A ofensiva da direita contra as mulheres voltou a tomar conta dos debates nacionais no mês de julho, após a tentativa dos parlamentares da extrema direita de equipararem o aborto ao homicídio, caso realizado após 22 semanas, mesmo em caso de estupro. Algo que chama atenção e é notado por amplos setores da esquerda, é a hipocrisia da cúpula bolsonarista, que se mobiliza com intenso fervor para atacar as mulheres e impedi-las de ter direito sobre o próprio corpo, dizendo-se “pró-vida”, ao mesmo tempo em que defendem o inferno para a imensa massa de trabalhadores pobres.
Um exemplo vem do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), que participou de um evento do PL Jovem em Goiânia no último dia 10 de julho e aproveitou os holofotes para retomar a defesa da manutenção do aborto como crime. “Uma vez falaram a uma mulher para fazer um aborto, mas ela acabou desistindo dessa ideia. Essa mulher era a minha avó e o bebê era minha mãe. Então se ela tivesse tomado essa decisão eu não existiria”, disse, presumivelmente, com a intenção de sensibilizar pessoas. Tanto ardor na defesa dos fetos, no entanto, não se verifica pelas pessoas, as que uma vez nascidas, estão efetivamente vivas.
Tanto é assim que no começo do ano, ao órgão bolsonarista Gazeta do Povo, o deputado usou um caso ocorrido em Belo Horizonte, em que um PM foi morto por um detento que não retornou para a cadeia após o término do prazo da saída temporária, para defender o fim do direito da população carcerária. Eis as palavras de Ferreira:
“Em Minas, dos mais de 4.000 detentos que receberam o direito de deixar temporariamente a unidade prisional durante as festas de fim de ano, 118 não retornaram após o fim do prazo estipulado. Um belo presente de natal para os mineiros. Se um desses voltar a cometer algum crime, considerando que a situação envolvendo o sargento Roger não foi isolada, alguns ainda terão a audácia de tentar justificar com o argumento de que é ‘fruto da desigualdade social’” (“A ‘saidinha’, matou mais um inocente”, 12/1/2024).
Para qualquer um que tenha passado por perto de uma unidade prisional, o espantoso não é que 118 não retornaram às filiais do inferno na Terra que são as masmorras brasileiras, mas que 3.882 (97,05%) tenham retornado. Nem a situação dos presídios brasileiros, abaixo de qualquer padrão de humanidade, nem o esmagamento dos que voltam, no entanto, sensibiliza Nikolas Ferreira tanto quanto um feto.
Deixando claro o caráter seletivo de sua suposta humanidade, no mesmo artigo, o deputado mineiro acrescenta: “ao contrário dos que adoram defender marginais, o PM não estará em casa hoje.” Naturalmente, Nikolas Ferreira não é o único, mas expressou nesse caso, a hipocrisia de todo um campo político que se dedica usar de incontáveis artifícios demagógicos, não para defender a vida como sugerem, mas o massacre da maioria dos que vivem, os setores majoritários e mais oprimidos da população pobre e trabalhadora.
O mesmo órgão, destaca, em matéria de 2020, a defesa de empecilhos burocráticos para a realização do aborto em um dos poucos casos em que as leis fascistas do País permitem a mulher a realizá-lo. Ainda, defendem ninguém menos que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, na época, em campanha para dificultar a vida das mulheres que precisassem do:
“Contrapondo-se ao ativismo judicial do Supremo e à paralisação da pauta pró-vida no Congresso, Bolsonaro afirmou em 23 de abril, diante do Palácio da Alvorada, que ‘enquanto eu for presidente, não haverá aborto’. Mas há, sim, abortos ocorrendo à luz do dia, financiados com dinheiro do contribuinte e seguindo orientações emanadas do próprio poder público”. (“O compromisso pró-vida do governo: do discurso à ação”, 3/5/2020).
Bolsonaro, não custa lembrar, notabilizou-se por defender tortura, assassinatos de opositores em massa e que, durante a pandemia, deixou a parcela mais pobre da população brasileira totalmente desamparada, fazendo com que estimativas sabidamente manipuladas para baixo, mais de 700 mil brasileiros fossem mortos. Eis, concretamente, a preocupação com a vida por parte de Bolsonaro e seu grupo.
O mais destacado deles atualmente, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos), vem se notabilizando por turbinar as chacinas pela polícia paulista, ao mesmo tempo em que tem em sua Secretaria de Políticas para a Mulher, a “cristã e pró-vida” Sonaira Fernandes, que tampouco, demonstra qualquer apreço ao cristianismo ou a vida compondo um governo como o de Freitas.
Em entrevista ao Gazeta do Povo, Fernandes descreve um dos pilares de sua secretaria: “quando você traz a questão da defesa da vida e das irregularidades que existem, a gente quer cuidar dessas mulheres e do nascituro.” (“Os planos da secretária Sonaira Fernandes, cristã e pró-vida, para a mulher em SP”, Luisa Purchio, 22/3/2023).
O “cuidado com o nascituro” não passa de um golpe. Se qualquer um dos articuladores da política eufemisticamente chamados de “pró-vida” tivessem qualquer preocupação séria com a vida, seriam os primeiros a repudiar a violência generalizada do Estado contra a população. Fazem tudo isso e muito pior porque a defesa do “nascituro” é um meio de aumentar a opressão contra metade da classe trabalhadora e recrudescer o regime de terror do Estado contra o povo. Não passam, portanto, de demagogos.