Gabriel Galípolo e os demais indicados pelo presidente Lula para o comando do Banco Central ainda não disseram a que vieram. São economistas competentes e, pelo que se sabe, de orientação econômica menos ortodoxa. Mas até agora pouco mudou – talvez nada. Visto de fora, é como se o Banco Central continuasse a ser presidido por Roberto Campos Neto – com a diferença de que o governo agora não tem mais o bode expiatório.

Não quero exagerar, entretanto. A visão de fora pode não captar mudanças ocultas, em gestação. E a verdade é que pouco tempo se passou desde a saída do presidente anterior. Pode-se supor que Galípolo e os novos diretores ainda estejam tomando pé da situação. Afinal, como ignorar que o Banco Central é uma instituição grande e complexa? Não se dá cavalo de pau num transatlântico.

Para entender a situação do comando do Banco Central neste momento é fundamental ter em conta, entre outros detalhes, o seguinte fato básico: a política econômica obedece em alguma medida à influência do ciclo político. A perspectiva de eleições influencia inevitavelmente a condução da política econômica, inclusive a monetária.

Do ponto de vista do governo brasileiro, faz sentido praticar políticas monetária e fiscal razoavelmente apertadas entre o fim de 2024 e meados de 2025, de forma a conter um pouco a inflação, para em seguida relaxar a política econômica, no fim de 2025 e início de 2026, o que ajudaria a criar um clima mais propício à reeleição de Lula, ou à eleição de quem ele resolver indicar em seu lugar. Isso significaria começar a reduzir a taxa básica de juros nos próximos meses.

Evidentemente, o mandato do Banco Central requer obediência às metas de inflação estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Ora, a inflação e as expectativas de inflação estão “desancoradas”, isto é, superam o centro da meta, 3%. A política monetária deve então, argumenta-se, fazer a inflação convergir para a meta ou, pelo menos, situá-la dentro do intervalo previsto no regime de metas.

Porém, um risco central, sempre presente, é que alcançar a meta de inflação pode cobrar um preço proibitivo dos pontos de vista social e político. De que adiantaria colocar a inflação no centro da meta e entregar o País de mão beijada para a direita ou a ultradireita em 2026? Quando se considera o baixíssimo nível da oposição, tanto a bolsonarista como a direita tradicional, a perspectiva é aterradora.

Parte do problema que estamos enfrentando, leitor ou leitora, está na definição da meta de inflação: 3% com intervalo de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo. Estabelecer metas ambiciosas como essa contribui para forçar o Banco Central a praticar juros muito elevados.

O governo Lula deveria ter revisto a meta de inflação logo no seu início em 2023, como parecia querer o próprio presidente da República. Teria sido conveniente elevar o centro da meta para 3,5% ou 4%, aumentando ao mesmo tempo o intervalo entre o piso e o teto da banda de 1,5 para 2 pontos porcentuais. O teto para a meta ficaria em 5,5% ou 6%, o que permitiria absorver choques de oferta sem praticar juros exorbitantes. Manteve-se, entretanto, a meta ambiciosa, com as consequências que estamos vendo.

Não há dúvida de que uma taxa básica de juros elevada pode ajudar no combate à inflação. Em parte, porque derruba o nível de atividade e de emprego, comprimindo os preços dos bens e serviços transacionados domesticamente. O problema, como se sabe, é que a contenção da atividade econômica, ao afetar o emprego e a renda, provoca deterioração do quadro social e prejudica o governo do ponto de vista político. Além disso, tende a reduzir a arrecadação tributária, piorando o resultado primário das contas públicas.

Ainda mais importante do ponto de vista das finanças governamentais: a taxa básica de juros aumenta direta ou indiretamente o custo da dívida, que é majoritariamente interna. A despesa líquida de juros do setor público consolidado já supera os 8% do PIB! O propalado crescimento do déficit e da dívida do governo tem muito mais a ver com essa carga de juros do que com o déficit primário, que está em torno de 0,6% do PIB.

Não se pode esquecer, além disso, que os juros altos concentram a renda nacional. Não é por acaso que a turma da bufunfa defende uma política monetária apertada. Quem embolsa os juros pagos pelo governo? São os ricos e super-ricos com elevada poupança financeira aplicada em títulos públicos. Assim, o Banco Central está desfazendo, pelo menos em parte, o considerável progresso em termos de distribuição de renda alcançado pelo governo Lula em 2023 e 2024.

Depois do último aumento da Selic, a taxa real de juros ex ante aproxima-se de 10%! Preciso dizer mais? Por todos esses motivos econômicos, sociais e políticos, Galípolo e Cia. não podem demorar a reduzir os juros. •

Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital, em 21 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os rumos do Banco Central’

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Last Update: 15/05/2025