Na última temporada da Champions League, as redes sociais da TNT Sports, que transmitiu o evento no Brasil, atingiram quase 600 milhões de interações e 6,8 bilhões de vídeos visualizados. Na véspera da final, rea­lizada no sábado 31, o TikTok registrava 7,5 bilhões de publicações sobre a partida.

Tais números ajudam a dimensionar um mercado que só faz crescer: aquele que conecta esporte e audiovisual. Embora a audiência esportiva sempre tenha sido fundamental para as tevês aberta e fechada, o streaming e as redes sociais levaram esse negócio para outro patamar.

A Ampere Analysis prevê que, até o fim deste ano, as plataformas representem um quinto dos gastos com direitos esportivos – movimentando 12,5 bilhões de dólares.

De acordo com a Gracenote, empresa de dados da Nielsen, Amazon Prime ­Video, Disney+, Netflix e Paramount+ aumentaram exponencialmente seus conteúdos esportivos. E esses conteúdos incluem tanto as transmissões ao vivo – como a NFL, na Netflix, e a ­Premier ­League, na Prime – quanto documentários, filmes de ficção e séries.

No Rio2C, encontro de criatividade encerrado no domingo 1º de junho na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, o esporte mereceu até uma sala temática.

Na SportsON, não foram poucos os executivos a dizer que, hoje, o esporte é talvez o único produto realmente capaz de garantir a retenção do espectador e do assinante, algo que vale ouro nesta era da disputa pela atenção. O esporte é também o produto que mais atrai anunciantes.

Na esteira da disputa pelos direitos de transmissão ganham força as narrativas que têm os atletas como personagens

A impulsionar esse mercado não há um, mas vários fatores – alguns deles, comportamentais. Mas o primeiro a ser considerado é o da dispersão dos direitos de exclusividade para as transmissões.

“A gente, no Brasil, tem como marco a pandemia, que levou a uma falta de dinheiro”, explicou, ao debater o assunto no Rio2C, Denis Gavazzi, diretor de esportes da TV Bandeirantes. “Quando a Globo renegociou o contrato da Libertadores, ela abriu uma oportunidade para o mercado.”

O executivo lembra que, naquele momento, a agência FC Diez, responsável pela venda dos direitos, fechou um acordo com o SBT. “No ano seguinte, ela vai para o mercado e negocia com diferentes players, dividindo os direitos.” Em 2023, a Paramount+, ligada a um dos cinco mais tradicionais estúdios de cinema do mundo, adquiriu os direitos, para o digital, da Libertadores e da Copa Sul-Americana.

George Guilherme, diretor de transmissões esportivas da Globo, lembra que a fragmentação é uma decorrência do aumento nos valores das licenças. “Houve um tempo em que a gente comprava direitos e nem transmitia”, disse. “Hoje, ninguém mais, no mundo, consegue adquirir todos eles.”

Segundo Gavazzi, o primeiro movimento a alterar um cenário mais ou menos estável – dividido, na TV paga, entre ESPN e SporTV – foi a chegada da Fox ao mercado brasileiro, em 2011. A empresa ofereceu valores até então inimagináveis por aqui.

Naquele momento, a banda larga já tornava possível o streaming de vídeo e, nesse mesmo ano, a Netflix chega ao Brasil. Se, à altura, o “ao vivo” ainda se apresentava como um grande desafio na internet, logo essa possibilidade se mostraria factível.

Ao mesmo tempo que subiam os ­custos dos direitos, caíam os de transmissão. Se, para a Olimpíada de Sydney, Gavazzi levou “duas mil fitas em contêineres”, hoje é possível fazer uma transmissão com um celular e um tripé. Nasce então, em 2017, a LiveMode, sócia da CazéTV, um marco na revolução em curso.

Multiplataforma. Luíza Fiorese, atleta de vôlei sentado, é influenciadora. Hugo Calderano viralizou com os vídeos curtos da CazéTV. Daiane dos Santos é tema de um filme coproduzido por Viola Davis – Imagem: Redes Sociais, Lucas Seixas e Washington Alves/COB

A empresa cresceu pari passu com a evolução tecnológica e apostou numa linguagem mais informal, que borrava as fronteiras entre narração esportiva, entretenimento e humor. Além disso, se fez nas redes e para as redes.

“Temos muitos formatos que vão além do que é transmitido ao vivo”, diz Felipe Tebet, head de Plataforma e Programas da LiveMode. “Podemos ter um evento que é visto, ao vivo, por 10 mil pessoas e, depois, ter cortes com 1 milhão de visualizações.”

O mesatenista Hugo Calderano é um exemplo de fenômeno viral gerado pelos cortes de poucos segundos que se converteu em audiência ao vivo. A final da Copa do Mundo de Tênis de Mesa teve 550 mil visualizações simultâneas. “Procuramos também adicionar uma camada de conexão emocional”, diz Tebet, apontando para algo que explica, inclusive, a chegada do esporte a um evento de criatividade.

