Os EUA não estão preparados para uma guerra prolongada com a China

por Fernando Marcelino

Em um relatório divulgado em 2024, a Comissão Bipartidária sobre a Estratégia de Defesa Nacional dos Estados Unidos afirmou que a China representa a ameaça mais séria à supremacia militar dos EUA desde a Guerra Fria, especialmente no Pacífico Ocidental. O documento destaca que a China conseguiu, em grande medida, anular a vantagem militar dos EUA na região após duas décadas de investimentos militares focados.

A chamada “primeira cadeia de ilhas”, que abrange Japão, Taiwan e Filipinas, é vista como uma barreira estratégica crucial no contexto de contenção da China pelos EUA. Essa área é vista como fundamental para limitar a capacidade de projeção de poder de Pequim e proteger interesses norte-americanos no Pacífico. As bases militares norte-americanas no Pacífico, que incluem instalações em Okinawa e Guam, são cruciais para operações de contraintervenção na região. Guam hospeda importantes instalações como a Andersen Air Force Base e a Apra Harbor, que abriga submarinos nucleares.

No entanto, o relatório ressalta que essas bases estão perigosamente expostas a ataques chineses. A base aérea de Kadena, por exemplo, localizada na ilha japonesa de Okinawa está a apenas 600 quilômetros do estreito que separa a ilha de Pequim. A China agora possui a maior marinha do mundo, com mais de 370 navios de superfície e submarinos, a maioria concentrada no Pacífico Ocidental, em comparação com menos de 300 navios dos EUA distribuídos globalmente. Nos últimos anos, a China desenvolveu e testou mísseis balísticos capazes de atingir Guam, conhecidos como “Guam killers”. O DF-26, com alcance de 4.000 quilômetros e capacidade de transportar ogivas nucleares ou convencionais, é uma peça central nessa estratégia. Além disso, a Coreia do Norte testou o míssil Hwasong-12, que também pode alcançar Guam. Além disso, a China está expandindo e modernizando rapidamente sua força aérea e arsenal nuclear. As capacidades cibernéticas e espaciais da China são classificadas como “iguais ou quase iguais” às dos EUA. Essas capacidades provavelmente seriam usadas para interromper infraestruturas críticas, dificultando a capacidade dos EUA de entrar em um conflito na região.

A China desenvolveu uma combinação de mísseis de longo alcance, radares avançados e sistemas de guerra eletrônica para criar um escudo defensivo que dificulta a entrada de forças inimigas em sua região. São mísseis balísticos antinavio (como o DF-21D e o DF-26), sistemas de defesa aérea avançados, submarinos silenciosos e tecnologia de interferência eletrônica para dissuadir e neutralizar a presença militar dos Estados Unidos na região. Em vez de competir diretamente com os Estados Unidos no número de porta-aviões e na capacidade de projeção de poder, a China está construindo uma força naval projetada para tornar os porta-aviões americanos menos eficazes dentro de sua esfera de influência.

Nos últimos anos, a China intensificou sua preparação para possíveis conflitos, promovendo uma verdadeira transformação em sua infraestrutura de defesa aérea. Um estudo do Hudson Institute, dos Estados Unidos, trouxe à tona informações que podem mudar a forma como o mundo encara o poder militar da China. O relatório, intitulado “Concrete Sky: Air Base Hardening in the Western Pacific”, detalha como o Exército Popular de Libertação (EPL) transformou suas bases aéreas na região do Pacífico em uma fortaleza quase impenetrável. Desde o início da década de 2010, a China tem investido pesado em tornar suas instalações militares mais resilientes a possíveis ataques. A quantidade de abrigos reforçados para aeronaves cresceu significativamente, passando de 370 unidades para mais de 800. Esses abrigos são construídos com concreto reforçado e aço, com portas à prova de explosões. O objetivo é garantir que, em caso de ataque, a grande maioria dos aviões de combate chineses consiga se proteger. Com esses reforços estruturais, os abrigos são projetados para resistir até mesmo a impactos diretos, proporcionando à China uma vantagem significativa caso haja um conflito de grande escala. Além disso, não são apenas os abrigos mais resistentes que se destacam no relatório.

