Depois de um longo período de estagnação da economia e alto índice de desemprego, o Brasil voltou a comemorar o pleno emprego. Somente em 2024, foram abertos quase 1,7 milhão de postos de trabalho, um crescimento de 16,5% em relação a 2023, ano em que o mercado de trabalho formal já dava sinais de melhoras, revelam dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego no fim de janeiro. Trata-se, sem dúvida, de excelente notícia para o País. Há, porém, um fator que suscita preocupações: 90% dessas vagas foram ocupadas por jovens de até 24 anos. Para os brasileiros com mais de 50 anos, o cenário é bem diferente, foram fechados quase 160 mil postos de trabalho.
O Censo Demográfico do IBGE de 2022 não deixa dúvida quanto ao acelerado processo de envelhecimento da população, uma tendência que já vinha se desenhando desde o fim do século passado. O número de idosos cresceu 57,4% em 12 anos. A previsão é de que eles representem mais de 50% dos habitantes do País até 2100, índice que, até a metade do século passado, não chegava nem a 10% da população. Um cenário desafiador para os gestores públicos e para a sociedade em geral, que precisam correr contra o relógio para se adaptar ao novo cenário. Para manter a força motriz da economia nacional, será preciso repensar o papel reservado aos brasileiros com mais de 50 anos no mundo do trabalho e no mercado consumidor. A chamada economia prateada é uma realidade da qual não podemos nos desviar.
Em 2024, houve recorde de geração de empregos. Para quem tem mais de 50 anos, foram fechados 160 mil postos de trabalho
Sob o argumento de garantir a sustentabilidade da Previdência, sucessivas reformas deixaram a aposentadoria cada vez mais distante. De fato, a expectativa de vida do brasileiro quase dobrou ao longo de um século, mas o mercado de trabalho não tem assegurado oportunidades a quem ainda não atingiu a idade mínima ou cumpriu os requisitos para se aposentar. Ao contrário, os trabalhadores mais experientes tendem a ser precocemente descartados, como revelam os dados do Caged. Para complicar ainda mais o cenário, o processo de envelhecimento da população está ocorrendo a um ritmo mais acelerado que o visto nos países europeus. A França, por exemplo, levou 200 anos para aumentar a proporção de idosos na população, de 7% para 28%. “Estamos fazendo uma transição muito rápida, ela está se dando em 50 anos”, analisa o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador aposentado do IBGE. “É um desafio muito grande para os gestores, para as políticas públicas, para a sociedade, para as famílias e para as pessoas se adaptarem a essa nova realidade.”
Alheio a esse novo fenômeno, o mercado de trabalho é a representação máxima do etarismo. Com raras exceções, as empresas estão, cada vez mais, substituindo trabalhadores 50+ por mão de obra mais jovem e, geralmente, mais barata também. A dificuldade de permanecer no mundo corporativo não é novidade para os trabalhadores grisalhos, principalmente para a camada considerada idosa pela lei, quem tem mais de 60 anos. Historicamente, esse grupo é vítima de preconceito, algo que foi potencializado com a pandemia de Covid–19, quando muitos profissionais nessa faixa etária foram substituídos pelos mais jovens. Segundo Ana Karla Cantarelli, pesquisadora e especialista em desenvolvimento de pessoas, os números negativos do Caged para essa população refletem a herança da pandemia, mas também a discriminação estrutural no mercado laboral.
“Não há uma justificativa apenas, a causa desse fenômeno é multifatorial. O grupo acima de 50 anos foi o que mais perdeu empregos na pandemia, porque concentrava os salários mais altos, e ainda vemos o resquício disso. Além do etarismo, há uma forte exigência por atualização e qualificação profissional, que eu acho que a gente precisa ter mesmo”, diz a especialista, acrescentando que o mercado necessita de um novo pacto geracional, onde experiência e inovação possam caminhar lado a lado. “O futuro do trabalho não tem idade, ele exige competência. E a geração mais velha tem muito a contribuir, muito mais do que o mercado imagina e, às vezes, até mais do que a própria geração 50+ acredita. O mundo corporativo não quer mais apenas o conhecimento técnico, quer maturidade emocional e inteligência relacional. E isso os mais experientes têm de sobra.”
