Os principais relatórios sobre o estado da democracia no mundo em 2024 foram divulgados. A revista The Economist, a Freedom House e a V-Dem são organizações amplamente reconhecidas por monitorar a situação democrática global — uma prática que se consolidou ao longo do tempo, especialmente após a terceira onda de democratização.

As notícias para a democracia global, como na maior parte dos últimos 20 anos, não são boas. A V-Dem observou os índices dos últimos anos e percebeu uma tendência de piora: mais países estão em processo de autocratização do que de democratização. A democracia liberal se tornou o tipo de regime menos comum — apenas 29 regimes se enquadram nesse critério em 2024.

A Freedom House mede o nível de liberdade nos regimes ao redor do mundo. Pelo 19º ano consecutivo, o índice geral de liberdade caiu. Assim como apontado pela V-Dem, a violência foi um fator preocupante nas eleições globais, afetando 27 dos 66 territórios onde houve pleitos. Além disso, entre as liberdades civis, a liberdade de expressão foi a que mais sofreu retrocessos.

no Democracy Index da Economist, o índice global caiu de 5.23 em 2023 para 5.17 em 2024. Os componentes que apresentaram as maiores quedas foram o funcionamento do governo e o processo eleitoral e pluralismo. Essa queda é especialmente preocupante em um ano marcado por eleições ao redor do mundo. Apesar do grande volume de eleições, os dados indicam que não houve uma melhoria sistemática na qualidade dos regimes, e a violência política seguiu como um agravante nos contextos eleitorais.

Diante desse cenário, percebe-se que os indicadores da democracia global continuam negativos. Elementos fundamentais, como eleições justas e a garantia de direitos e liberdades civis — especialmente a liberdade de expressão — têm sido severamente impactados, tendência já observada nos índices de 2023.

Mas e a democracia brasileira? O país nunca foi classificado como uma democracia plena pelo Democracy Index, nem como uma democracia liberal pela V-Dem, embora seja considerado um país livre pela Freedom House.

Os rótulos de democracia falha e democracia eleitoral acompanham o Brasil desde que esses índices começaram a ser medidos. Isso indica que o país enfrenta dificuldades na consolidação do regime, especialmente no avanço de indicadores como qualidade da participação política e cultura política. Ao mesmo tempo, demonstra certa estabilidade: desde a redemocratização, eleições periódicas ocorrem, e direitos e liberdades civis estão presentes — ainda que possam sofrer retrocessos pontuais, como no caso da liberdade de imprensa.

No caso da V-Dem, o Brasil foi apontado como um case de sucesso no relatório referente a 2023. Segundo a organização, o país reverteu um processo de autocratização e retomou a democratização após as eleições de 2022. Apesar da melhora apontada, a democracia brasileira continua classificada como eleitoral, o que indica que há desafios significativos a serem superados.

Já o Democracy Index registrou uma queda acentuada na pontuação do Brasil em 2024, levando o país a perder seis posições no ranking global e ocupar o 57º lugar. O relatório atribui essa piora ao avanço da polarização e ao aumento da violência política.

Além disso, uma das maiores preocupações globais tem sido a crise de representatividade, e o Brasil não é exceção. A população confia cada vez menos nas instituições e na capacidade da democracia de entregar resultados concretos, especialmente no campo econômico e social. O Democracy Index aponta que essa desconexão entre representantes e representados está fortemente associada à percepção de corrupção. No caso do Brasil, o índice da Transparência Internacional indica que o Brasil atingiu a pior nota histórica da série em 2024.

Diante desse cenário, observa-se uma tendência global de desencanto com a democracia. No caso brasileiro, os desafios enfrentados não são recentes e vão muito além de governos específicos — estão enraizados na ausência de uma cultura ancorada em verdadeiros valores democráticos. Essa cultura é essencial para fortalecer a participação política, o associativismo e as instituições.

Sem mudanças nos métodos, dificilmente veremos transformações substanciais na democracia brasileira. Apenas uma educação voltada para a democracia pode atuar nas raízes culturais do problema, promovendo mudanças tanto nos cidadãos quanto no sistema político como um todo.

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Last Update: 23/03/2025