Os abrigos não reforçados, que oferecem proteção parcial contra estilhaços, também aumentaram significativamente, passando de 1.100 para mais de 2.300 unidades. Isso totaliza mais de 3.000 abrigos no total, permitindo que a China consiga proteger a maioria de sua frota aérea em caso de um conflito armado na região. De acordo com os analistas militares, a China está se preparando para um possível confronto com as potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos. O relatório do Hudson Institute sugere que, se ocorrer uma guerra no Pacífico, a China estaria em uma posição muito vantajosa, com seus aeródromos fortemente protegidos e sua frota aérea bem posicionada para atuar em qualquer cenário de combate.

O aumento no número de abrigos e a melhoria das estruturas de defesa nas bases aéreas significam que a China pode enfrentar ataques aéreos com mais eficácia, diminuindo os danos a seus recursos militares. Essa estratégia de defesa torna muito mais difícil para qualquer adversário, incluindo os EUA, realizar ataques eficazes que possam comprometer a capacidade de combate da China na região. Em comparação, os Estados Unidos adicionaram apenas dois abrigos reforçados e 41 não reforçados na região do Pacífico nos últimos anos, excluindo as bases na Coreia do Sul. Isso deixa as forças norte-americanas em clara desvantagem estrutural, com sua capacidade operacional na região reduzida a apenas um terço da capacidade chinesa. Sem as bases na Coreia do Sul e nas Filipinas, essa proporção cai ainda mais, para 15%.

Outro ponto preocupante levantado pelo estudo é o aumento do arsenal de mísseis da China. Segundo o relatório, o número de mísseis balísticos de médio alcance (MRBMs) do país cresceu em 300 unidades em apenas um ano. Esses armamentos têm um alcance que varia de mil a três mil quilômetros, cobrindo toda a chamada “primeira cadeia de ilhas”, que inclui Taiwan, Filipinas e Japão. Além disso, a Força de Foguetes do Exército de Libertação Popular, divisão militar chinesa responsável por operações de mísseis, vem conduzindo exercícios frequentes de ataques simulados contra campos de aviação, bunkers e navios, aprimorando sua prontidão para situações de conflito real.

O relatório detalha que as doutrinas militares chinesas recomendam ataques surpresa como método para conquistar superioridade aérea. Esses ataques, realizados com mísseis balísticos e de cruzeiro, poderiam paralisar a força aérea inimiga antes mesmo de os aviões decolarem, o que daria à China uma vantagem estratégica decisiva. O estudo alerta que Beijing tem investido intensamente no desenvolvimento das capacidades necessárias para executar ofensivas desse tipo. “As bases militares americanas desprotegidas são altamente vulneráveis a ataques precisos, mesmo que limitados em escala. Apenas 10 mísseis poderiam neutralizar aeronaves e estoques de combustível em locais críticos, como a base de Iwakuni, no Japão”, diz o relatório.

Apesar da desvantagem, os Estados Unidos contam com grande estrutura para militarizar o Pacífico. O Japão mantém hoje o maior contingente militar americano fora dos EUA no mundo, com cerca de 40 mil soldados em 122 bases, quartéis e outras instalações militares, resultado da ocupação pós-Segunda Guerra. As tropas estão instaladas em maior número na base de Kadena, em Okinawa. Além dos soldados, os EUA têm no país dezenas de helicópteros, caças e aviões de vigilância. O país também abriga a Sétima Frota da Marinha, a maior dos EUA. Ela tem entre 50 e 70 navios e submarinos, 140 aeronaves e pelo menos 20 marinheiros entre o Pacífico e o Índico. A frota tem também pelo menos 12 submarinos nucleares e 14 destróieres e cruzadores armados com interceptadores de mísseis balísticos, lançadores de mísseis Tomahawk. A Coreia do Sul tem o terceiro maior contingente militar americano fora dos EUA com cerca de 20 mil soldados em 83 quartéis, bases e instalações militares. O país ainda mantém as United States Force Korea, cuja missão é “deter agressões e, se necessário, defender a Coreia do Sul e manter a estabilidade no Nordeste Asiático”. Mais de 300 tanques estão posicionados na Coreia do Sul. Além disso, os EUA instalaram o escudo antimísseis Terminal High Altitude Area Defense (THAAD) para interceptar mísseis durante o voo. No Havaí fica a sede do Comando norte-americano no Pacífico, que controla toda a região do Pacifico asiático. O Havaí tem 37.497 soldados, mas o Comando Pacífico hoje é responsável por 375 mil militares e civis, 200 navios, 1.100 aeronaves e mais de 130 mil militares e civis. A Tailândia permite que aeronaves dos EUA usem suas pistas de pouso e Cingapura mantém um dos quartéis da Marinha dos EUA e alguns navios dos EUA.

