No sétimo artigo da série Kamala Harris e a esquerda, mostramos como, já no ano de 1899, o revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht alertava para o fato de que os partidos da burguesia, por mais contradições que tenham com o regime político, sempre irão se voltar, inevitavelmente, contra a esquerda.
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“Podemos ter certeza”, diz Liebknecht, no livro Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral, “que o instinto político de nossos oponentes burgueses, assim que seus interesses de classe entrarem em jogo, os levará a adotar uma posição hostil contra nós”
Em uma carta escrita no mesmo ano aos socialistas franceses, o revolucionário havia afirmado que “o conjunto da burguesia tem consciência de classe, uma consciência de ser a classe dominante e exploradora. Na verdade, o conjunto da burguesia, só porque é uma classe dominante, tem uma consciência de classe muito mais aguçada e mais forte do que o proletariado”
Quando, em Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral, Liebknecht aborda a questão da consciência de classe da burguesia, ele também destaca uma coisa importante:
“Não digam que é a forma grosseira como muitas vezes é apresentado o socialismo que assusta e amarga a burguesia. Isso é absolutamente falso. Não é a forma; é o conteúdo que eles detestam; e quanto mais inofensiva for a forma, mais perigoso o conteúdo parece aos senhores da burguesia. A delicadeza da forma não faz diferença para eles”.
Nada mais natural. Sendo a burguesia uma classe consciente, a ideia de que seria possível enganá-la com truques quaisquer é simplesmente ridícula. Na medida em que a burguesia é consciente de seus interesses, ela é consciente que o movimento operário, na medida em que progrida, irá, inevitavelmente, se voltar contra ela. Por isso, não importa as promessas que façam as lideranças mais conservadoras do movimento operário: para a burguesia, os trabalhadores enquanto classe devem ficar de fora do regime político.
Em sua obra, Liebknecht cita o exemplo da Bélgica, onde o partido operário à época, sob as circunstâncias mais favoráveis possíveis, estabeleceu uma aliança entre os socialistas e os liberais. Os socialistas eram maioria – portanto, os seus interesses seriam, naturalmente, aqueles que iriam prevalecer na aliança. “Mas o partido clerical conhece seus parceiros”, explicou Liebknecht. “Sabe que a burguesia não tem interesse de classe em conceder aos trabalhadores, que, nos estados industriais modernos, constituem a maioria da população, o sufrágio universal e, assim, a perspectiva de ganhar a maioria e obter a supremacia política. Fez uma contra-demanda por representação proporcional com voto plural, ou seja, dando mais votos aos ricos, e, assim, concedendo à burguesia radical uma participação no governo, se ela ajudasse a derrotar o sufrágio universal e direto. E veja, sem um minuto de hesitação, os senhores da burguesia radical romperam seu acordo com os socialistas e se juntaram aos clericais na luta contra o sufrágio universal e a social-democracia. Quem não estiver convencido por este exemplo de que a luta de emancipação do proletariado é uma luta de classes é alguém com quem mais argumentos seriam desperdiçados”
Um exemplo muito conhecido pelos brasileiros é o próprio golpe de Estado de 2016. Na ocasião, o Partido dos Trabalhadores (PT), a todo momento, buscou um acordo com um setor da burguesia, acreditando que conseguiria convencer seus inimigos de classe. Prova disso é o fato de que, na iminência do golpe, o partido decidiu colocar Michel Temer (MDB) como articulador político do governo – isto é, a pessoa que iria atuar junto aos seus colegas burgueses para impedir que o governo fosse derrubado. E o que aconteceu? Temer acabou se revelando uma das peças-chave do golpe de Estado, abandonando o governo, assinando o programa neoliberal dos golpistas e assumindo a presidência logo após a derrubada de Dilma Rousseff.