Entre os dias 27 e 29 de novembro de 1999, vinte proeminentes figuras públicas palestinas — incluindo acadêmicos, parlamentares e militantes políticos — assinaram um manifesto histórico. O documento denunciava a corrupção sistêmica da Autoridade Palestina (AP) e criticava duramente o então presidente Iasser Arafat. A petição expôs publicamente o esgotamento do regime autoritário instaurado sob o pretexto do “processo de paz de Oslo” e a farsa de sua promessa de autodeterminação.

A resposta da Autoridade Palestina foi imediata e brutal: oito signatários foram presos, dois colocados em prisão domiciliar e vários membros do Conselho Legislativo Palestino ameaçados de perder sua imunidade parlamentar. Em 1º de dezembro daquele ano, palestinos exilados no exterior lançaram uma campanha em solidariedade aos presos políticos, recolhendo mais de 1.500 assinaturas que exigiam sua libertação e a realização de eleições livres. No entanto, a libertação dos presos ocorreu apenas gradualmente: a maioria em 19 de dezembro, e os dois últimos somente em janeiro de 2000.

Já convertida em uma engrenagem burocrática subordinada ao imperialismo, a AP transformou-se em um aparato de segurança encarregado de conter qualquer forma de oposição interna que pudesse ameaçar a estabilidade da ditadura sionista. A tática principal consistia em perseguir aqueles que criticassem a cúpula política, especialmente no que dizia respeito à corrupção, à repressão e às concessões feitas ao sionismo.

Um relatório da Anistia Internacional, publicado em setembro de 2000, detalhou a extensão do problema. Nos seis anos anteriores, a AP havia prendido dezenas de pessoas apenas por exercerem pacificamente seus direitos de expressão. Entre os alvos estavam jornalistas, líderes religiosos, escritores, sindicalistas e acadêmicos — todos transformados em presos de consciência.

Essas prisões frequentemente ocorriam fora de qualquer estrutura legal, com detidos mantidos incomunicáveis, sem mandado judicial, e muitas vezes submetidos a tortura física e psicológica. Um caso emblemático é o do professor Abd al-Sattar Qasem, um dos signatários da Petição dos 20. Após ser libertado em janeiro de 2000, ele foi novamente preso em fevereiro, sem qualquer processo legal. Embora o Supremo Tribunal Palestino tenha ordenado sua soltura em julho, ele permaneceu detido, numa demonstração do completo desprezo da Autoridade Palestina por sua própria estrutura judiciária. Outro exemplo é Sabri Abu Diab, religioso de Jerusalém Oriental, preso apenas dois dias após um sermão crítico ao processo de paz com “Israel”. Ele passou três semanas detido sem acusação formal, sendo libertado somente após recusar-se a assinar um compromisso de silêncio.

As ações da AP não se limitaram a prisões. Órgãos de imprensa foram fechados, jornalistas agredidos, centros de pesquisa dissolvidos e parlamentares espancados. Um episódio escandaloso foi a agressão sofrida pelo deputado do Conselho Legislativo (o Parlamento palestino) Abd al-Jawad Saleh, durante uma manifestação pacífica contra as prisões dos signatários da petição. Longe de defender seus próprios membros, o Conselho votou pela condenação da petição e ainda criou uma comissão para investigar os parlamentares que ousaram assinar o documento. Essa repressão teve ampla repercussão internacional.

A ONG Human Rights Watch condenou as prisões arbitrárias e o cerco à liberdade de expressão, afirmando que “se figuras públicas e parlamentares eleitos não podem criticar o governo sem o risco de prisão, que cidadão comum se atreverá a falar?” A organização também alertou que o precedente de retirar a imunidade parlamentar sob pressão do Executivo destruía qualquer aparência de democracia na estrutura da AP.

Sob a direção de Arafat, a AP consolidou-se como uma força de repressão a serviço da ditadura sionista, sustentada por repasses internacionais e com apoio implícito dos próprios israelenses. Sua função era servir como polícia local contra a Resistência Palestina. A perseguição à oposição interna, como o Hamas e outras forças críticas aos acordos de Oslo, era parte central dessa política de submissão. Em vez de construir um embrião de poder popular, a Autoridade Palestina atuava como sócia menor na repressão imperialista, criminalizando qualquer tentativa de organização independente, inclusive entre os próprios membros de seu Legislativo. O episódio da Petição dos 20 marca o início de uma nova etapa de repressão aberta e sistemática contra qualquer voz dissidente.

Representante mais popular da Resistência, o Hamas foi desde então alvo contínuo das forças de segurança da AP. A repressão, no entanto, estendeu-se também a intelectuais, figuras históricas da luta pela libertação nacional e até mesmo a assessores do governo que ousassem divergir da linha oficial. Como lembrou a Human Rights Watch, quando até conselheiros presidenciais — como Abd al-Fattah Ghanem, preso em junho de 2000 — são encarcerados por opinar sobre o fracasso da resolução do problema dos refugiados, não há como sustentar o mito de um governo legítimo.

No fim das contas, o episódio revelou o que já estava evidente para os setores mais conscientes da Resistência Palestina: a Autoridade Palestina havia deixado de ser uma estrutura voltada para a luta contra o sionismo. Convertida em uma espécie de subcontratada dos interesses imperialistas, a AP passou a operar como um obstáculo direto à libertação nacional. A oposição interna a Arafat, formada por figuras como Qasem e movimentos populares como o Hamas, denunciava não apenas a corrupção, mas também o papel contrarrevolucionário do novo regime. A repressão contra os 20 signatários da petição serviu como um aviso claro: qualquer desafio à política de conciliação com o imperialismo e com o sionismo seria punido com prisão, censura e violência. Em vez de garantir liberdade de expressão e soberania popular, a Autoridade Palestina transformou-se no maior instrumento de silenciamento e fragmentação do povo palestino, justamente no momento em que mais se precisava de unidade e mobilização contra o inimigo comum.

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Last Update: 26/06/2025