A Procuradoria-Geral da República denunciou, nesta terça-feira 18, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por associação criminosa, golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito – crimes cujas penas, se somadas, podem render ao ex-capitão ao menos 28 anos de prisão.

O documento foi encaminhado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre a articulação golpista para reverter o resultado das eleições e manter Bolsonaro no poder. Além de Bolsonaro, outros 33 também foram denunciados. Entre eles estão o general Braga Netto e o ex-ajudante de ordens, Mauro Cid (veja lista completa abaixo).

A denúncia da PGR é apenas o primeiro passo de um longo processo judicial. A partir de agora, Moraes deve abrir prazo para que todos os envolvidos se manifestem. Em seguida, submete a denúncia a julgamento na Primeira Turma do STF, onde os ministros decidirão se tornam ou não os acusados em réus.

Somente após esse rito inicia-se a fase de instrução do processo, quando são colhidas outras provas e ocorre os depoimentos das partes. Também é nesta etapa que as defesas podem pedir a realização de diligência e perícias em elementos encontrados pela PF, além da nulidade de provas.

Uma vez encerrada a instrução do caso, o relator elabora seu voto e leva o caso a julgamento. Não há prazo para isso acontecer.

O que a PF diz sobre a tentativa de golpe

O ex-presidente e outras 36 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal em novembro passado por envolvimento no esquema. No relatório com mais de 800 páginas, a PF sustentou que Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” em um plano de golpe de Estado para mantê-lo no poder no fim de 2022.

O ex-presidente também é acusado de disseminar falsas alegações de fraude eleitoral e pressionar membros do governo e militares. Há também indícios de que o então mandatário teria conhecimento de um plano para assassinar Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes. Relembre as principais conclusões da PF neste caso.

  • Desinformação sobre processo eleitoral e ataque aos Poderes: Os investigadores afirmam que Bolsonaro era figura central da organização criminosa que pretendia mantê-lo no poder por meio do golpe e teria utilizado a estrutura da Presidência para isso. Entre suas ações, disseminou falsas narrativas sobre vulnerabilidades e fraudes no sistema eletrônico de votação com ataques ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral. A investigação revelou, por exemplo, que durante uma reunião com ministros, o então presidente apresentou narrativas falsas sobre fraudes no sistema eleitoral brasileiro. Além disso, atacou e insinuou condutas criminosas atribuídas a Lula, Moraes, ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e ao também ministro Edson Fachin.
  • Minuta golpista: O relatório da PF aponta que Bolsonaro recebeu do advogado Amauri Feres Saad e de seu ex-assessor Filipe Martins a minuta de um decreto com ações a serem tomadas para driblar uma suposta interferência do Judiciário no Executivo. A iniciativa incluía prender Moraes e o decano do STF, Gilmar Mendes, além de convocar novas eleições por supostas fraudes. O ex-capitão teria feito ajustes no texto, com foco na prisão de Moraes e na convocação de um novo pleito. O decreto visava subverter o regime democrático ao instaurar o estado de defesa no TSE e criar uma comissão para investigar o processo eleitoral.
  • Pressão nas Forças Armadas: A investigação mostrou também que Bolsonaro e aliados levaram a minuta golpista para uma reunião com os chefes das Forças Armadas da época. O encontro ocorreu no Palácio do Planalto com a presença do ex-almirante Almir Garnier (Marinha), do general Freire Gomes (Exército) e de Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica). Os três foram pressionados para aderir à empreitada, mas apenas Garnier colocou suas tropas à disposição. Na reunião, Freire Gomes teria ameaçado prender Bolsonaro caso ele avançasse com o plano, segundo a PF. Logo depois da derrota para Lula, em novembro de 2022, o então mandatário também sinalizou ter o apoio das Forças ao discursar para apoiadores no Palácio do Alvorada.
  • Abin Paralela: Também houve uso da Agência Brasileira de Inteligência na articulação golpista, de acordo com a investigação. O relatório da PF destacou que Bolsonaro recebeu apoio e sugestões do deputado federal Alexandre Ramagem (PL), à época chefe da Abin, para interferir na administração da Polícia Federal e restringir a atuação de delegados em inquéritos que tramitam no Supremo, muitos dos quais miram o ex-presidente e seus aliados mais próximos. Com o apoio da chamada Abin Paralela, a gestão havia conseguido montar uma estrutura de inteligência clandestina que permitia espionar adversários políticos, jornalistas e advogados críticos do governo. O caso é alvo de investigação à parte no STF, também sob relatoria de Moraes.
  • Punhal Verde e Amarelo: Outra revelação feita pela apuração diz respeito à existência de um plano para assassinar Lula, Moraes e Alckmin. Segundo a PF, Bolsonaro estava presente no encontro, realizado no Planalto, quando o documento com o passo-a-passo do plano foi impresso. Mensagens trocadas entre membros de seu círculo íntimo e análises de locais e datas de reuniões indicam o conhecimento de Bolsonaro sobre o plano operacional, sustentam os investigadores. Um diálogo destacado pela PF no relatório, ocorrido entre  o general da reserva Mário Fernandes, apontado como autor do plano, e o tenente-coronel Mauro Cid, atribui ao então presidente a fala de  que ‘qualquer ação’ poderia acontecer até 31 de dezembro daquele ano. Fernandes teria respondido, então, que a “ação” deveria ocorrer “o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”.