Desde 2013, os EUA estão criando uma linha do Japão até Filipinas com estações militares, armazéns de armamento, veículos com mísseis balísticos, submarinos nucleares, alojamento para militares e centros de cibernética. As ilhas no sul do Japão – Amami, Okinawa, Miyako, Ishigaki e Yonaguni – passaram por reformas para atender maior presença dos EUA. Elas receberam cerca de 400 mísseis de cruzeiro Tomahawk, com seus modelos mais avançados capazes de atacar navios e alvos terrestres a mais de 1.850 km de distância.

Em 2024, os EUA anunciaram investimento de US$ 409 milhões na recuperação de uma importante base aérea da 2ª Guerra Mundial no Pacífico, situada na ilha de Tinian, do arquipélago de Marianas do Norte. Foi dessa base que partiram os aviões que lançaram as bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Nos anos seguintes, as instalações militares e as pistas de pouso foram sendo abandonadas e tomadas pelo mato. A ação norte-americana faz parte de uma estratégia para ampliar a presença militar no Indo-Pacífico, em resposta à crescente rivalidade com a China. A ilha de Tinian fica próxima de outra base norte-americana em Guam. A distribuição de militares entre Tinian e Guam visa a garantir uma cobertura mais ampla da região. A base em Tinian tem 4 pistas de pouso de 2,6 km cada. Ela será capaz de acomodar toda a frota tática da Marinha norte-americana, incluindo os caças F/A-18 e F-35, além de bombardeiros e aviões de transporte e reabastecimento.

Recentemente, os Estados Unidos assinaram um pacto de defesa com Papua Nova Guiné, um movimento estratégico para expandir sua influência na região do Pacífico e contrabalançar a crescente presença da China. Este acordo permite o acesso das forças americanas a portos e aeroportos em Papua Nova Guiné, oferecendo uma base adicional para as operações militares dos EUA no Pacífico e uma proteção adicional para Guam.

As Filipinas costumavam abrigar duas das maiores bases da Marinha e da Força Aérea dos EUA fora do território continental americano. As bases foram fechadas no início da década de 1990, após o Senado filipino rejeitar uma extensão, mas as forças americanas retornaram para exercícios de combate em larga escala com tropas filipinas, sob um acordo de 1999.

Em março de 2025, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, disse na sexta-feira que o governo Trump trabalharia com aliados para aumentar a dissuasão contra a China no Mar da China Meridional. Hegseth afirmou que o governo Trump destinaria mais assistência de segurança às Filipinas, além de um fundo de US$ 500 milhões para ajudar na modernização das Forças Armadas filipinas. O exército dos EUA implantou um lançador de mísseis antinavio pela primeira vez na Ilha de Batan, nas Filipinas, enquanto os fuzileiros navais descarregavam a arma de alta precisão na ponta norte do arquipélago, a apenas uma fronteira marítima de distância de Taiwan. Forças dos EUA e das Filipinas lançaram separadamente uma saraivada de mísseis e fogo de artilharia que abateu vários drones que atuavam como aeronaves hostis em exercícios de fogo real no domingo na província de Zambales, de frente para o disputado Mar da China Meridional.

