Os minerais críticos do Brasil e o desafio de torná-los estratégicos para o desenvolvimento nacional

por Arnaldo Cardoso

Em meio às tentativas de negociação para evitar o tarifaço de Trump sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, uma recente reunião em Brasília envolvendo o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar e diretores do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) pôs em evidência os chamados minerais críticos e estratégicos (MCEs) do Brasil cujo interesse americano já é conhecido desde muito tempo.

Os termos “minerais críticos” e “minerais estratégicos” não possuem uma definição consensual pois dependem de fatores que variam de acordo com cada país em termos geológicos (escassez ou abundância), econômicos, tecnológicos e geopolíticos. Inovações tecnológicas e crises globais podem reconfigurar a importância de dado mineral.

Para a China, os minerais estratégicos são definidos como sendo aqueles que “salvaguardam a segurança econômica nacional, a defesa nacional, a segurança e as necessidades de desenvolvimento de indústrias emergentes estratégicas”.

Para os Estados Unidos a criticidade está relacionada à “função essencial de um mineral na fabricação de um produto, cuja ausência teria consequências significativas para a economia ou segurança nacional”.

Para a União Europeia as matérias-primas críticas “são aquelas de alta importância para a economia da UE e cujo fornecimento está associado a um alto risco. Matérias-primas estratégicas são aquelas importantes para tecnologias que apoiam a transição verde e digital, bem como os objetivos de defesa e aeroespecial”.

Para o Reino Unido “minerais críticos são aqueles com alta vulnerabilidade econômica e elevado risco global de oferta”. (LIMA, F. S. & FILHP. W. S. da S., 2021)

No Brasil, na Resolução 2 da “Política Pró-Minerais Estratégicos” eles são divididos em 3 categorias. Categoria 1, são aqueles minerais com uma significativa dependência de importação, uma vez que suas possibilidades de extração no território brasileiro são restritas (Enxofre, Fosfato, Potássio e Molibdênio); Categoria 2, desempenham um papel crucial em aplicações voltadas para produtos e processos de alta tecnologia, abrangendo setores como baterias (notavelmente lítio, cobalto, terras raras, níquel, cobre e titânio), além das tecnologias relacionadas a ambientes verdes e digitais; Categoria 3, são aqueles que tem proporcionado vantagem comparativa significativa, sendo economicamente relevantes em exportações como commodities, gerando superávit na balança comercial do país (Ferro, Alumínio, Manganês, Ouro e outros).

Dentre os MCEs, o ETR (Elemento de Terras Raras) tem merecido crescente interesse. O ETR é composto por um grupo de 17 elementos químicos (15 lantanídeos, além do escândio (Sc) e do ítrio (Y)), usados em produtos como celulares, turbinas eólicas, superímãs presentes nos discos rígidos de computadores e motores de carros elétricos, semicondutores e equipamentos militares de defesa). As propriedades de emissão de luz das terras raras também são pesquisadas para aplicação em células solares, ou dispositivos fotovoltaicos, que convertem luz solar em energia elétrica. (Jornal da USP, Nov 2021)

As reservas mundiais de ETR

De acordo com a edição 2025 do U.S. Mineral Commodity Summaries, oito países concentram 98% das reservas mundiais de ETR, estando assim ranqueados: 1º China 44 Mt [49%], 2º Brasil 21 Mt [23%], 3º Índia 6,9 Mt [7,7%], 4º Austrália 5,7 Mt [6,3%], 5º Rússia 3,8 Mt [4,2%], 6º Vietnã 3,5 Mt [3,9%], 7º EUA 1,9 Mt [2,1%], 8º Groelândia 1,5 Mt [1,7%] e Outros 1,7 Mt [1,9%].

De acordo com estudo recente da Agência Nacional de Mineração (ANM) há 27 projetos de pesquisa em diversos estados brasileiros – MG (com 12 projetos), BA (5), GO (4), TO (2), AM (1), MT (1), PB (1) e PI (1).

A expectativa é de que uma parte desses recursos seja convertida em novas reservas.

O interesse americano sobre os minerais do Brasil

Para resgatar o histórico do interesse americano sobre os MCEs do Brasil vale retomar registros do último governo Vargas (1951-54), precisamente de 21 de fevereiro e 15 de março de 1952, quando o Brasil e os Estados Unidos assinaram acordos para a venda de minerais atômicos mediante promessa de financiamento para a economia e “assistência militar recíproca”, no contexto da Guerra Fria e Guerra da Coreia.

Como o professor Amado Luiz Cervo nos conta em seu livro “História da política exterior do Brasil”, esse acordo militar situava-se numa nova estratégia dos EUA em relação à América Latina. No caso de agressão externa eles ficariam com o controle do fornecimento de armas, financiamento e treinamento para os países situados na sua zona de influência. A contrapartida era o fornecimento de matérias-primas estratégicas.