Com 58 anos de idade, o contador Geisomar Pires contempla as características elencadas por Cantarelli, mas precisou adaptar-se a uma realidade de muita desvalorização dos profissionais mais velhos para voltar ao mercado formal. Ele trabalhava como gerente administrativo e financeiro de uma grande construtora no Recife, com proventos que ultrapassavam 20 salários mínimos, além de vários benefícios. Em 2016, aos 50 anos, foi demitido e, com a indenização recebida, tentou empreender. Foi pego de surpresa pela pandemia, período que acumulou grande prejuízo, e há pouco mais de um ano voltou a trabalhar com carteira assinada. O salário é, porém, infinitamente menor do que recebia no antigo emprego. “É até natural que os mais experientes não consigam acompanhar a velocidade dos mais jovens. O que ainda faz com que alguns profissionais acima dos 50 anos resistam é o fato de que o conhecimento nunca será desprezado e o aprendizado obtido através da prática e da vivência será sempre útil e desejado”, salienta Pires, que está a um ano de completar os requisitos para se aposentar.
E consenso entre os especialistas em recursos humanos e gestão de pessoas a necessidade de os profissionais acima de 50 anos continuarem estudando, buscando atualizar-se a partir da demanda do mercado. Segundo Ricardo Haag, headhunter e sócio da Wide Executive Search, empresa especializada no recrutamento de executivos para cargos de média e alta gestão, está em curso, numa escala ainda bem pequena, um movimento no mundo corporativo de buscar profissionais mais velhos para ocupar cargos de liderança. “Com 60 anos, a pessoa está a pleno vapor em termos de energia e experiência. Dá de mil a zero em muita gente de 20 anos. As empresas estão vendo isso e há uma tendência, cada vez maior, de absorção dessa mão de obra mais experiente”, diz, embora reconheça que ainda há grande resistência por parte dos empregadores com essa faixa etária.
“É preciso um movimento das empresas para contratar essa mão de obra, mas também é necessário mais empenho dos profissionais. Muitas vezes, sinto uma insegurança brava, uma descrença de que aquela pessoa vai alcançar o espaço almejado”, explica Haag. “O sucesso da jornada depende muito da pessoa, o quanto ela se atualiza, se dedica pela busca, o quanto ela trabalha networking e investe tempo em formação para se manter firme nesse ambiente tão competitivo”, diz. “Estamos entrando numa dobradinha intergeracional e vejo muitas organizações implantarem políticas de inclusão para a população 50+, movimentando a economia prateada, que tem também um público consumidor grande. Para se manter viva profissionalmente, essa parcela dos brasileiros precisa investir em atualização tecnológica e voltar a aprender coisas a que ainda não teve acesso.”
José Dari Krein, doutor em Economia Social e do Trabalho e professor da Unicamp, enxerga uma janela de oportunidade para os trabalhadores mais velhos, que representam um contraponto à apatia dos mais jovens em um mercado cada vez mais precarizado. “Existe uma mudança na percepção da juventude sobre o significado do trabalho, que faz com que uma parte importante dessa parcela da sociedade não queira trabalhar em qualquer coisa. É uma força de trabalho menos engajada, menos comprometida com aquilo que as empresas esperam”, opina. Com o envelhecimento da população brasileira, as empresas terão dois caminhos a seguir: ou absorver a população 50+ e melhorar as condições de trabalho para esse público ou terão de recorrer a imigrantes mais jovens para ocupar os precários postos laborais, como já acontece na Europa.
Se, por um lado, as pessoas acima de 50 anos estão perdendo seus empregos, por outro, o sonho da aposentadoria para esse grupo fica cada vez mais inalcançável. Segundo Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política e Social, cerca de 100 mil brasileiros estão inseridos na população economicamente ativa. Destes, metade ou está desempregada ou na informalidade, e a outra metade contribui para a Previdência Social. Ocorre que, segundo a previsão do pesquisador, grande parte desses 50% que têm emprego formal não vai alcançar os critérios necessários para se aposentar, o que deve gerar um caos geracional a partir do empobrecimento exponencial da população mais velha.