O exercício militar anual “Balikatan” (ombro a ombro) entre EUA e Filipinas foi realizado no norte das Filipinas de 21 de abril a 9 de maio. Envolveu 14.000 soldados, cerca de 9.000 militares americanos e 5.000 filipinos. Pelo menos 260 militares australianos também se juntaram, além de delegações menores de observadores do Japão e de outros países. Os cenários simulados de batalha realizados não apenas simularam uma guerra real, como foram realizados perto de importantes pontos geopolíticos, que se tornaram linhas de frente delicadas na rivalidade regional entre a China e os EUA. Ele ocorreu como de costume na Ilha de Luzon, no norte das Filipinas, e se expandiu para as Ilhas Batanes, muito mais próximas do Estreito de Taiwan. Localizada no extremo norte das Ilhas Batanes, a Ilha Yami fica a apenas 142 quilômetros da Ilha de Taiwan e a 99 quilômetros da ilha taiwanesa de Orchid, bem mais próxima do que os mais de 200 quilômetros da Ilha de Luzon. As forças americanas e filipinas também praticarão a defesa conjunta das ilhas filipinas, repelindo forças hostis que tentam atacar pelo mar na província filipina ocidental de Palawan, que fica de frente para o Mar da China Meridional, e na província de Cagayan, ao norte, perto de Batanes. Pela primeira vez, as Forças Armadas dos EUA implantaram o Sistema de Interdição de Navios Expedicionários da Marinha/Fuzileiros Navais (NMESIS) no exercício Balikatan, fornecendo defesa antimísseis aérea e marítima às Filipinas e aprimorando as capacidades de ataque e dissuasão marítimas EUA-Filipinas nas águas ao redor do Estreito de Taiwan. Como resposta, a Guarda Costeira Chinesa (CCG) desembarcou em um recife disputado no Mar do Sul da China — Tiexian Jiao (Ilha Sandy) — tendo efetivamente o apreendido.

Em 20 de abril, foi noticiado que a primeira ogiva não nuclear à base de hidrogênio foi detonada pela primeira vez em um teste de campo controlado na China, desencadeando com sucesso uma série de reações químicas em cadeia devastadoras. A bomba de 2 kg (4,4 libras) gerou uma bola de fogo com temperatura superior a 1.000 graus Celsius (1.832 graus Fahrenheit) por mais de dois segundos — 15 vezes mais tempo do que explosões equivalentes de TNT — sem usar nenhum material nuclear. Desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa 705 da Corporação Estatal de Construção Naval da China, o dispositivo utilizou um material de armazenamento de hidrogênio em estado sólido à base de magnésio, conhecido como hidreto de magnésio, que armazena consideravelmente mais hidrogênio do que um tanque pressurizado. Esse composto foi ativado por explosivos convencionais e submetido a rápida decomposição térmica, liberando gás hidrogênio que se inflamou em um inferno contínuo. A China é o único país capaz de produzir hidreto de magnésio em grandes quantidades, com uma produção de mais de 150 toneladas por ano considerada possível. Este tipo de bomba seria ideal para tarefas como negação de área, tornando as áreas impactadas quentes demais para serem ocupadas por um tempo, além de paralisar serviços essenciais ao atingir usinas de energia ou centros de comunicação, ou atingir um conjunto específico de equipamentos ou pessoal sem destruir uma região inteira. A arma poderia ser usada para incendiar estruturas defensivas ou destruir objetos, como enxames de drones. Também poderia ter aplicações potenciais como fonte de combustível para submarinos ou navios. E como ela não usa materiais nucleares nem envolve nenhuma reação nuclear, não está sujeita às restrições definidas nos tratados nucleares internacionais.

Porque os EUA não estão preparados para uma guerra em grande escala e de longo prazo

Desde 2018, o Departamento de Defesa dos EUA tem se concentrado principalmente em uma possível guerra futura com a China. Algumas análises sugerem que tal guerra terminaria relativamente rápido (embora a um alto custo), enquanto outras são muito mais pessimistas e acreditam que ela poderia durar vários anos ou mais. Uma gama tão ampla de incertezas por si só tornaria prudente para os militares dos EUA planejarem a possibilidade de uma guerra prolongada. Mas, como a China, a Rússia, a Coreia do Norte e até mesmo o Irã, que cooperam cada vez mais, uma futura guerra contra um deles poderia rapidamente evoluir para uma guerra contra alguns ou todos eles. De fato, o recente relatório da Comissão sobre a Estratégia de Defesa Nacional alertou claramente que há uma “alta probabilidade de que a próxima guerra seja travada em vários teatros, envolva vários adversários e provavelmente não seja concluída rapidamente”.

Os planejadores de defesa dos EUA, sem surpresa, sentem-se mais confortáveis ​​com a dinâmica de guerras curtas e intensas, tendo passado a última década focados em dissuadir ou derrotar fatos consumados do adversário, campanhas de agressão curtas e frequentemente oportunistas. Velocidade, sofisticação política e superação militar imediata pareciam ser os ingredientes-chave para a vitória. Guerras de atrito prolongadas, particularmente aquelas envolvendo os Estados Unidos, eram consideradas impossíveis. A subsequente invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 inverteu essa visão, demonstrando as consequências militares e políticas de tentar e não obter um fato consumado semelhante em maior escala.

