No coração de Havana, Sofia Rodríguez está na fila para comprar carne moída. Ela tem artrite e artrose, o que a faz caminhar com dificuldade, mas continua elegante, com uma blusa xadrez e uma bolsa de jeans que lhe dão o ar de uma senhora de 80 anos. Até cinco anos atrás, Rodríguez era recepcionista em um escritório local do Partido Comunista de Cuba. Sua aposentadoria é de 1.575 pesos por mês, mas nos últimos três anos a inflação reduziu seu valor para menos de 5 dólares. “Tento distribuí-la entre comida, remédios, o que eu puder”, conta.
Rodríguez é uma das muitas pessoas idosas em Cuba que se veem praticamente desprotegidas, enquanto o Estado comunista, em luta contra uma profunda crise econômica, se volta para a iniciativa privada. Ela mora com sua filha surda e muda. Elas estão sozinhas. Não têm parentes para dar suporte.
Não deve ser assim para a geração revolucionária de Cuba. Em troca de um compromisso altruísta com a sociedade, eles receberam a promessa de comida subsidiada e assistência médica do berço ao túmulo. “O homem começará a libertar sua mente da exigência irritante de satisfazer suas necessidades animais por meio do trabalho”, prometeu Che Guevara. À medida que surgem lojas privadas por toda a ilha caribenha e as cantinas que fornecem rações subsidiadas pelo Estado se esvaziam, muitos idosos estão, no entanto, chocados com a rapidez com que foram abandonados pela revolução à qual se dedicaram, justamente no momento em que estão mais vulneráveis. “Nós vivíamos com um sonho, com uma devoção”, diz Rodríguez. “E então tudo desapareceu.”
“Nós vivíamos com um sonho, com uma devoção”, lamenta Sofia Rodríguez. “E então tudo desapareceu.”
Os idosos são uma parte cada vez maior da sociedade cubana. Um triunfo da revolução de 1959 foi aumentar a expectativa de vida da população para perto de 80 anos, mesmo patamar dos Estados Unidos e do Reino Unido. Agora, os maiores de 60 compõem 22,6% da população, dos quais 221 mil vivem sós, na maioria mulheres. Essas tendências foram intensificadas recentemente pelo êxodo de jovens. Quanto mais a economia se contrai, mais os cubanos se somam às caravanas de latino-americanos em direção à fronteira dos Estados Unidos, ou encontram maneiras de mudar-se para a Europa. As estimativas variam, mas todos concordam que a população cubana caiu bem abaixo dos 11 milhões registrados no censo de 2012. Um relatório de um demógrafo independente situou-a em apenas 8,62 milhões. “Uma das coisas terríveis para meus colegas é que seus filhos deixaram Cuba”, diz Carlos Alzugaray, 81 anos, ex-embaixador. “E hoje eles são financeiramente dependentes dos filhos, depois de tanto sacrifício.”
Alzugaray, integrante do Partido Comunista, está tão chocado com a situação a ponto de dizer: “Se amanhã alguns aposentados se reunissem e dissessem: ‘Vamos fazer uma manifestação em frente ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social’, eu iria”. É uma declaração surpreendente num país onde as manifestações são raras – e quase nunca toleradas. “Eu tive duas profissões na vida”, cita Alzugaray. “Ambas a serviço do governo da revolução cubana. Uma delas foi um período de 35 anos no Ministério das Relações Exteriores. A outra foram 15 anos como professor universitário. E recebo 2.330 pesos por mês.” O que o surpreende é a falta de reação do governo. “Não temos a sensação de que eles se importam com esse problema”, reclama. “Ou que vão fazer algo a respeito. Eles fazem o que fazem com qualquer problema, o ignoram.”