Essa assistência militar colocava o Brasil numa situação de dependência dos Estados Unidos no referente à aquisição de equipamento, bem como no treinamento para o seu uso. Tal acordo era visto como “entreguista” pelos nacionalistas, pois só atendia aos interesses americanos. Houve resistência também nos setores militares.

Nesse ano também agitava os debates no Congresso Nacional a lei de criação da Petrobrás e o decreto-lei sobre a remessa de lucros ao exterior que agradavam aos nacionalistas enquanto o acordo militar agradava aos partidários do alinhamento com os EUA.

O acordo de 21 de fevereiro previa o fornecimento de 7,5 mil toneladas de monazita e igual quantidade de sais de cério e terras raras. A exportação dos minerais atômicos foi feita sem as então chamadas “compensações específicas”, que consistiam na transferência de tecnologia e na aquisição facilitada de equipamentos para o desenvolvimento do uso industrial da energia atômica no país.

Em 20 de agosto de 1954, acordo de mesma natureza foi assinado entre Brasil e EUA para a exportação de tório em troca de trigo. Em vez de compensações específicas, o acordo, como o anterior, tomou feição de simples transação comercial.

Após o suicídio de Vargas, o governo Café Filho favoreceu o aumento da dependência brasileira dos Estados Unidos, tanto no que diz respeito ao aproveitamento dos minerais críticos quanto a outros setores da economia nacional carentes de investimentos e tecnologia.

De lá para cá outros acordos foram feitos e nenhum deles resultou em contrapartidas ao Brasil como captação de recursos e transferência de tecnologias para a formação de cadeias produtivas no país.

Os MCEs na agenda de Trump

Desde sua posse em janeiro passado, o presidente Donald Trump tem explicitado seu interesse pelos MCEs através de declarações marcadas pelo desrespeito e truculência no trato com outras nações, como a da intenção de anexar a Groenlândia, que é um território dinamarquês semiautônomo, com 1,7% das reservas mundiais de ETR e, a desastrosa reunião no Salão Oval da Casa Branca com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, que rejeitando os termos impostos por Washington, paralisou temporariamente as negociações sobre exploração de MCEs no país em guerra.

A chantagem política e econômica tem sido a marca dessas ações emanadas da Casa Branca sob Trump.

Negociações sobre MCEs do Brasil com a Europa

O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia que se encontra em estágio avançado de negociação confere ao bloco europeu condições preferencias para importação de minerais críticos do Brasil, com direito a menores tarifas de exportação e flexibilização de monopólios. Isso contraria o desejo do governo Trump de ter preferência ou mesmo exclusividade na exploração de minerais brasileiros.

Novas descobertas de Terras Raras

Além da posição já destacada do Brasil como detentor da segunda maior reserva mundial de Terras Raras, uma recente descoberta no Piauí poderá reforçar ainda mais essa posição.

O Serviço Geológico do Brasil (SGB) identificou 39 novas ocorrências de fosfato, elementos terras raras (ETR) e urânio na borda oriental da Bacia do Parnaíba, no estado do Piauí.

O diretor de Geologia e Recursos Minerais do SGB, Valdir Silveira, declarou que “os resultados são preliminares, mas a tríade de minerais estratégicos no mesmo contexto é um bom indicativo” (G1, 24/07/25)

De acordo com o SGB a Bacia do Parnaíba abrange áreas dos estados do Maranhão, Piauí e Ceará. É a bacia sedimentar intracratônica mais estudada do país e cobre 282 municípios, em uma área de 331 mil km².

Riqueza mineral e desenvolvimento científico, eclipsados pela limitação de financiamento

A virtuosa combinação de riqueza mineral e uma consistente comunidade de cientistas e pesquisadores vinculados a destacadas universidades públicas e centros de pesquisa do país tem alcançado notáveis resultados, mas enfrentam a limitação de recursos financeiros e a inconstância de políticas públicas para o desenvolvimento científico em áreas sensíveis como essas em tela, que demandam uma política pública de longo prazo para que os projetos se desenvolvam e produzam os impactos econômicos e sociais almejados.

Nos últimos anos, a Universidade de São Paulo (USP) manteve grupos de pesquisa, envolvendo pesquisadores de diferentes institutos, realizando importantes estudos no campo dos minerais críticos, dentre eles as terras raras, como o de desenvolvimento de  “um método de separação não poluente, baseado em nanotecnologia, para aplicações em iluminação, lasers, produção de aço, células solares, filtros de raios ultravioleta e catalisadores automotivos”.

A USP também coordena um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) “voltado ao domínio de todas as etapas da cadeia produtiva da fabricação dos superímãs de terras raras, da mina ao ímã”, informa a edição de novembro de 2021 do Jornal da USP.