O Tenente-General David W. Barno, do Exército dos EUA (aposentado) e a Dra. Nora Bensahel, professores na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, apontam que a força de mobilização dos EUA hoje, composta apenas por voluntários, quase certamente permaneceria pequena demais para uma guerra prolongada, mesmo após a ativação das reservas. A doutrina do Exército dos EUA pressupõe que uma grande guerra em um teatro de operações causaria 24.000 baixas por mês. Em uma guerra com a China por Taiwan, uma série recente de jogos de guerra não classificados descobriu que milhares de militares americanos e aliados seriam perdidos nas primeiras semanas de um conflito. Perdas acentuadas de aeronaves significam que muitos pilotos substitutos seriam necessários rapidamente. Em terra, a crescente vulnerabilidade das forças terrestres desdobradas exigiria que o Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais fornecessem um grande número de substitutos individuais e regenerassem unidades ineficazes em combate. E quanto mais a guerra durasse, mais baixas precisariam ser substituídas. Baixas pesadas, são algo que os militares dos EUA não enfrentam há décadas. Em uma guerra global prolongada contra múltiplos adversários, o fato de as Forças Armadas dos EUA terem sido dimensionadas para lutar uma única guerra significa que elas podem precisar expandir seu efetivo em centenas de milhares, senão milhões, de pessoas. Isso seria especialmente verdadeiro para as forças que lutam em terra — o Exército, o Corpo de Fuzileiros Navais e a maioria das forças de operações especiais — porque a terra provavelmente seria o domínio principal em um ou mais teatros de conflito, como Europa, Coreia ou Oriente Médio. E se a China fosse um dos adversários, o Exército ainda teria que fornecer apoio para a força conjunta no Pacífico enquanto luta em terra contra adversários como Rússia, Irã ou Coreia do Norte. Seria profundamente subdimensionado para lutar contra dois grandes adversários terrestres simultaneamente.

Além disso, ao contrário de qualquer um de seus potenciais adversários, os Estados Unidos terão que percorrer longas distâncias para chegar à próxima guerra. Simplesmente chegar à luta será difícil, pois adversários inteligentes e capazes tentarão atrapalhar os esforços de projeção de poder dos EUA o máximo possível. Mas, em uma guerra prolongada, continuar a sustentar as forças americanas por longos períodos pode ser um desafio tão grande quanto vencer batalhas na linha de frente. As ameaças ao oleoduto logístico dos EUA, que começaria nos Estados Unidos e se estenderia por milhares de quilômetros até a zona de combate, estão se multiplicando e se tornando mais complexas. Essas ameaças começam em casa, onde a maioria dos suprimentos e equipamentos militares inicia sua longa jornada. Esses suprimentos frequentemente viajam em ferrovias comerciais e redes de tráfego civil , o que seria altamente vulnerável à espionagem cibernética e aos ataques adversários. As forças armadas também dependeriam de grandes empresas comerciais para enviar grande parte de seus equipamentos pesados ​​e suprimentos para o exterior, mas essas empresas não têm a capacidade de ocultar, muito menos proteger, suas cargas da ação inimiga enquanto estão no porto ou ao longo do caminho. E as forças armadas hoje têm pouquíssimos navios de guerra e aviões para poderem lutar efetivamente e, simultaneamente, escoltar navios de carga comerciais desprotegidos e aviões de transporte por milhares de quilômetros de mar e espaço aéreo até seus destinos.

Para piorar a situação, existem limites da base industrial de defesa dos EUA que atualmente não tem capacidade para suportar operações de combate em larga escala por um período prolongado. Isso inclui a substituição de munições usadas, a reconstituição de plataformas militares perdidas e a ampliação da produção de novas capacidades. Grandes guerras devoram enormes quantidades de munição, sistemas de armas e outros materiais. Os gastos com artilharia dos militares dos EUA e seus aliados em qualquer grande guerra podem rapidamente ofuscar essa quantidade. E isso é apenas uma única munição. Qualquer conflito de grande porte consumiria enormes quantidades de projéteis de artilharia e tanques, bombas inteligentes e mísseis de defesa aérea — e também causaria perdas consideráveis ​​de tanques, navios e aviões de guerra. Essas perdas, totalmente previsíveis em uma guerra prolongada dos EUA, gerariam enormes demandas sobre a base industrial de defesa, que ela simplesmente não seria capaz de absorver. Quanto mais tempo levar para revitalizar a base industrial de defesa, menor será a probabilidade de os Estados Unidos terem o material necessário para travar uma guerra prolongada.

