Quem acompanha os índices de preços ao consumidor há algum tempo não se surpreendeu tanto com o aumento relativo dos alimentos em 2024. Pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), houve alta de 4,8%, enquanto o Índice de Preços de Alimentação e Bebidas (IPAB) subiu 7,7%. Dentro do IPAB, o subgrupo Alimentação no Domicílio cresceu 8,2%, e o Fora do Domicílio, 6,3%.
Talvez com a guarda baixa pelos resultados de 2023 — quando o IPCA registrou 4,6% e o IPAB apenas 1% —, o governo reagiu de forma mais alarmada em 2024. O presidente Lula tem motivos para preocupação, pois o encarecimento dos alimentos afeta principalmente os mais pobres, que comprometem parcela maior da renda com uma cesta mais restrita de produtos. Ainda assim, é preciso ir além do susto imediato e buscar uma análise mais estrutural do problema.
Entre 2007 e 2023, a média anual do IPCA foi de 5,8%, enquanto a do IPAB chegou a 7,8%. Trata-se de um período que marcou a chamada inflação de alimentos, em que esses produtos ficam relativamente mais caros, por mais tempo, que os demais. Em 2024, o aumento dos alimentos foi semelhante à média do período de 2007 a 2023, ao passo que os demais grupos do IPCA mostraram alta menor.
Com a preocupação de Lula posta na mesa, intensificaram-se os debates sobre as causas dessa inflação e sobre possíveis ações governamentais para contê-la. Alguns analistas apontam que o aumento da renda e do consumo dos brasileiros em 2023 e 2024 teria pressionado os preços, configurando a chamada “inflação de demanda”. No entanto, ao observar os produtos não comercializáveis (aqueles sem presença relevante no mercado externo), essa tese não se sustenta: em 2024, verificou-se queda nos preços de feijão-carioca (–8,6%), ovo de galinha (–4,5%), farinha de mandioca (–1,8%), batata (–12,4%), tomate (–25,9%) e cebola (–35,3%). Apenas três itens subiram: alface (0,4%), banana-prata (1,7%) e arroz (8,2%).
Há quem diga que problemas climáticos teriam reduzido a oferta interna e provocado a alta de preços. Porém, para os não comercializáveis, os números desmentem essa explicação. Já no caso dos exportáveis (aqueles com saldo positivo na balança comercial), não se pode ignorar que a produção nacional faz parte de um universo global e que o excesso ou a escassez interna nem sempre se traduzem em barateamento ou encarecimento imediato no Brasil.
Tal como se observou de 2007 a 2023, a principal fonte de pressão sobre os preços dos alimentos em 2024 parece vir do comércio internacional, passando tanto pelo preço global dos alimentos quanto pela taxa de câmbio brasileira. No século XXI, os preços internacionais de alimentos têm mostrado tendência clara de alta, e o Brasil ampliou o percentual de exportações em relação à sua produção e no total de exportações mundiais.
Diretamente, a alta das cotações internacionais afeta os preços internos de produtos exportáveis ou importáveis com déficit comercial. Indiretamente, também pressiona os produtos não comercializáveis, porque o aumento ou a queda de preços internacionais impacta o plantio de exportáveis, liberando ou retendo capital e áreas de cultivo. A variação na taxa de câmbio brasileira pode suavizar ou intensificar esse processo.
Analisando 2024 de perto, percebe-se que quase 90% (88,9%) do aumento no subgrupo Alimentação no Domicílio vieram de três itens: carnes (63,1%), bebidas e infusões (14,8%) e leite e derivados (11,0%). No primeiro caso, carnes bovina e suína apresentaram altas próximas de 20%. Em bebidas e infusões, o café moído subiu 39,6%. Já no grupo de leite e derivados, o leite longa vida teve alta de 18,8%. Observa-se ainda que o Brasil exibe robusto saldo comercial em carnes e café, porém é importador líquido de lácteos.
No mercado global, os preços de carnes, lácteos e café dispararam, assim como ocorreu com a laranja e a soja, que aumentou 33% internacionalmente e impactou em 29% a cotação do óleo de soja no Brasil. Já o açúcar e os cereais — como o trigo — tiveram quedas internacionais; internamente, o açúcar manteve estabilidade, enquanto panificados subiram apenas 2,5%.
Além disso, a forte desvalorização do Real em 2024 — possivelmente com um componente especulativo — agravou o problema. No segmento “carnes”, predominantemente de bovinos, houve recuo de 2,5% nos preços entre janeiro e agosto, mas, após o início mais intenso da desvalorização cambial, de setembro a dezembro, ocorreu um salto de 23,9%.
No campo das políticas públicas, o governo precisará reunir mais informações e amadurecer eventuais medidas nos próximos meses. Entre elas, seria oportuno avaliar uma maior participação do poder público na regulação do abastecimento interno e das exportações, função hoje concentrada principalmente nas mãos de tradings e agroindústrias. Como ação imediata, os frigoríficos poderiam ser chamados a explicar por que as carnes dispararam nos últimos meses de 2024.
Quanto à política monetária, é revelador notar que, se o grupo Alimentação e Bebidas tivesse subido no mesmo ritmo dos demais grupos em 2024, o IPCA ficaria em 4,1%, abaixo da meta oficial. Embora os preços internacionais sejam “dados” para o Brasil, ainda existe a possibilidade de intervir na taxa de câmbio. Talvez, promover a valorização do Real tivesse sido mais eficaz no controle da inflação do que elevar a taxa de juros, pois se trataria de um instrumento direto para conter o impacto das cotações globais no mercado doméstico.