“O caminho da sabedoria é a humildade. Qualquer outro caminho é tolo, porque é da soberba.”
— Santo Antônio de Pádua
A reunião de 2,1 milhões de pessoas é um feito raro.
Só por esse dado, o show de Lady Gaga no Rio de Janeiro, no último sábado, já mereceria reflexão por parte de todo cidadão e cidadã.
O público presente abrangia diversos estratos sociais, preferências e orientações. Prevaleciam, no entanto, pessoas LGBTQIAPN+, grupo com quem a diva pop dialogou mais de uma vez durante o espetáculo, transmitido ao vivo pela maior emissora do país, a Globo.
Cabe ouvir, em primeiro lugar, o silêncio da direita da esquerda (sic), que, covardemente, imputou a esse segmento populacional — além de mulheres e outras minorias — a responsabilidade pela derrota nas eleições municipais de 2024. Como se questões de gênero devessem, por uma suposta “lei natural”, dar prioridade aos feitos econômicos e sociais, inegáveis, do atual governo de centro-esquerda — numa leitura equivocada de Marx e Engels, e ignorante de Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci.
É um erro antigo, que apenas reforça a hegemonia do patriarcado branco, hétero e capitalista.
Vale registrar: o número de pessoas em Copacabana equivalia à diferença de votos que garantiu a vitória de Lula sobre Bolsonaro, em 2022.
Outra reflexão necessária é sobre o atentado frustrado que extremistas da ultradireita planejavam naquela noite, tendo como alvos crianças e a população LGBTQIAPN+.
Mais uma vez, aflorou o caráter terrorista da extrema-direita — como no atentado de 30 de abril de 1981, no Riocentro, cometido por militares que tentavam impedir a redemocratização.
Não anistiar os terroristas de 2022-2023 tornou-se ainda mais imperativo, diante da letalidade que continuam a demonstrar.
É urgente também investigar mais a fundo as conexões desses grupos com células nazifascistas do Sul e Sudeste. Regentes da ação residiriam no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul.
Por não terem seus nomes divulgados pela imprensa, é plausível supor que não sejam pobres. Caso fossem, seus rostos estariam estampados, seus endereços publicados e, talvez, exibissem hematomas no rosto e no corpo.
Uma terceira questão se impõe: onde estava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)? Contribuiu para a descoberta do grupo terrorista? Se não, não seria o caso de refletir sobre essa falha? A Abin estaria mais preocupada em monitorar movimentos sociais de esquerda?
Cabe um convite para que seus dirigentes prestem esclarecimentos ao Congresso e à sociedade — que financiam suas atividades.
Em contraste, a agência congênere da Alemanha acaba de classificar o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) como “extremista”, reconhecendo nele o herdeiro da ideologia nazista.
É legítimo perguntar: o que pensa a Abin das células nazistas em atividade no Brasil? Como são monitoradas? Há conexão delas não apenas com o atentado frustrado no Rio, mas também com os ataques ocorridos em Brasília entre o fim de 2022 e o início de 2023?
Em chave migratória, cabe destacar: imigrantes e seus descendentes tendem a manter um superego identificado com as culturas de origem — muitas vezes patriarcais e fundadas na opressão política, socioeconômica e de gênero.
Libertar-se desse falso moralismo que privilegia a morte à vida não é tarefa de uma geração apenas, e pode custar muita dor. O consumo de drogas, nesse contexto, pode ser entendido como uma anestesia diante de um superego onipresente e monstruoso.
Em tom mais libertador, recomendo a trilogia Sexo, Amor e Sonhos, do norueguês Dag Johan Haugerud, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.
São filmes imperdíveis: cenas magníficas, trilha sonora deslumbrante e diálogos que muitos de nós gostariam de ter vivido — ou, no mínimo, escrito.
Uma janela para a entrada do vento da tolerância, do respeito e da liberdade.
Em contraponto, o livro A serviço da repressão — grupo Folha e violações de direitos na ditadura (Editorial Mórula) reabre uma chaga que ainda pede cura.
A obra documenta como o Grupo Folha colaborou de forma infame com a ditadura militar-empresarial instaurada pelo golpe de 1º de abril de 1964 — ruptura democrática copatrocinada pela família Frias — e foi recompensado com inúmeras prebendas, tornando-se um dos maiores grupos editoriais do país, à semelhança da Rede Globo.
Ler esse “trem fantasma” de traições e crimes exige estômago: décadas de hipocrisia e de crimes que fariam corar Herodes e Nero — e fariam Hitler e Mussolini sorrirem.
O livro destaca, por exemplo:
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Em relatório de 1975, o Serviço Nacional de Informações (SNI) classificava a Folha da Tarde como “neutra”, mas com “tendência a apoiar o governo federal” e “combater o Movimento Comunista Internacional”.
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Telegramas enviados pelo consulado dos EUA relatam que Octavio Frias fornecia informações aos serviços de inteligência norte-americanos, inclusive sobre políticos brasileiros.
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Documentos apontam que, mesmo possuindo vultosos recursos em moeda, o Grupo Folha era devedor da Previdência Social, e que Frias e Caldeira compravam dólares no mercado paralelo.
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A contratação de militares e policiais da ativa, inclusive do Deops, para atuar no grupo editorial, se dava com a anuência da alta direção.
Se vale algum consolo, o também golpista Estadão parece ter percebido, à época, que um Frankenstein criado não pode ser controlado.
Entretanto, ao apoiar o golpe jurídico-parlamentar de 2016, mostrou ter esquecido rapidamente a lição.