John Mauk, coronel aposentado do Exército e ex-professor da Escola de Guerra do Exército dos EUA, aponta que uma guerra mundial prejudicaria severamente as duas maiores economias do mundo, sem mencionar todas as outras. Politicamente, um Partido Comunista Chinês focado em manter seu poder doméstico, bem como em ascender ao status de grande potência, pode racionalizar que precisa agir com força para atingir seus objetivos. Qualquer guerra de atrito de alta intensidade resultante sobre Taiwan, a menos que haja uma troca nuclear, sem dúvida favorecerá a China. Por quê? A estratégia militar dos EUA para combater a China não pode ser sustentada. Jogos de guerra indicam que os Estados Unidos perderão poder de combate significativo rapidamente. As forças militares dos EUA são muito pequenas, suas linhas de suprimento são muito vulneráveis ​​e a capacidade industrial de defesa dos EUA está muito erodida para atender às demandas materiais de um conflito de alta intensidade. Outro fator crítico que prejudica a capacidade dos EUA de sustentar uma guerra é a falta de resiliência dos americanos para lutar um conflito brutal e sustentado. Uma guerra com a China exigiria que um número muito maior de americanos servisse nas Forças Armadas ou as apoiasse diretamente de alguma forma — algo que eles estão cada vez menos dispostos a fazer. Os atuais desafios de recrutamento enfatizam esse crescente problema de segurança nacional.

Em sua visão, a China é hoje o que os Estados Unidos costumavam ser, em termos de poder econômico e capacidade industrial. Ao contrário da União Soviética, os Estados Unidos e a maioria das nações ocidentais dependem economicamente da China. A China construiu a capacidade de sustentar uma guerra prolongada de qualquer tipo. Mais diretamente, a China está bem posicionada para sustentar uma guerra de atrito prolongada e de alta intensidade. Os Estados Unidos não são atualmente capazes de fazê-lo. Esses pontos fortes, somados ao enorme tamanho do poderio militar chinês, são bastante convincentes, mas a China também possui outras vantagens importantes. Por exemplo, a pesquisa e o desenvolvimento chineses rapidamente se tornaram os melhores do mundo. De fato, a pesquisa chinesa agora é de maior qualidade e mais citada do que a pesquisa americana. As principais vantagens tecnológicas dos EUA estão diminuindo rapidamente e os Estados Unidos podem em breve ficar atrás da China em computação avançada e outras tecnologias emergentes importantes.    

Mauk acredita que, de fato, os Estados Unidos não têm capacidade para atender às demandas de substituição de qualquer força militar capaz de derrotar a China, no prazo reduzido que deveriam ter para fazê-lo. Por exemplo, os Estados Unidos costumavam ser os líderes mundiais em exportação de aço. Hoje, são o maior importador de aço do mundo, dependentes de terceiros para um dos componentes fundamentais do equipamento militar. Enquanto isso, a produção chinesa é quase o dobro da produção americana. A China também tem buscado controlar grande parte do mercado de minerais de terras raras, de vital importância para a capacidade dos EUA de construir e sustentar sistemas militares, tecnologia da informação e todos os tipos de outros produtos essenciais. Esses fatos são indicadores de que os americanos podem simplesmente ter que se acostumar à cidadania dentro de uma potência em declínio, como muitos agora caracterizam os Estados Unidos.

Referências

John Mauk, “Facts are Stubborn Things: The Dangers of a Protracted War with China”, US Army War College, 27 de abril de 2023, https://warroom.armywarcollege.edu/articles/stubborn-things/

David Barno e Nora Bensahel, “A América não está preparada para uma guerra prolongada”, War on the Rocks, 4 de dezembro de 2024, https://warontherocks.com/2024/12/america-is-not-prepared-for-a-protracted-war/

Fernando Marcelino é analista internacional, doutor em sociologia na UFPR e militante do MPM – movimento Popular por Moradia

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 05/06/2025