Os ministros do STF Kássio Nunes Marques e André Mendonça – Foto: Reprodução

Por Jeferson Miola, em seu blog

Na sessão digital do STF de 10/4 que julgou mais 17 criminosos do 8 de janeiro [Ação Penal 1.354], os ministros Kássio Nunes Marques e André Mendonça divergiram radicalmente da posição dos demais nove colegas e votaram pela absolvição dos réus.

Nos seus votos, os dois ministros do STF nomeados por Bolsonaro sustentaram, em resumo, que :[1] o STF não é a instância legítima para o julgamento, [2] não existem provas para a condenação, [3] não há provas de que os réus participaram da organização criminosa, e que [3] não houve tentativa de golpe de Estado [voto de André Mendonça aqui, e de Kássio Nunes Marques aqui].

Chama muito a atenção este posicionamento dos dois ministros bolsonaristas, pois o ministro-relator Alexandre de Moraes propôs uma condenação branda dos réus, pelos tipos penais de incitação ao crime e de associação criminosa [voto de Moraes aqui].

Moraes ainda substituiu a pena de um ano de prisão pelo cumprimento de medidas alternativas: prestação de 225 horas de serviços à comunidade; frequência de 12 horas em curso do MPF sobre “Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado”; proibição de utilização de redes sociais até a extinção da pena; retenção do passaporte; revogação de registro ou porte de arma de fogo e multa pecuniária.

Assim mesmo, e contrariando todas evidências criminais, Nunes Marques e André Mendonça votaram pela absolvição dos 17 réus, recusando-se a estabelecer uma condenação mínima, e para cumprimento de sentença em liberdade.

Os votos deles são simplórios, de um padrão teórico-intelectual sofrível e recheados com clichês jurídicos. Nem a inteligência artificial faria pior. Mesmo assim, contudo, as posições que manifestaram são altamente relevantes para a estratégia da extrema-direita.

Apesar da fragilidade dos seus votos, Nunes Marques e Mendonça produziram conteúdo político de enorme valor propagandístico, que legitima os mantras delirantes repetidos pelo bolsonarismo.

Numa atitude ofensiva à decisão colegiada já consolidada do STF e amplamente defendida pelo mundo jurídico, Nunes Marques alegou “a incompetência absoluta do Supremo para processar e julgar o feito”. E alegou que “a acusação não identificou nem expôs adequadamente as condutas supostamente ilícitas, com todas as suas circunstâncias, falhando em demonstrar qual e como teria sido a participação da parte ré”.

Desprezando o trabalho técnico primoroso da PGR, Nunes Marques afirmou que a denúncia “limita-se a discorrer sobre a gravidade abstrata dos delitos investigados e a apresentar imagens do acampamento e das atividades lá realizadas na tentativa de evidenciar certa organização e estabilidade nas supostas condutas criminosas”.

Embora o ministro tenha conhecimento de que no dia 8 de janeiro os criminosos partiram do QG do Exército, o “ninho incubador” de golpistas, assim mesmo ele entendeu que não existe “qualquer elemento que estabeleça uma conexão mínima entre os fatos narrados e eventuais condutas” dos réus.

Golpistas na Praça dos Três Poderes, de roupas verdes e amarelas
Ato golpista de 8 de janeiro de 2023 – Reprodução/Agência Brasil

E ele arremata com a conclusão impactante de que “a única alegação específica contra a parte é de que ela permaneceu acampada até o dia 9 de janeiro de 2023, em frente ao Quartel General do Exército”.

Nunes Marques minimiza a gravidade dos atos criminosos e normaliza as práticas criminosas dos golpistas, como fica claro neste trecho do seu voto: “Em suma, para além da variedade das pautas defendidas no exercício do direito de livre manifestação, inúmeras pessoas limitaram-se a pernoitar no acampamento entre 8 e 9 de janeiro de 2023. Muitas delas ali permaneceram somente no curto período do fim de semana de 7 a 9 de janeiro. Havia significativa rotatividade do público naquele ambiente aberto, sendo plausível cogitar que diversos manifestantes tenham chegado às vésperas dos eventos de 8 de janeiro, enquanto outros tenham partido de lá antes”.

Em outro trecho, Marques não caracteriza os eventos bárbaros como uma tentativa de golpe de Estado com a destruição das sedes dos Poderes da República, mas apenas como uma “invasão e depredação de prédios públicos”.

O ministro André Mendonça seguiu a mesma trilha vergonhosa do colega bolsonarista. Ele verdadeiramente advogou em favor dos réus. Reproduziu exaustivamente trechos de depoimentos de testemunhas das defesas, e ignorou as graves acusações da PGR.

Iniciou o voto declarando a “ausência de competência deste Supremo Tribunal Federal para processamento e julgamento dos presentes casos”. Denunciou “a ausência de provas aptas a ensejar decreto condenatório em relação a cada um dos réus”.

Mendonça romantizou o acampamento no QG do Exército e santificou os criminosos ali acampados: “Veja-se que as próprias denúncias narraram que o acampamento ‘já funcionava como uma espécie de vila, com local para refeições, feira, transporte, atendimento médico, sala para teatro de fantoches’. Nesse contexto, se afigura, a meu ver, generalizante e equivocada a conclusão de que todos os que lá estavam tinham as mesmas intenções; que estavam unidos e conscientes de pertencerem a uma associação criminosa com o fim de praticarem delitos contra a democracia”.

Mendonça sustentou que não basta “a conclusão genérica de que, por estarem juntos em um local, todos ali tinham os mesmos desejos e intenções”.

E justificou: “O fato de os acampamentos em frente aos quartéis do Exército terem funcionado por meses Brasil afora, com faixas de intervenção militar e a presença de indivíduos mais exaltados e radicais, não retira a heterogeneidade do grupo e a possibilidade de diversidade de intenções”.

Com base no depoimento de certa testemunha de defesa, Mendonça registrou que “alguns reconheciam que sabiam que poderia haver confronto, mas outros diziam que não sabiam. Algumas nitidamente falaram que não sabiam, que estavam na manifestação e ‘correram, seguiram uma manada’ e foram para o interior do Palácio”.

Os seguintes trechos do voto de Mendonça são absolutamente coerentes com a narrativa extremista: –“Uma senhora disse que tinha vindo rezar pelo país”; – “houve manifestantes que resistiram e outros que rezavam e cantavam o hino nacional”; –“outros [manifestantes] eram contra a intervenção militar e diziam que as Forças Armadas não seriam a solução”; –“Havia também manifestantes contrários às depredações”.

Em defesa dos criminosos, Mendonça ainda idealizou o acampamento ilegal no QG do Exército como uma espécie de quermesse: “entre os presos havia pessoas, por exemplo, que iam ao acampamento vender bugigangas, trabalhar como cozinheira, comer. Essas práticas estão longe de ser criminosas e não indicam qualquer adesão a crime”.

Os votos de Nunes Marques e André Mendonça são totalmente absurdos, e demarcam uma distância abismal em relação aos demais integrantes do STF.

Com seus votos, eles se assumiram como uma facção bolsonarista na Suprema Corte do país e se colocaram, portanto, em posição de franco antagonismo em relação à Constituição que têm a obrigação de zelar e defender.

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Last Update: 14/04/2025