“O que permeia o Rio2C é a narrativa”, resume Rafael Lazzarini, fundador do evento. “Só por isso, o esporte, que traz tantas histórias, já teria de estar aqui.” Quem há de negar que o atleta de alto rendimento tem algo de herói?

Não é difícil reconhecer a jornada tipificada por Joseph Campbell no livro O Herói de Mil Faces nos produtos audiovisuais protagonizados por atletas. Na Max – serviço de streaming da Warner Bros. Discovery, detentora do TNT Sports –, a aba dedicada à Champions League traz um convite: “Quem ama futebol vai se apaixonar por essas histórias”.

Dentre os títulos brasileiros disponíveis na Max estão Luva de Pedreiro – O Rei da Jogada (2024) e Romário, O Cara (2024). Romário foi comentarista na final vencida pelo Paris Saint-Germain.

Outros jogadores recentemente transformados em personagens reais foram Vini Jr., no longa-metragem Baila, Vini (2024), da Netflix, e Dunga, na série Brasil vs. Dunga – Futebol em Pé de Guerra (2024), lançada pelo SporTV.

A Disney+ lança, em 9 de julho, Jogo Cruzado, série de ficção protagonizada por um jogador de futebol (José Loreto) e uma jornalista esportiva (Carol Castro). Ambos disputam atenção e audiência.

Na nova era do conteúdo esportivo, histórias ligadas à origem periférica e à superação podem valer mais que relatos sobre desempenho

“O jogador assume o microfone e traz, com ele, uma estética da periferia”, disse, noutra mesa do Rio2C, o roteirista Álvaro Campos. “A série fala do esporte numa arena que é o próprio Brasil, com gente de fora do eixo. Através do ­audiovisual, o esporte nos dá a dimensão do País.”

Campos, roteirista também de Senna (2024), da Netflix, e de Anderson Spider Silva (2023), da Paramount+, vê, no esporte, muitos “heróis improváveis”.

Não raro, a origem social dos atletas é um elemento dos arcos dramáticos. A origem da ginasta Daiane dos Santos será um dos eixos do documentário Menina Que Voa, coprodução entre a Maria Farinha Filmes e a Shé Ventures, de Viola Davis. “Falar da Daiane é falar de um Brasil no qual as mulheres se reconhecem”, disse, na conversa com Campos, Flávia Vieira, roteirista do filme sobre a ginasta.

Em Paris 2024, a judoca Bia Souza, também mulher negra, viu o número de seguidores nas redes sociais explodir após Cazé fazer um mutirão para que ela bombasse nas redes. “Nossa campeã olímpica não pode ter 150 mil seguidores”, dizia ele.

Também na última olimpíada, a imagem do pódio da ginástica artística, com três mulheres negras – e a brasileira Rebeca Andrade no alto – tornou-se um símbolo do que a antropóloga Lilia Schwarcz disse representar não apenas a “superação”, algo intrínseco ao esporte, mas as “novas formas de emancipação”.

Não à toa, tem proliferado um tipo de conteúdo centrado nas histórias de vida, e não nos resultados. A The Players ­Tribune pinçou, do universo do futebol, as histórias de Raniel, que passou por problemas de saúde, e de Matheus Pereira, que fala sobre drogas e saúde mental.

Outra personagem do site é a atleta paralímpica Luíza Fiorese, campeã mundial que relata o enfrentamento de um câncer que a afastou do handball, aos 15 anos, e o nascimento da paixão pelo vôlei sentado.

Lazarini, do Rio2C, acha, inclusive, que para se compreender melhor o aprofundamento da relação entre esporte, entretenimento e mídia cabe adicionar à equação outra variável: a questão da longevidade. “Hoje, não se fala simplesmente em viver mais, mas em viver melhor. E quando você traz mais gente para o universo do cuidado físico, é óbvio que aproxima mais gente do esporte.”

Trata-se, no fundo, daquilo que virou a palavra de ordem no universo digital: conexão.

De acordo com a Parrot Analytics, Wimbledon, depois de passar por um notável aumento de seguidores nas redes sociais, viu a audiência crescer. No caso da Fórmula 1, diz-se que a conquista de um novo público, após uma longa crise, foi alimentada pelo filme Ferrari (2023) e pela série Fórmula 1, da Netflix. Não chega a ser coincidência que a maior produção feita pela empresa no Brasil tenha sido Senna.

Embora as cifras bilionárias sejam mobilizadas para o esporte transmitido ao vivo, esse investimento tem se desdobrado também em narrativas e histórias que ficam. •


*A jornalista viajou a convite do Rio2C.

Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital, em 11 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os heróis do streaming’

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Last Update: 05/06/2025