Em 2021, um grupo de pesquisa do professor Henrique Toma, do Instituto de Química (IQ) da USP, especializado em nanotecnologia, “desenvolveu uma técnica chamada de hidrometalurgia magnética para a separação de terras raras, simplificando e barateando o processo”. O professor Toma explica que “o método usa nanopartículas magnéticas modificadas com um agente químico que captura as terras raras que estão misturadas ao minério, colocado em um pequeno reator. Depois das nanopartículas serem resgatadas com um ímã de neodímio, sua acidez é modificada, liberando as terras raras. No processo tradicional, feito em reatores gigantescos, essa separação requer milhares de litros de solvente, que só podem ser usados uma única vez e poluem o ambiente. Com as nanopartículas, assim que as terras raras são separadas, elas podem voltar a ser usadas.” (Jornal da USP, Nov 2021)

O LabFabITR, um importante passo no desenvolvimento de cadeias produtivas

Outro ousado empreendimento que merece destaque é o LabFabITR. Entre 2015 e 2023 se deu a implantação do primeiro laboratório-fábrica de ímãs e ligas de terras-raras do hemisfério sul, o LabFabITR, instalado no município mineiro de Lagoa Santa, na Grande Belo Horizonte.

De iniciativa da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) o empreendimento contou com a parceria de universidades brasileiras como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade de São Paulo (USP), bem como do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) vinculado ao Governo do Estado de São Paulo.

Em dezembro de 2023, o empreendimento foi comprado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e, desde então, a operação está a cargo do Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) Senai, possibilitando a sinergia do LabFabITR com os diversos laboratórios e atividades já estabelecidos nos institutos do Centro, nas áreas de química, processamento mineral, metalurgia e ligas especiais, ambiental, entre outras.

A meta do LabFabITR é produzir ímãs de neodímio-ferro-boro (NdFeB), utilizados em equipamentos como motores de alta eficiência, aerogeradores, equipamentos de ressonância magnética, elevadores, separadores magnéticos, rolamentos magnéticos, sensores, entre outros.

Em seu site o LabFabITR informa que “o uso intensivo de ímãs de neodímio vem expandindo os horizontes de aplicação, devido ao seu potencial de miniaturização e do aumento da eficiência dos dispositivos em que são aplicados”.

A parceria da USP com o LabFabITR se deu através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Processamento e Aplicações de Ímãs de Terras-Raras para Indústria de Alta Tecnologia (INCT Patria).

O coordenador do INCT Patria, professor doutor Fernando José Gomes Landgraf, da Politécnica da USP, em entrevista de 2023 ao Jornal GGN, fez uma extensa exposição do processo de exploração de Terras Raras, desde as pesquisas para identificação e quantificação de minerais em dado terreno até a extração e separação dos minerais, evidenciando as variáveis que determinam a viabilidade do empreendimento que demanda elevado investimento.

Na referida entrevista o professor Landgraf, que já foi presidente do IPT, elogiou iniciativa de 2008, do governo federal, “de criar redes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Terras Raras para comunicação dos diferentes setores, pesquisa e representantes industriais que envolvem todas as cadeias produtivas das terras raras”;

O experiente professor e pesquisador apontou, em 2023, que “tornar o país um produtor global ainda demanda sanar obstáculos da própria cadeia produtiva”.

Nos últimos anos, a demanda global por produtos intensivos em minerais críticos e tecnologia aumentou significativamente, o que reforça a pertinência das considerações e indagações feitas em 2023 pelo professor Landgraf.

Hoje, pode-se afirmar que, para o Brasil se mostrar à altura dos atuais desafios impostos ao setor mineral para uma qualificada participação nas cadeias globais de valor é imperioso atender aos seguintes fatores:

i) atração criteriosa de investimentos estrangeiros para a exploração de minerais críticos;

ii) incremento de financiamentos para pesquisas de universidades brasileiras e centros de pesquisa em áreas afins, com concomitante formação e qualificação de jovens estudantes e pesquisadores em áreas como Geologia, Geofísica, Química, Física e Engenharias, interessados em Ciência como instrumento do desenvolvimento nacional;

iii) estabelecimento de política industrial para o setor;

iv) instituição de Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) pactuada entre o setor público e o privado, sem descuidar dos desafios incontornáveis da agenda ambiental do Brasil.

O momento geopolítico, econômico e tecnológico em que vivemos se mostra favorável ao desenvolvimento deste setor mineral, com boas oportunidades para o país.

Converter as vantagens comparativas do Brasil no campo dos minerais críticos em vantagens estratégicas, contemplando os interesses nacionais de longo prazo só poderá ser alcançado com planejamento, inteligência, constância e senso de oportunidade.

Uma tal realização no setor mineral poderá inspirar outros setores nos quais o Brasil tem vantagens absolutas e comparativas e, assim, criar um horizonte de oportunidades para as novas gerações de brasileiros que desejam tornar as promessas de futuro em realidade.

Arnaldo Francisco Cardoso, sociólogo e cientista político (PUC-SP), periodista e professor universitário.

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Last Update: 31/07/2025