“Os investigados atuaram de forma coordenada, mediante divisão de tarefas, desde o ano de 2019, com o emprego de grave ameaça para restringir o livre exercício do poder Judiciário e impedir a posse do governo legitimamente eleito com a finalidade de obter a vantagem relacionada a manutenção no poder do então presidente da República Jair Bolsonaro”, pontuou a PF.

O relatório ainda destaca que a tentativa de golpe de Estado contava com um plano de fuga de Bolsonaro caso a iniciativa desse errado. O plano seria adaptado pela “doutrina militar” — a Polícia identificou uma apresentação em Powerpoint no notebook apreendido de Cid, chamada “RAFE/LA”, uma sigla para “Rede de Auxílio à Fuga e Evasão” e “Linha de auxílio à fuga e evasão”.

Bolsonaro e os demais envolvidos negam as acusações e criticam Moraes pela condução do inquérito. Mais cedo, após participar de um almoço no Senado, o ex-presidente disse estar tranquilo com a possibilidade de ser denunciado pela PGR. “Estou tranquilo. Estou aguardando chegar [a denúncia]. Espero que agora eu possa ter acesso aos autos”.

A ida à Casa Alta teve o objetivo de alinhar a estratégia da extrema-direita no Congresso. À luz do avanço no processo que pode deixar o ex-capitão fora das urnas por mais tempo que os atuais oito anos, parlamentares trabalham em duas frentes para reabilitá-lo politicamente já para as eleições de 2026.

Uma das alternativas é aprovar um perdão aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. O outro caminho seria através de um esvaziamento na Lei da Ficha Limpa com a redução do período de inelegibilidade para dois anos, estratégia que também enche os olhos de caciques do Centrão por abrir brechas para que outros políticos condenados retornem ao tabuleiro político.

No encontro com os senadores, segundo relatos feitos a CartaCapital, Bolsonaro defendeu que as pautas sejam prioridade dos seus aliados neste ano. Horas depois do almoço, o ex-presidente convocou deputados do PL para uma reunião na manhã de quarta-feira, onde deve tratar dos mesmos temas.

Para que os projetos avancem, porém, seria preciso convencer os chefes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a enfrentar as resistências e pautá-los.

Veja a lista dos denunciados pela PGR:

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros
  • Alexandre Rodrigues Ramagem
  • Almir Garnier Santos
  • Anderson Gustavo Torres
  • Angelo Martins Denicoli
  • Augusto Heleno Ribeiro Pereira
  • Bernardo Romão Correa Netto
  • Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
  • Cleverson Ney Magalhães
  • Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
  • Fabrício Moreira de Bastos
  • Filipe Garcia Martins Pereira
  • Fernando de Sousa Oliveira
  • Giancarlo Gomes Rodrigues
  • Guilherme Marques de Almeida
  • Hélio Ferreira Lima
  • Jair Messias Bolsonaro
  • Marcelo Araújo Bormevet
  • Marcelo Costa Câmara
  • Márcio Nunes de Resende Júnior
  • Mario Fernandes
  • Marília Ferreira de Alencar
  • Mauro Cesar Barbosa Cid
  • Nilton Diniz Rodrigues
  • Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
  • Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
  • Rafael Martins de Oliveira
  • Reginaldo Vieira de Abreu
  • Rodrigo Bezerra de Azevedo,
  • Ronald Ferreira de Araujo Junior
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros
  • Silvinei Vasques
  • Walter Souza Braga Netto
  • Wladimir Matos Soares

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Last Update: 18/02/2025