“Parte das pessoas que hoje estão na informalidade já não contribui com a Previdência e, portanto, não vai cumprir as regras de aposentadoria. A outra parte, que está no mercado formal, normalmente não fica no emprego continuamente. Tem períodos que está na formalidade e outros na informalidade, o que torna muito difícil cumprir os 20 anos exigidos de contribuição para o homem e 15 anos para a mulher para ter direito à aposentadoria. As pessoas que têm carteira assinada, por conta da rotatividade e de uma série de outros fatores, passam um bom período no mercado informal ou desempregadas”, explica Fagnani, ressaltando que a informalidade no Brasil vai aumentando progressivamente na medida em que as pessoas vão envelhecendo. “A chance de uma pessoa de 60 anos encontrar um emprego com carteira assinada é mínima. E, com as restrições a partir da reforma da Previdência de 2019, o cenário que vejo em 2060 é uma massa de velhos desassistidos, que vão frequentar os viadutos e os semáforos.”
Autor do livro Previdência: o Debate Desonesto (Ed. ContraCorrente), Fagnani é um crítico ferrenho das sucessivas reformas da Previdência e da narrativa do mercado financeiro de que o Brasil não aguenta manter o sistema de aposentadoria de seus trabalhadores. Ele lembra que 80% dos idosos hoje têm como fonte de renda a aposentadoria ou o Benefício de Proteção Continuada, o BPC. “O que acontecerá em 2060, quando o País terá uma quantidade enorme de idosos que não vão ter fonte de renda porque o mercado de trabalho não oferece oportunidades e porque essas pessoas não conseguem se aposentar? Eu não vejo um cenário de crise fiscal, de colapso financeiro, como o mercado diz. Eu vejo é um cenário de colapso social, uma crise social gravíssima”, salienta. “Não adianta fazer uma reforma alongando o tempo da contribuição, excluindo várias pessoas por critérios draconianos. Isso não vai resolver o problema. O que tem de acontecer é encontrar alternativas para financiar a Previdência”, acrescenta Krein.
A maior prevalência de doenças crônicas e degenerativas pressiona o SUS
Excluídos do mercado de trabalho e com uma aposentadoria quase inalcançável, os trabalhadores 50+ já estão sendo chamados de “sem-sem”, sem emprego e sem aposentadoria, um trocadilho com o desalento de parte da juventude brasileira, os “nem-nem”, que nem estuda nem trabalha. Segundo dados da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, foram investidos, em 2024, ínfimos 15 milhões de reais para políticas públicas de assistência à pessoa idosa. Alexandre da Silva, secretário do órgão, destaca que um dos grandes desafios do governo é implantar uma política pública voltada para reduzir o quanto antes o alto índice de analfabetismo entre os idosos, o que reflete diretamente no mercado de trabalho para esse público.
“São mais de 11 milhões de analfabetos e metade deles é de pessoas idosas. Estamos em fase de conclusão do Plano Nacional do Idoso, o qual tem como uma das prioridades aumentar a escolaridade e estimular a formação técnica-tecnológica dessas pessoas”, explica. “Quando a gente pensa no trabalho, tem de pensar também no estímulo para a formação. Queremos criar formas mais equitativas para alcançar esses grupos.”
Na velocidade com que o envelhecimento da população brasileira vem acontecendo, os problemas são sentidos muito além do mercado de trabalho. Há um forte impacto, por exemplo, na área da saúde. O aumento da expectativa de vida e a mudança na pirâmide etária da população alteraram os tipos de doenças mais comuns no País, prevalecendo, hoje, as chamadas doenças crônico-degenerativas. “Ao viver mais, as pessoas adquirem hipertensão, diabetes, doenças do aparelho hoste-locomotor, demenciais, Alzheimer, Parkinson, câncer. E, claro, isso só acontece agora porque antes não dava tempo, as pessoas morriam muito cedo”, explica o médico e ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, acrescentando que dois terços dos óbitos no País são por doenças crônico-degenerativas e estão diretamente relacionadas ao processo de envelhecimento.
