do Diap – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

Os sindicatos na reconstrução da Europa no pós-guerra

A classe trabalhadora constituiu os sindicatos como instrumento de organização e representação coletiva para atuar no processo de transformação profunda engendrada pela revolução industrial ao longo do século 19. Essas mudanças reconfiguraram a sociedade como um todo, com o capitalismo na economia, o liberalismo na política e a cultura de massa.

por Clemente Ganz Lúcio

Seus desdobramentos e tensões de conservação e de ruptura de poder econômico e político resultaram nas 2 grandes guerras. Os sindicatos atuaram de forma vigorosa nesses processos. Destaco, neste artigo, o papel dos sindicatos na reconstrução da Europa no pós-guerra, a partir de 1945.

No livro “Pós-Guerra: Uma História da Europa Desde 1945”1, Tony Judt2 nos oferece interessantíssima interpretação do recente passado europeu e na qual está assinalado o papel dos sindicatos no contexto da reconstrução europeia e da ascensão do modelo social-democrático no pós-guerra.

O que destaco neste artigo é o papel que os sindicatos desempenharam para o desenvolvimento econômico e social daquele continente, especialmente nas décadas que seguiram à Segunda Guerra Mundial, magistralmente arguidas pelo autor ao longo da obra.

Após a Segunda Guerra Mundial, os sindicatos desempenharam papel essencial na reconstrução econômica da Europa. Em muitos países, os sindicatos atuaram para construir os acordos sociais para a reconstrução ao negociarem com governos e empresários objetivos, estratégias, planos de ação e formas de repartição dos resultados alcançados.

Nesse processo implementou-se formas de tratamento dos conflitos, valorizando a negociação coletiva para regular as relações de trabalho e a participação social na formulação e na implementação de políticas públicas universais de educação, saúde, Assistência Social e Previdência Social. Pactuou-se formas de se obter ganhos de produtividade e sua distribuição por meio das negociações coletivas que, além de tratar dos salários e condições de trabalho, tratavam da formação profissional, das profissões, da proteção previdenciária, entre outros.

Com atuação local, setorial, regional e nacional, os sindicatos e suas estruturais superiores, promoveram a democratização nas relações econômicas ao dar voz aos trabalhadores para apresentar suas pautas, demandas e propostas, bem como participar de processos decisórios que, de outra forma, seriam dominados apenas pelos empregadores ou pelas forças do mercado.

A experiência de quase meio século evidencia que os sindicatos ajudam a reduzir desigualdades econômicas e sociais que são ameaças à democracia e à sociedade justa. Por meio da negociação coletiva, esses asseguram distribuição mais equitativa da riqueza produzida.

A experiência europeia indica o papel essencial do movimento sindical na proteção e ampliação do estado de bem-estar social — saúde, educação, habitação, transporte e aposentadoria. Ao pressionar governos e empregadores, os sindicatos garantem políticas públicas que além de beneficiarem os trabalhadores, geram benefícios para toda a sociedade como um todo.

Um dos valores da formação da União Europeia é o fundamento da coesão social. Como os sindicatos canalizam demandas trabalhistas de forma organizada e institucional, reduzindo o risco de que os conflitos se desdobram em greves e confrontos violentos, ou dando tratamento institucional à greve por meio da negociação coletiva e interação com as instituições, os sindicatos contribuem para a estabilidade das democracias.

Assim, Judt destaca que os sindicatos foram atores centrais no que ele chama de “pacto social” entre trabalhadores, empregadores e governos, que permitiu o surgimento do Estado de bem-estar social na Europa, articulando regras para a promoção de salários justos, jornada de trabalho regulada, formação profissional, acesso universal à saúde e à educação, políticas de Seguridade Social.

No contexto da reconstrução europeia, os sindicatos também ajudaram a consolidar as democracias, especialmente nos países que buscavam se distanciar de regimes autoritários ou fascistas. Esses representavam forma organizada e democrática de articulação dos interesses dos trabalhadores, contrastando com os movimentos radicais que haviam ganhado força nas décadas anteriores.

Judt frequentemente elogia o papel histórico dos sindicatos como promotores da solidariedade social. No contexto da Europa pós-guerra, essa solidariedade foi crucial para superar divisões políticas e econômicas e construir sociedades mais igualitárias.

A onda neoliberal, a desregulamentação dos mercados e a globalização que varre o mundo desde os anos de 1970 tem grande impacto sobre o sindicalismo. Judt menciona o enfraquecimento dos sindicatos a partir dos anos 1980, o que teve consequências profundas para o modelo social-democrático europeu, contribuindo para o aumento das desigualdades e para a erosão das conquistas do Estado de bem-estar.

Temos o desafio de recolocar centralidade ao mundo do trabalho na organização da sociedade do século 21. Para isso, os sindicatos são instrumentos fundamentais para garantir os direitos e a proteção dos trabalhadores frente aos interesses do capital. Esses equilibram a relação de poder entre empregadores e empregados, assegurando condições dignas de trabalho, salários justos e benefícios sociais.

Judt critica fortemente o neoliberalismo e a redução do papel do Estado na economia. Ele vê os sindicatos como barreira contra a desregulamentação, a privatização e a precarização do trabalho, defendendo a ideia de que mercados sem regulação exacerbam as desigualdades e prejudicam a coesão social.

Sindicatos são, para Judt, espaços que constroem solidariedade entre trabalhadores. Isso é essencial para a social-democracia, que valoriza a cooperação e a interdependência como bases para o progresso social e econômico.

Em síntese, Tony Judt vê os sindicatos como pilares de sociedade social-democrática saudável. Sem esses, o equilíbrio entre capital e trabalho seria desfeito, aumentando as desigualdades e enfraquecendo os valores democráticos.

Ele argumenta que o enfraquecimento dos sindicatos nas últimas décadas tem sido uma das principais causas do declínio da social-democracia na Europa e no mundo. Faz apelo contundente para que os valores da social-democracia sejam resgatados. Os sindicatos, em sua visão, são peças fundamentais para reverter a desigualdade crescente, fortalecer o Estado de bem-estar social e reconstruir sociedade baseada em solidariedade e justiça. Seu enfraquecimento, argumenta Judt, representa sintoma e causa da crise social e política do século 21.

Clemente Ganz Lúcio Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese – 2004/2020.
_____________________
1 Tony Judt, “Pós-Guerra: Uma História da Europa Desde 1945”, Editora Objetiva, 2011.

2 Tony Judt (1948-2010) foi professor de História nas universidades de Cambridge, Oxford, Berkeley e na Universidade de Nova Iorque, onde fundou o Remarque Institute. Ganhou vários prêmios internacionais pela sua obra.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 28/02/2025