“Posso falar o que eu acho?… Mas fala baixo!” Esse era o bordão de um personagem de Jô Soares na década de 1980, nos estertores da ditadura militar. O humorista satirizava a censura que dominou o regime e que, finalmente, começava a arrefecer. Hoje, em 2025, em tempos de “luta contra o fascismo”, a frase está mais atual do que nunca. A diferença é que o perigo, naquela época, era ser considerado “comunista” e agora é ser tachado de “fascista”. Mas, afinal, o que é “ser fascista”?

A considerar as animadas manifestações dos chats progressistas do portal 247 e de boa parte dos articulistas da imprensa burguesa, “fascista” é, grosso modo, o oposto de identitário – sendo que chamar “identitário” de “identitário” também é ser fascista! Isso porque os adeptos da “cultura woke” não admitem ser designados de nenhuma forma. Eles seriam simplesmente os porta-vozes da “coisa certa a fazer”.

Um artigo da Folha de São Paulo, intitulado “Fascistas na padaria”, que faria inveja à sociologia de Jessé de Souza, exemplifica bem o pensamento em voga na esquerda pequeno-burguesa. Sua autora, que se define como “roteirista de TV”, admite que faz o que chamou de crônica para os “idiotas” que encontrou na padaria numa certa tarde de domingo. O casal e seu filho de 15 anos, trajando camisetas verde-amarelas, aparentemente tinham ido à manifestação em favor da anistia de Bolsonaro, o que fazia deles execráveis fascistas.

A articulista descreve o que ouviu dos fascistas que ousaram sentar-se ao seu lado na movimentada padaria: “‘Ai, Ricardo, que lugar cheio, quente, que horror’. Essa é a frase que a esposa de verde e amarelo repete. Não posso chamá-la de companheira do fulano, parceira, essa daí é esposa mesmo. O pai trata mal a mocinha preta que o atende, olha feio para a moça com uma criança barulhenta ao lado”. Depois dessa descrição, a escritora proclama: “E os odeio”.

Embora professe com todas as letras o seu ódio por pessoas que não lhe fizeram nada, a colunista certamente não seria enquadrada no “crime de discurso de ódio”, pois ela está exercendo seu “ódio do bem”, ou seja, contra os “fascistas”. Por muito menos, o STF processou Monark, que chamou o ministro Flávio Dino de “gordola”.

A colunista continua: “Aquele pequeno playboy misógino de 15 anos precisa ser salvo. Ainda dá tempo? Na minha época, em colégio católico, eu tinha aulas de educação moral e cívica. Hoje, quando busco esses antigos colegas nas redes sociais, mais da metade da minha turma elegeu Bolsonaro. E se em vez de uma aula estranhíssima em que aprendíamos a honrar o bom comportamento em uma fila militar, tivéssemos tido aulas de sociologia, filosofia, educação antirracista?”.

Identitários, como portadores da verdade moral, acham que lhes cabe “salvar os outros”, embora a colunista do jornal, que tem respaldo para afirmar que o rapaz é “misógino”, não acredite que ele ainda possa ser salvo (!). E mais: os coleguinhas de escola dela elegeram Bolsonaro e ela, a iluminada, virou roteirista de TV e colunista da Folha. No mínimo, foi tocada por Deus.

O fato é que o identitarismo, entre seus vários problemas, deu um discurso fácil para muita gente ignorante posar de intelectual. Basta ser defensor das mulheres (incluindo as “trans” na mesma categoria), dos “povos originários” e das cotas para negros e transgêneros em tudo quanto é lugar.

No Portal 247, o chat ontem comemorava a possibilidade de um papa africano vir a substituir Francisco. Ninguém avisou esse pessoal, defensor de cotas raciais no Vaticano, que existe, sim, um candidato africano, mas o sujeito é bastante conservador e não entrevê nenhuma abertura para aceitação de gays, casamento homossexual e coisas do gênero. Se não fosse negro, o “papável africano” poderia ser chamado de fascista.

Questionar que “mulher trans” participe de competição esportiva com mulheres, em igualdade de condições, é ser fascista. Isso sem falar na história do banheiro. Só mesmo um fascista para se opor a que uma “mulher trans” use o banheiro feminino. Achar que linguagem neutra é uma grande bobagem ou tentar explicar a etimologia correta das palavras, sem cair no mito do “criado-mudo”, também é ser fascista.

A lógica – se é que se pode usar o termo – disso é que esses grupos “minorizados” teriam direito a uma “reparação histórica”, portanto não importa a verdade, apenas aquilo que possa fazer o pessoal se sentir psicologicamente bem. Enquanto isso, as lutas que realmente importam, aquelas que o povo deveria travar com a burguesia opressora, ficam em segundo plano. A burguesia, aliás, também é identitária. O Banco Itaú e a Rede Globo não nos deixam mentir.

Na prática, “discurso de ódio” é crime só de vez em quando. Depende de quem odeia e de quem é odiado. Se for “ódio do bem”, contra os “fascistas da padaria” (não identitários), não será passível de punição. E viva a democracia!

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Last Update: 24/04/2025