O colapso da economia cubana pode ser mapeado desde o embargo dos EUA, há seis décadas, no planejamento central moribundo do Estado comunista e no fracasso da recuperação da pandemia. Durante algum tempo, parecia que o governo não tinha condições de importar alimentos, então, em 2021, foram autorizadas pequenas e médias empresas privadas (Mipymes), lojas incluídas. Essas lojas se mostraram uma bênção para os cubanos que recebem dinheiro de parentes no exterior, mas isso não se encaixa a todos. E quando nem mesmo uma aposentadoria mensal de embaixador cobre uma bandeja de ovos (2,5 mil pesos), tornou-se comum ver idosos a olhar com saudade para itens básicos como óleo de cozinha que não podem pagar. O governo culpou a “especulação” das Mipymes e decidiu limitar os preços de artigos básicos como frango picado e óleo de cozinha. Mas mesmo esses alimentos – se as lojas privadas continuarem a vendê-los – estão fora do alcance dos aposentados (o óleo de cozinha tem um preço limite de 950 pesos).
O doutor Alberto Fernández Seco é chefe do Departamento de Idosos, Assistência Social e Saúde Mental no Ministério da Saúde Pública. Segundo ele, Cuba, com seu “alto nível de educação, dieta balanceada, esportes e acesso à cultura”, continua mais bem posicionada que outros países para enfrentar “o problema global” do envelhecimento. Ele descreve os esforços históricos do país para cuidar de seus idosos. Há 304 Casas de Abuelos (Casas de Avós), centros de acolhimento onde eles podem se encontrar, receber refeições e assistência médica. E 158 casas de repouso oferecem leitos para os mais necessitados. Seco descarta os relatos de que menos gente tem procurado as Casas de Abuelos por conta do aumento dos preços e que os leitos em casas de repouso começaram a desaparecer. Na verdade, afirma, ocorre o oposto. “Estamos começando a desenvolver políticas para compartilhar essa responsabilidade com o setor privado.” Tais empresas há poucos anos seriam impensáveis. A TaTamania, por exemplo, oferece “cuidados personalizados” para idosos com “profissionais do setor de saúde”, com seis escritórios em Cuba e taxas a partir de cerca de 150 dólares por mês, mas que aumentam rapidamente a depender das necessidades. O dinheiro vem principalmente de parentes no exterior. O plano do governo é permitir que essas empresas se expandam do atendimento domiciliar para casas de repouso, com um décimo das taxas gastas nas necessidades daqueles sem parentes. “Compartilhar a responsabilidade com o setor privado não contradiz as conquistas da revolução”, garante Seco.
Elaine Acosta, socióloga e fundadora do Cuido 60, grupo da Universidade Internacional da Flórida que estuda as condições dos idosos cubanos, diz que as famílias expatriadas estão cientes de que 10% de suas taxas são redistribuídas, mas o dinheiro gerado é muito pouco para resolver a situação. “Um problema maior é que as organizações da sociedade civil, que poderiam ajudar, não conseguem receber dinheiro de fundações ou outros do exterior.”
Sem perspectivas, os jovens têm sido empurrados para a imigração
O governo, rebate Seco, tem expandido os direitos dos idosos, incluindo o de não se aposentar. “Se você tiver a aptidão física e mental adequada”, diz, “pode continuar a trabalhar e a receber a aposentadoria e o salário.”
Talvez não seja o que foi prometido, mas ele acrescenta que os cubanos devem lembrar-se de como têm sorte, em comparação com cidadãos de países com problemas de roubo de órgãos, tráfico humano e drogas. “Às vezes nos falta a capacidade de apreciar o que temos.”
Empurrando uma cadeira de rodas pela Rua San Lázaro, Elvio Agramonte de los Reyes está um pouco encurvado, mas se comporta como o homem de Camagüey que é, criado na mais tradicional das províncias cubanas. A cadeira contém um caixote com mangas e coentro que ele vende aos passantes. “O governo me dá 1.100 pesos”, revela o homem de 85 anos. “Entre isso e o que consigo nas ruas, é com o que estou vivendo. Tenho uma vantagem. Não fumo nem bebo café ou rum. Eu bebia muito rum, mas tive uma dessas isquemias cerebrais, e eles me disseram: ‘Não toque mais nisso’.” Assim como Rodríguez, Agramonte tem apenas uma filha deficiente como família. “Ela tem uma condição mental de nascença. Não trabalha e eles lhe dão uma pensão de 2 mil pesos.”