O diretor da Fundação Perseu Abramo e dirigente petista Alberto Cantalice publicou um artigo no portal Brasil 247 intitulado Crescimento do PIB é derrota do negacionismo do mercado, defendendo que por algum mistério inexplicável, a economia brasileira vem melhorando, apesar da asfixia provocada pelo Banco Central. Diz o burocrata petista:
“O crescimento de 1,6% do PIB no primeiro trimestre de 2025, é a demonstração cabal dos seguidos erros do mercado financeiro e de seus propagadores encastelados na velha mídia. O aperto monetário via taxa Selic imposto pelo excesso de ortodoxia da direção do Banco Central não conseguiu paralisar o ímpeto de crescimento do país.
A valorização do Real com consequente queda do dólar enfraquece a inflação e abre uma janela de oportunidade para o BC mudar a rota e começar a baixar os juros. E demais sabido que essa taxa de juros – a maior do mundo – impacta de forma avassaladora a trajetória da dívida pública o que faz a União desembolsar um volume crescente de recursos do Tesouro, obrigando o governo a fazer seguidos cortes no orçamento.”
A declaração de Cantalice revela muito mais sobre a ilusão da burocracia petista do que sobre a realidade econômica. O crescimento de 1,6% é apenas um dado isolado e completamente desconectado do cotidiano da população, que segue enfrentando desemprego, queda no poder de compra e miséria crescente. Para rebater essa propaganda fantasiosa, é preciso olhar o conjunto dos dados e compreender o funcionamento do sistema econômico em que o governo Lula opera.
Não se trata de derrotar um suposto “negacionismo do mercado”. O governo se encontra cercado por um sistema de chantagem permanente operado pelo capital financeiro, que exige ajustes constantes, metas fiscais, cortes orçamentários e juros elevados. O Banco Central, sob controle direto dos banqueiros, age para garantir o pagamento da dívida pública com juros estratosféricos, enquanto o Ministério da Fazenda, sob comando de Fernando Haddad, colabora com a austeridade necessária para garantir a segurança desse ciclo.
Cantalice aponta a valorização do real como sinal de melhora. No entanto, os dados mostram que a entrada de dólares à economia brasileira foi inferior à do ano anterior, mesmo com uma taxa Selic mais alta. Em 2023, no primeiro trimestre, o ingresso de capital externo somou US$24 bilhões com uma Selic de 11,25%. Em 2025, com a Selic em 12,75%, o volume caiu para US$21,79 bilhões. Ou seja, nem mesmo os juros elevados conseguiram atrair mais dólares. A queda no valor do dólar é, portanto, marginal e não representa um real alívio na inflação.
O crescimento do PIB, concentrado no agronegócio exportador, não gera emprego nem melhora o padrão de vida da maioria. O latifúndio exporta, lucra em dólar, enquanto o mercado interno segue desabastecido. Com o real valorizado, é mais vantajoso vender ao exterior. O resultado é a carestia: produtos produzidos com financiamento público atravessam a fronteira, enquanto o povo brasileiro paga mais caro por comida e bens de consumo.
Cantalice celebra dados que nada significam para a população. O nível de emprego segue estagnado, a informalidade cresce de maneira assustadora, os salários estão achatados. O povo não sente nenhuma melhora concreta. A população de rua aumenta, os sem-teto se multiplicam, a miséria é visível em todo o País. Falar em “vitória contra o negacionismo do mercado” nessas condições é escarnecer da realidade.
O próprio Cantalice admite, ainda que involuntariamente, que há um conflito entre o Banco Central e o governo, que corta de um lado enquanto os juros aumentam os gastos do outro. Mas ele ignora o essencial: é o próprio governo que se recusa a romper com essa dinâmica. A política do déficit zero, vendida como responsabilidade fiscal, é uma armadilha. Enquanto o Tesouro se sacrifica para agradar os banqueiros, o povo paga a conta.
Essa política não é inconsciente. Não se trata de erro de comunicação. É uma escolha deliberada. Haddad está implementando o programa do capital financeiro com o apoio de setores do governo. A esquerda governista, ao embarcar na ilusão do crescimento “apesar dos juros”, torna-se cúmplice da austeridade. Piora o quadro ao tentar justificar com dados isolados um modelo econômico que condena o país à estagnação.
O crescimento da agroindústria, por exemplo, não representa nenhum avanço. O latifúndio é subsidiado por recursos públicos através do Plano Safra. Exporta produtos alimentares enquanto o povo passa fome. Isso puxa o PIB para cima, mas empurra a população para baixo. O povo perde acesso à comida, ao emprego e ao serviço público. Não há nada a comemorar.
Cantalice encerra dizendo:
“A luta do ministro da Fazenda Fernando Haddad em equilibrar as contas públicas buscando um déficit zero, passa a ser uma tarefa quase hercülea, pois ao passo que busca economizar por um lado, o Banco Central aumenta o dispêndio por outro.”
Aqui, ele revela mais do que gostaria. O próprio petista admite que o governo está se sacrificando para atender aos banqueiros. É preciso dizer claramente: a austeridade é a política dos banqueiros. O “esforço” de Haddad em cortar gastos é parte da chantagem. O Banco Central sobe juros, o governo corta investimentos, e os banqueiros continuam vencendo.
Esse otimismo de Cantalice, portanto, não é apenas ingênuo: é um golpe. Serve para enganar a população, desmoralizar a esquerda e preparar o caminho para uma derrota política desastrosa. Esse tipo de propaganda não protege o governo: sabota.
A esquerda não pode se basear em dados manipuláveis, em balanços que só interessam aos banqueiros. Precisa defender um programa político real: investimento público, retomada da industrialização, pleno emprego, aumento de salários e fortalecimento do serviço público. Fora disso, é trapaça.
É preciso abandonar o otimismo de tolos. Não há crescimento real sem ruptura com o capital financeiro. E não há política de esquerda sem enfrentar os banqueiros. O resto é ilusionismo tecnocrático que serve para enganar os trouxas e sustentar a dominação imperialista sobre o país.