Qualquer militante da nova geração não pode deixar de se incomodar à medida que vai compreendendo o passado do movimento comunista, especialmente no que diz respeito à Terceira Internacional.
No processo atual de ataque à classe trabalhadora e de destruição do meio ambiente, é fundamental debater os balanços históricos da nossa classe. Grande parte dos novos lutadores hoje encontra o marxismo da Internet, repleto de ‘’manuais’’, que transmitem uma falsa concepção de análise do mundo.
Desses ‘’marxismos’’ da Internet, raramente se faz um balanço real dos processos revolucionários e das derrotas. É, portanto, um dever de todo revolucionário fazer um balanço dos caminhos da derrota das revoluções no século passado.
A partir de leituras de diversos autores, é possível entender a trajetória das políticas que levaram os processos revolucionários à derrota em todo o mundo, a restauração da URSS e a tristeza diante do massacre de uma geração de comunistas.
Neste ponto, destaco a incrível leitura do livro de Pierre Broué, “A História da Internacional Comunista”, como peça fundamental para entender os processos de degeneração e o fim da Terceira Internacional, sendo este o ponto central deste texto.
Uma breve recapitulação
É preciso lembrar de toda a luta dos diversos militantes aguerridos que, com a vitória da Revolução de Outubro, se empenharam para construir a Terceira Internacional. Diversos quadros do movimento foram colocados para fortalecer a revolução mundial. Lênin, desde o início, se colocou nessa tarefa, que para ele era fundamental, entendendo o caráter marxista do internacionalismo como peça chave para a revolução.
Em março de 1919, realizou-se em Moscou (durante a Guerra Civil Russa) o Congresso Internacional dos Comunistas, que fundou a III Internacional. A importância da Internacional para os bolcheviques era imensa. Como disse Lênin:
“A I Internacional lançou as bases da luta proletária internacional pelo socialismo. A II Internacional marcou a época da preparação do terreno para uma ampla extensão do movimento entre as massas em uma série de países. A III Internacional recolheu os frutos do trabalho da II Internacional, amputou a parte corrompida, oportunista, social-chauvinista, burguesa e pequeno-burguesa, e começou a implantar a ditadura do proletariado. A aliança internacional dos partidos que dirigem o movimento mais revolucionário do mundo, o movimento do proletariado para a derrubada do jugo do capital, conta agora com uma base mais sólida do que nunca: várias Repúblicas Soviéticas, que transformam em realidade, em escala internacional, a ditadura do proletariado, a vitória deste sobre o capitalismo.”
A importância histórica universal da III Internacional, a Internacional Comunista, reside no fato de que ela começou a levar à prática a consigna mais importante de Marx, a consigna que resume o desenvolvimento do socialismo e do movimento operário durante um século: a ditadura do proletariado.
Mas, com todo o processo de degeneração burocrática do novo Estado operário da Rússia, fortalecido pela morte de Lênin, a Terceira Internacional começou a acumular derrotas. E em todas essas derrotas já estavam presentes os germes da contrarrevolução. Para o leitor que queira pesquisar mais sobre isso, sugiro alguns debates:
- O Comitê Anglo-Russo
- A política com a China referente ao Kuomintang
- O putschismo na Alemanha e a política de social-fascismo
- A política das frentes populares
- A política do terceiro período da Terceira Internacional
Pois bem, este texto é mais focado no fim da Internacional, mas o processo de derrocada das Internacionais, como a primeira e a segunda, segue o mesmo caminho: a traição aos trabalhadores, a traição da revolução e a busca pelo caminho mais fácil e pela ilusão.
E a traição à Terceira Internacional foi ainda mais dura, num momento em que um terço do mundo estava sob Estados operários. Foi uma traição realizada com a morte e o massacre de diversos revolucionários de todo o mundo. Nesse contexto, recomendo o livro “Comunistas Contra Stálin”, também de Pierre Broué. Agora, vamos aos fatídicos últimos dias de “vida” da Internacional Comunista.
Os últimos dias: O fim ou o início do fim?
A Terceira Internacional durou 24 anos e não era um mero aparato; era a peça fundamental para a revolução mundial, uma escola para os novos partidos criados no mundo após a vitória da Revolução de Outubro.
Era a ferramenta mais importante para que os trabalhadores “assaltassem os céus” e conquistassem a vitória da classe trabalhadora. No entanto, de caráter fundamental, ela foi acumulando derrotas até chegar ao seu fim — ou melhor, à renúncia à revolução mundial.
Voltemos, então, quase 90 anos atrás, durante a Segunda Guerra Mundial, no ano de 1943, quando se anuncia a morte da Terceira Internacional.
Isso pode surpreender alguns, mas como a Internacional estava sendo dissolvida em um dos momentos mais importantes e impactantes da história? Como uma ferramenta fundamental da revolução estava sendo dissolvida, quando, após a Segunda Guerra Mundial, abriram-se processos revolucionários em todo o mundo?
A verdade é que, desde o início da guerra, a Comintern já não era um espaço de revolução. A Terceira Internacional já estava podre por dentro, devido às derrotas que impuseram à classe trabalhadora, como na China, e ao avanço do fascismo na Alemanha.
Sob a liderança de Stálin , Dimitrov e outros, ela não passava de uma caricatura. Stálin procurou justificar a dissolução da Internacional por muito tempo, argumentando que a Comintern facilitava a perseguição da burguesia aos partidos comunistas nacionais e dificultava seu desenvolvimento independente. Dimitrov, afirmava que o fim da Comintern não era meramente tático, em resposta às burguesias de outros países, mas sim uma dissolução verdadeira.
