundo de suas (nossas) vivências e experiências é um monumento imaterial à história, que, se apropriadamente apreciado e documentado, é de suma importância para reconstituir a verdadeira história do nosso país
Um país sem memória é um país oco como uma igreja sem fiéis.
História é o registro concreto, meticulosamente construído por fontes escritas, orais e arqueológicas, que busca reconstruir a trajetória de povos e civilizações com rigor metodológico. Exige crítica documental, objetividade, sem espaço para subjetivismos ou mistificações.
Memória, ao contrário, é o eco fragmentado das experiências vividas, carregado de subjetividade e emoção. Não se submete a métodos científicos, mas alimenta identidades coletivas e resistências.
A história é essencial para documentar os progressos e retrocessos da sociedade e nos possibilitar saber, previamente, o que fizeram, a fim de identificarmos padrões de ações e evitarmos cometer os mesmos desacertos do passado.
A memória por sua vez pode ser dividida em alguns conceitos, a memória social, que é o pensamento construído na sociedade, e a memória viva, que, para nós, é a memória individual ou grupal dos combatentes à ditadura, seja a memória deixada dos que já partiram, seja as dos que permanecem vivos.
Ainda nos dias de hoje, é visto como ousado se colocar sob os holofotes para criticar abertamente o regime militar, mas, se não fosse pela coragem e ousadia de nós militantes da justiça de transição, sabe-se lá onde estaríamos hoje.
A violência e o terrorismo do Estado ocorrido na ditadura e mantido, vem sendo uma espécie de salvo conduto para a disseminação das arbitrariedades dos agentes civis e militares armados.
A bestialidade cresce e o bolsonarismo fascista é o movimento incitador dessas práticas selvagens.
No ano passado, usando do simbolismo histórico dos 60 anos do golpe de 1964, e apesar da orientação do Lula de não remoer o passado, organizamos o livro com 60 autores, cada um abordando e analisando o golpe e suas memórias da época, cujo título é 60 anos do golpe: gerações em luta, e em menos de um ano foram adquiridos 1100 exemplares. Um feito!
Neste ano, a minha contribuição está sendo com o meu livro autobiográfico, Memórias e Fantasias de um Combatente, um projeto pessoal, onde conto sobre rebeldias, sonhos e pesadelos, companheiros e algozes, solitárias e torturas, crítica e autocrítica, democracia e novos golpes.
Minha primeira inspiração foi Cristo, a segunda, Marx e Engels, a terceira, Lênin e posteriormente Che Guevara.
Deixo as minhas vivências, com erros e acertos, e narrativas de luta, nuas e cruas, para as novas gerações, não somente para eternizar nossa luta, mas, também, como mais um tijolo construindo os muros (que deveriam ser inabaláveis) da democracia.
O prefácio é de Eugênio Aragão e as orelhas de Gisele Araújo, que compuseram um fausto enriquecedor do livro.

O filme “Ainda Estou Aqui” é também um dos maiores exemplos de obras que ajudam a preservar a memória. Através de uma fresta (o caso Rubens Paiva), está fazendo a sociedade conhecer a escuridão macabra da ditadura.
Golpes são imperdoáveis e imprescritíveis as responsabilidades dos autores, irrecuperáveis são as suas consequências deletérias.
Os golpes não caem do céu! Tem o antes, o durante e o depois.
Conspiram, arquitetam, golpeiam, matam, dilaceram, queimam, afogam e somem com opositores, é a quinta-essência da crueldade e da destruição da plataforma civilizatória, com efeitos duradouros, como no Brasil.
Meus companheiros de movimento estudantil e de organizações revolucionárias, que foram eliminados, desaparecidos, permanecem em minhas lembranças e sentimentos, como fermento à luta por memória, verdade e justiça.
Já lancei o livro no Espírito Santo e nesta semana o lançarei, nos dias 14 e 15, no Rio de Janeiro, e, no ensejo, convido os leitores a me honrarem com as suas presenças.
14/05: Colégio Pedro II – São Cristóvão, 14h; Associação dos Docentes da UFF, 18h
15/05: Livraria Travessa – Botafogo, 19h
Anistia a golpistas da intentona de 8 de janeiro de 2023 é um acinte à memória dos nossos camaradas mortos e desaparecidos, a nós sobreviventes, e, sobretudo, um incentivo a novos golpes.
Francisco Celso Calmon, Analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia, 60 anos do golpe: gerações em luta, Memórias e fantasias de um combatente; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.
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