A Europa não poderia ter sido mais direta ao reconhecer a necessidade de reordenar a sua realidade diante das tensões com a Rússia, decidindo que os países da Otan vão passar por um aumento drástico de seus gastos em Defesa. Moscou não tardou a reagir ao anúncio e, nesta quarta-feira, criticou o papel da União Europeia que, nas suas palavras, passou a atuar como um “bloco político-militar agressivo”.
“A União Europeia é, essencialmente, um ramo, ou melhor, um apêndice da OTAN”, disse Sergey Lavrov, chanceler da Rússia. Para ele, a Europa estaria construindo os “preparativos para a guerra” com o seu país.
Os movimentos da Otan
Nesta semana, em uma reunião de cúpula especialmente impactada pelo conflito no Oriente Médio, a Otan deu dois sinais importantes sobre como vem construindo a sua posição estratégica sobre o atual cenário bélico no globo.
O primeiro veio de alguém de fora da Otan: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Dizendo que a Europa “acordou militarmente”, a autoridade reconheceu que “até 2030, a Europa deve ter tudo o que precisa para uma dissuasão”.
“Mas isso exige uma nova mentalidade para todos nós. Precisamos estar dispostos a sair da nossa zona de conforto. Precisamos explorar novas formas de fazer as coisas, unindo tecnologia e defesa, civil e militar, dentro da Europa e além dela. Juntos, podemos dissuadir qualquer um que tente nos causar danos”, afirmou von der Leyen. Não há um prazo determinado para que os países passem a gastar os 5% mencionados, mas, internamente, há quem creia que isso deva ocorrer até o final desta década.
Em outras palavras, a Europa trabalha com a premissa de que uma guerra com a Rússia está no horizonte. Independentemente, inclusive, de um hipotético acerto momentâneo sobre a questão da Ucrânia. Hoje em dia, 23 dos 32 membros da Otan já cumprem a meta de 2% de gastos do PIB em Defesa. Há pouco mais de dez anos, quando a Rússia anexou a Crimeia, apenas três países superavam esse piso. A Rússia, por sua vez, já tem gastos militares da ordem de cerca de 7% do seu PIB.
O segundo sinal foi dado pelo secretário-geral da Otan, Mark Rutte, que lidera a sua primeira reunião de cúpula. O holandês reconheceu abertamente que não existem mais alternativas ao aumento de gastos com defesas diante das ameaças que a Rússia representa.
“Dada nossa ameaça de longo prazo da Rússia, mas também a construção massiva do poderio militar na China, e o fato de que a Coreia do Norte, China e Irã estão apoiando o esforço de guerra na Ucrânia, é realmente importante que gastemos mais. Então, esse será o tema número um na agenda hoje”, disse Rutte.
Esses movimentos não teriam sido possíveis sem as críticas, ameaças e indefinições de Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos já desdenhou da configuração da aliança militar e não hesita em defender que, militarmente, a Europa deve andar com as próprias pernas.
Na prática, o acordo para estabelecer um percentual mínimo de 5% do PIB para gastos militares é uma vitória de Trump, que se queixa de gastar demais com a defesa de outros países. Essa demanda, aliás, não é nada nova: já no seu primeiro mandato, o republicano pressionava a aliança militar para aumentar os seus gastos militares, tentando aliviar a própria conta em termos de aporte.
Nesta semana, Rutte não mostrou grandes constrangimentos ao revelar uma aberta subserviência ao norte-americano, enviando uma mensagem a Trump – tornada pública pelo republicano – em que dizia que os ataques dos EUA ao Irã teriam deixado “todos nós mais seguros” e, hoje, descreveu o presidente dos EUA como “um homem de força”.
‘Moscou não acredita em lágrimas’
Vladimir Putin observa o vai e vem militar da Europa em uma posição cujo Ocidente luta para decifrar. Na terça-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, expressou que a Otan estaria caminhando para uma “militarização desenfreada”. Na semana passada, ao comentar sobre a reunião de cúpula da aliança, Putin disse que não considerava a expansão armamentista da Otan uma “ameaça”, já que a Rússia teria as “capacidades de defesa” necessárias.
“Não consideramos qualquer rearmamento da Otan uma ameaça à Federação Russa, porque somos autossuficientes em questões de segurança”, afirmou. “Estamos constantemente aprimorando nossas forças armadas e nossas capacidades de defesa”, complementou.
A posição do Kremlin tem bases que vão além das minúcias. O argumento central de Putin contra a Otan – manifestado em tantas outras oportunidades – é que a aliança militar ocidental não poderia ter se expandido tanto para o leste, desde o fim da Guerra Fria.
Em 2021, poucos meses antes da invasão russa ao território ucraniano, Moscou propôs um projeto de acordo com a Otan: no documento, a Rússia pedia que o grupo pudesse “abster-se de qualquer nova expansão, incluindo a adesão da Ucrânia e de outros Estados”. Depois do início da guerra, o que a aliança fez, na verdade, foi aumentar ainda mais as suas fronteiras com a Rússia.
Em termos do atual momento histórico, essa expansão não é apenas territorial – bastando observar a inclusão da Finlândia e da Suécia no grupo –, mas em termos de gastos militares, como detalhado. Um recado direto a Moscou, nesta reunião de cúpula que mostrou que ninguém está disposto a voltar atrás no avanço das suas forças.