O fim
Porém, com o avanço da guerra contra a Alemanha nazista e a aproximação com as potências capitalistas aliadas, reacendeu-se a proposta de dissolver a Internacional. E foi em portas fechadas que a Comintern cometeu seu suicídio e sua própria extinção.
Assim obteve as aprovações de todos os partidos após a reunião da Comintern. Esse processo não era difícil, dada a falta de independência dos Partidos Comunistas do mundo, que, ao longo do tempo, sofreram expurgos de suas direções para dar espaço àqueles que aceitavam as políticas da URSS.
Contraditoriamente, essas decisões mantiveram muitas das funções da Comintern, mas quais? Aqueles destinados ao controle dos PCs no mundo todo. A mesma que destituiu a direção do PC polonês, que discordava da política de Stálin. Como exemplo, logo após a sua extinção, a URSS “pediu” ao PC grego para seguir a vontade comum dos Aliados, o que se concretizou pela entrega de armas dos revolucionários e apoio à democracia burguesa, resultando na traição da Revolução Grega.
Razões e Motivos
Stálin, apressado, nem sequer esperou as respostas de todas as seções e anunciou precipitadamente a dissolução em 28 de maio de 1943. A imprensa estadunidense comemorou o ato:
- O News & Observer anunciou que “o mundo respira melhor” desde “o fim da loucura de Trotsky”;
- O Hartford Courant urrou de alegria: “A Terceira Internacional morreu! O sonho de Marx terminou!”;
- O Buffalo Evening News escreveu um elogio fúnebre: “Assim termina a Comintern, fundada em 1918 por Lênin e Trotsky para fomentar a revolução mundial”;
- O Philadelphia Evening Bulletin viu em Stálin um homem de Estado realista: “Stálin fez bem em retirar toda aparência de tolerância de sua parte na Rússia por esta organização subversiva”.
A mensagem que a Comintern passava, escrita por Stálin, era a de que ela mesma fora um erro histórico e que, em outras questões, aprofundava a política do “socialismo em um só país”. Como diz Broué: “Jamais uma organização foi mais vergonhosamente e totalmente renegada por seus chefes do que a internacional dita comunista.”
A Terceira Internacional foi palco de disputas, em grande parte pela oposição de esquerda, que criticava os erros de Stálin. A oposição pagou com a vida pelo embate pela luz da revolução mundial. Para Stálin, a organização internacional era o vestígio de suas próprias derrotas — da Revolução Espanhola a Hitler. Era uma maneira de deslegitimá-lo perante o caráter internacional, caso houvesse revoluções em países avançados com uma organização comunista contrária às suas direções.
Stálin teve medo das críticas desde o início e teve medo das revoluções que suas orientações destruíam. A Revolução Europeia lhe causava o medo de perder o controle. A Comintern foi dissolvida num pacto com os Aliados. Seus próximos passos seriam a defesa dos PCs que entregassem a revolução e apoiassem as saídas democráticas burguesas. Uma posição menchevique e anti-socialista, em que alguns “indisciplinados”, como Tito da Iugoslávia e outros, ameaçavam seguir o mesmo caminho.
Balanço da tragédia
Se a Terceira Internacional nasceu quase no fim da Primeira Guerra Mundial pela necessidade de organizar as revoltas que viriam, totalmente em contradição com isso, ela foi condenada à morte quase no fim da Segunda Guerra Mundial, quando seria necessário um centro estratégico e tático para a revolução mundial. A direção da revolução mundial decidiu dissolvê-la.
No livro História das Três Internacionais (em 4 volumes), o militante William Z. Foster, do PC americano (partidário das ideias de Stálin), justifica que a Internacional já não servia mais. Era a explicação “suficiente” para destruir a organização fundamental da Revolução Mundial que Lenin lutou para construir com tamanha importância.
O processo de traição da Revolução Mundial não pode ser retirado das mãos do stalinismo e do processo de falsificação da história e perseguição dos revolucionários conduzido por ele.
Se a Internacional durou 24 anos, na sua maior idade foi conduzida por homens que dominavam direções inteiras de partidos e as vidas dos militantes (onde muitos foram mortos por ousarem criticar). Que destruíram as revoluções com suas análises anti-dialéticas e pelo medo de perderem a direção do movimento comunista. Traíram o conjunto da classe trabalhadora internacional.
Colocaram um processo que restauraria no futuro a URSS. Falsificaram suas posições e fizeram com que grande parte do movimento que se diz comunista seguisse posições conhecidas hoje como dimitrovistas e browderistas, de apoio às frentes populares ou a qualquer burguês vestido de vermelho.
Como diz Broué, “a luta pela verdade histórica é também um dos aspectos essenciais da luta pela emancipação da humanidade e pelo fim da opressão do homem pelo homem“. Ler o livro de Broué é sentir a dor das oportunidades históricas perdidas, passar da raiva à tristeza pelos vários militantes que colocaram sua vida pela revolução.
Lamento pela derrota e destruição da revolução mundial. Mas é preciso abrir os olhos para a verdade e seguir lutando. É necessário que os revolucionários se unam para a reconstrução de uma nova Internacional que tenha em seu programa a defesa da revolução mundial permanente. Sigo convicto na Quarta Internacional, na qual construo a LIT-QI.
Enfim, para suavizar a verdade que Broué nos transmite ao ler o livro, deixo para os leitores a última frase, onde ele cita indiretamente Antoine Thibault:
“Avançar sempre em meio a todos, sobre o mesmo caminho onde, na alvorada da espécie, multidões de homens, há séculos, marcham cambaleando em direção a um futuro inconcebível.”
Seguir lutando por um futuro concebível, seguir na luta pela Internacional Comunista!