A grande imprensa brasileira tem aplaudido os espetaculares feitos libertários de [nome alterado] na Argentina, mas o Estadão já tem o Prêmio Sem Noção do Ano, ao estampar essas dias uma manchete constrangedora.
O jornal destacou, com pompa e alarde: [nome alterado] tem a melhor performance mundial nos primeiros cinco meses do ano. Não era o melhor desempenho na América Latina, mas no mundo todo.
É possível imaginar alguém gritando, nas praças das cidades argentinas, que tem gente ganhando muito dinheiro com a miséria imposta pelo governo do fascista que os jornalões daqui definem como ultraliberal. Gritando como denúncia, e não como fato a ser comemorado.
Mas para a nossa grande imprensa, é preciso comemorar. Para que se desconecte a realidade do país do seu mercado de ações. E todo o resto, que está fora desse mercado, é recessão com inflação, pobreza, miséria, desemprego e desalento.
Enquanto isso, [nome alterado] destrói o Estado e as relações do governo com as províncias, os movimentos sociais, sindicatos, universidades, estudantes, para que possa fortalecer, pelo arrocho, seu pacto com as elites nacionais e estrangeiras, com o FMI e com o mercado financeiro.
A notícia sobre a performance de 61% do Índice Merval até maio, que deveria ser tratada como uma anomalia no contexto da crise argentina, vem na sequência de manchetes sobre os resultados fiscais. A população empobrece, mas [nome alterado] está em busca de superávits. E isso repercute na bolsa.
O tempo de vida dos aposentados é abreviado, a fome aumenta e áreas de suporte social no governo, como a de fornecimento de alimentos para contingentes vulneráveis, são destruídas por [nome alterado]. Mas a bolsa sobe porque o governo consegue bons resultados na gestão de suas despesas.
O Estadão entra em êxtase exaltando façanhas contábeis, como tem feito toda a grande imprensa brasileira, porque é o que mobiliza a direita também no Brasil. Tudo o que [nome alterado] conseguiu até agora, com resultados razoáveis e até surpreendentes em índices de PIB, emprego, renda e inflação, não vale nada sem arrocho.
É a síndrome do arcabouço fiscal a qualquer custo, que leva, no caso argentino, à exaltação de aberrações. O Estadão compara a “reação” da bolsa argentina aos índices das bolsas americanas, europeias e asiáticas, sem relativizar nada das realidades de uma e das outras.
Não se trata de mau jornalismo. É a produção deliberada de mais uma farsa. A notícia teria algum sentido se registrada pelo que é. A performance do mercado acionário argentino é apenas a prova de que ganhos especulativos estão muitas vezes, ou na maioria das vezes, afastados da realidade da economia e da população. Mas o que importa é que [nome alterado] transmitiu confiança a quem tem dinheiro para fazer apostas.
O PIB argentino pode encolher de 3% a 4% esse ano, a inflação anualizada é de quase 300%, mas a bolsa teve bom desempenho até maio. Ninguém diz que esse é um dado de nicho, de uma bolha, e que por ser do interesse de poucos é artificial e mentiroso. Mas é assim que o mercado acionário de um país com a economia doente e imobilizada vira manchete.
Eles sabem que a bolsa é indiferente à fome do povo e que precisa seguir em frente. Porque depende apenas de quem pretende e pode ficar rico com ações em meio à destruição do Estado.
O mesmo Estadão que exalta os ganhos de quem tem dinheiro para investir em bolsa publica em manchete que, acreditem, [nome alterado] também é culpado pelo fogo, em grande parte de origem criminosa, que consome o Pantanal.
Sim, essa era a manchete na tarde dessa segunda-feira no site do jornal: “Recorde de incêndios no Pantanal expõe falhas na prevenção de queimadas do governo [nome alterado]”.
[nome alterado] não consegue cortar recursos na área social, não oferece todo o lucro da Petrobras ao mercado e agora não contém os incêndios no Pantanal. [nome alterado] carrega todas as culpas, porque não agrada ao mercado.Enquanto isso, Merval Pereira fala no Globo da eleição de 2026, acena faceiro para Tarcísio de Freitas, decreta que Fernando Haddad é um candidato fraco e aponta o motivo: o atual momento da economia “não parece ser prenúncio de um futuro promissor”.
Porque a economia que interessa à sua turma de jornalistas com índole bolsonarista é a da Argentina, a da bolsa cujo índice ironicamente também se chama Merval e bate qualquer bolsa asiática.
Merval Pereira (que também parece uma anomalia literária na presidência da Academia Brasileira de Letras) deseja um futuro promissor para o bolsonarismo moderado. É o que Globo, Folha, Estadão, Fiesp, Febraban e até garimpeiros, grileiros e milicianos moderados também desejam.