Repentinamente, do acaso, as agências do governo dos Estados Unidos começaram a repetir o nome “Tren de Aragua” como se esta fosse a nova al-Qaeda. Em janeiro de 2025, a Casa Branca classificou o Tren de Aragua com uma “organização terrorista estrangeira” e, em março, a administração do presidente dos EUA, Donald Trump, invocou a Alien Enemies Act [Lei dos Inimigos Estrangeiros] (1789) para alertar contra a “invasão dos Estados Unidos pelo Tren de Aragua”. O Departamento de Estado dos EUA, em fevereiro de 2025, declarou que o Tren de Aragua era um cartel de drogas internacional comparável a cartéis já reconhecidos, como os cartéis mexicanos Las Zetas (agora Cártel del Noreste), Sinaloa e Jalisco, bem como o Mara Salvatrucha (MS-13) que se formou em Los Angeles (EUA) e que agora se estabeleceu em El Salvador graças a uma política de deportação dos EUA que já dura uma década. Ao contrário do Tren de Aragua, esses outros cartéis são bem conhecidos e seu trabalho tem sido frequentemente documentado pela Drug Enforcement Agency (DEA) [Agência de Combate às Drogas] dos EUA.
O mais recente relatório do DEA de 2025 confirma diversos fatos sobre os cartéis de drogas que traficam uma vasta quantidade de drogas (de cocaína até fentanil) para os Estados Unidos. Certamente existem longas seções sobre as gangues mexicanas e salvadorenhas, que têm raízes profundas no tráfico de drogas. Desde 2019, o DEA e outras agências têm rastreado o movimento de drogas letais transportadas através do Caribe e da América Central até a rota do Oceano Pacífico. As drogas deixam os portos de Guayaquil (Peru), Esmeraldas (Equador) e Buenaventura (Colômbia) para portos como o Puerto Escondido (México) antes de serem transportadas para o mercado dos EUA. Mais de 80% das drogas letais seguem por esta costa do Pacífico, conforme o Relatório Mundial de Drogas de 2025 das Nações Unidas, enquanto apenas pouco mais de 10% atravessam o Mar do Caribe.
Então, o que o Tren de Aragua tem a ver com isso, já que é uma gangue prisional criada no interior da prisão de Tocorón, na região central da Venezuela (cerca de 150 quilômetros de Caracas)? A gangue foi criada em 2012 por Héctor Rushtenford “Niño” Guerrero Flores (um criminoso convicto que escapou da prisão em 2023 e não foi visto desde então). A gangue de Niño Guerrero, o Tren de Aragua, é acusada de obter vantagem da migração da Venezuela para construir sua rede nos Estados Unidos e em outros lugares da América Latina e expandir suas oportunidades de tráfico por meio dessa rede migratória. No entanto, é mais do que provável que a rede atual não exista, mas os antigos membros do Tren de Aragua se consolidaram como conexões de atividade criminosa em diferentes lugares. Guerrero é procurado na Venezuela e tem um alerta de migração para o Chile, onde se acredita que se refugiou entre os meio milhão de venezuelanos que vivem no sul do país. O governo dos Estados Unidos colocou o Tren de Aragua e Guerrero na mira, oferecendo uma recompensa de 12 milhões de dólares pela sua prisão. Mas Guerrero continua desaparecido.
Um cartel fabricado
Como o governo dos Estados Unidos foram de uma preocupação legítima com a entrada de drogas no país para o envio de sete navios de guerra estadunidenses e um submarino de potência nuclear, a fim de cercar a Venezuela para uma “operação antidrogas reforçada”? Como esses navios de guerra, que estão logo após a fronteira marítima venezuelana, poderão fazer algo para capturar Guerrero, barrar o Tren de Aragua ou impedir que os cartéis de transportarem drogas para os Estados Unidos? É muito provável que Guerrero não esteja na Venezuela, já que sua gangue opera em toda a América Latina e nos Estados Unidos, e a maior parte das drogas é transportada pelo Oceano Pacífico e não pelo Mar do Caribe. Então, o que esses navios de guerra estão fazendo na costa da Venezuela, mesmo que os EUA afirmem que estão em uma “missão anticartel”?
Em abril de 2025, os Estados Unidos aumentaram a recompensa para a prisão do Presidente Venezuelano Nicolás Maduro de 25 milhões para 50 milhões de dólares. A razão apresentada para esta recompensa elevada é que os EUA acusam Maduro de ser o líder do Cartel de los Soles. O termo foi inicialmente usado em 1993 para descrever a atividade de alguns oficiais militares de alta patente e oficiais antinarcóticos no tráfico de drogas. Isso aconteceu muito antes da chegada de Hugo Chávez no palácio presidencial em 1999. O termo foi empregado devido ao símbolo solar presente nos uniformes dos oficiais de alta patente do exército venezuelano.
Não existia cartel, na realidade. Após a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez em 2013, muitos jornalistas venezuelanos exilados escreveram livros retomando a observação de Marcano sobre os “sóis”, mas agora argumentando que havia um cartel organizado e não apenas alguns oficiais corruptos. Entre esses livros, destaca-se Chavismo, Narcotráfico y Militares (2014), de Héctor Landaeta, e Bumerán Chávez: Los fraudes que llevaron al colapso de Venezuela (2015), de Emili J. Blasco. Mas Landaesta disse ao Miami Herald em 2015 que “o Cartel de los Soles é mais um fenômeno do que um grupo organizado”. No entanto, em julho de 2025, o Departamento do Tesouro dos EUA designou o grupo como “Terrorista Global Especialmente Designado”. Entre a admissão de Landaesta em 2015 e agora, havia quase silêncio nos documentos públicos dos EUA sobre o Cartel de los Soles, que foi inventada (embora Trump tenha usado uma falsa acusação de tráfico de drogas contra Maduro em 2020). Não existe qualquer indício de relação entre esse “cartel” e o Tren de Aragua, que é, em si, um termo mais vago, nada parecido com os grandes cartéis colombianos e mexicanos, que têm linhas verticais de organização.
O enorme reforço militar ao longo da costa da Venezuela, o aumento da recompensa pela prisão de Maduro e a acusação de que o governo venezuelano está ligado ao Tren de Aragua fornecem a base para uma intervenção militar clássica contra a Venezuela em nome da Guerra contra as Drogas. A ideia do Cartel de los Soles está funcionando como as Armas de Destruição em Massa no Iraque entre 2002 e 2003, com a administração dos EUA desesperada por encontrar o casus belli (motivo para a guerra) que, de outra forma, simplesmente não existe.
Traduzido de The United States Uses a Fabricated Drug Charge for a Potential Strike on Venezuela, por Paulo Duque, do Esquerda Online.