Segundo Chioro, que participou da equipe de transição da saúde do governo Lula, essa pauta do envelhecimento está no radar do governo e deve ser trabalhada para atender não apenas os atuais, mas também os futuros idosos. “Precisaríamos priorizar o cuidado desde os bebês, para, por exemplo, combater a obesidade na infância, na adolescência. E fazer diagnóstico precoce de diabetes, de hipertensão e tantas outras doenças, ter uma alimentação mais saudável, combater o tabagismo e o uso abusivo de álcool, combater o sedentarismo. Isso tem de ser feito em todas as faixas, para que as pessoas possam ter um padrão de envelhecimento melhor”, diz. “No caso dos idosos, vamos precisar ampliar a oferta de cuidados na atenção básica, porque não adianta ficar internando, colocando todo mundo em um hospital. O cuidado é na atenção primária, é na estratégia de saúde da família, é no acompanhamento do desenvolvimento saudável, do controle das doenças, do cuidado com a saúde mental e assistência farmacêutica.”
Os números confirmam a transição epidemiológica em curso. Até os anos 1960, a maioria dos brasileiros morria em decorrência de doenças infecciosas ou de parasitas. A partir dos anos 1970, as doenças cardíacas e do aparelho circulatório assumem a liderança e, agora, há um progressivo crescimento das neoplasias (câncer), cujos tratamentos são exponencialmente caros. “Tudo isso significa maior pressão sobre o sistema de saúde. O Brasil está fazendo uma transição demográfica de maneira muito rápida e isso demanda novos olhares, novas abordagens sobre a organização do sistema de saúde, o que impacta nos custos”, destaca o médico José Gosmes Temporão, ex-ministro da Saúde.
Temporão defende que o Brasil assuma a autossuficiência na área de tecnologia na fabricação de medicamentos. “O Brasil depende hoje de 90% dos princípios ativos de fora e a produção de medicamentos é importada da Índia e da China. O governo brasileiro tem uma política, que comecei em 2008, de fortalecimento do complexo econômico e industrial da saúde que agora está num novo momento, muito mais fortalecido, que é de estimular parcerias público-privadas entre laboratórios de capital nacional, multinacionais e laboratórios públicos de transferência de tecnologia.” O ex-ministro diz ser preciso, ainda, uma mudança no sistema de saúde, hoje organizado, principalmente, para atender emergências e quadros mais agudos. “Tem a dimensão tecnológica, a científica, a financeira e também a dimensão organizacional. O sistema de saúde vai ter de migrar para uma nova estrutura, uma nova compreensão de como cuidar desses pacientes com doenças crônicas e, muitas vezes, múltiplas. As novas tecnologias de Inteligência Artificial e outras de telessaúde podem ser um instrumento poderosíssimo para enfrentar esses desafios”, ressalta.
O envelhecimento populacional traz muitos desafios, mas também boas oportunidades de negócios. A economia prateada envolve todos os produtos e serviços adquiridos por essas pessoas, movimentando em torno de 2 trilhões de reais por ano no Brasil, ou 23% do consumo de bens e serviço, de acordo com a consultoria Data8. O setor é a terceira maior atividade econômica do mundo, movimentando mundialmente 7,1 trilhões de dólares anualmente. “As pessoas idosas têm um grande potencial de serem aproveitadas nas atividades econômicas e corporativas, mas também é um grande público consumidor, são pessoas voltadas muito para o bem-estar, para a sua realização pessoal”, lembra Krein.
A economia prateada movimenta 2 trilhões de reais por ano no Brasil
De olho nesse nicho, o empresário Fábio Alves criou a 3i Residencial Sênior, uma instituição de longa permanência para idosos, uma mescla de clínica e hotel para esse público. “A pessoa contrata o serviço de hospedagem dentro de um processo de moradia assistida, onde ela é inserida num residencial com suporte assistencial de cuidadores, equipe multidisciplinar e suporte clínico. São médicos, fisioterapeutas, aulas de artesanato e atividade física. E aí a pessoa paga uma mensalidade pela prestação de serviço”, explica Alves, que já conta com quatro unidades em funcionamento no interior de São Paulo e outras quatro em construção, expandindo os negócios para uma rede de franquias, uma delas já com inauguração prevista para o meio do ano, no Recife. Como projeto para o ano que vem, a empresa pretende construir um condomínio residencial voltado exclusivamente para idosos. •
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os velhos “sem-sem”’