Os bacanas das praias
por Heraldo Campos
É aquele vai e vem. E sempre para pior. Entra ano e sai ano parece que as coisas se deterioram, ainda mais, nas praias. Muitas delas, que não comportam o grande fluxo de turistas, principalmente nas festas de final de ano e nas temporadas de verão, acabam sofrendo com a falta de água tratada nas casas, nos condomínios e nos estabelecimentos comerciais, além de outros desconfortos urbanos, como o relaxo com a coleta de lixo e a organização do trânsito para a movimentação de veículos que aumenta de forma assustadora.
Hoje muito tem se falado em mudanças climáticas, em escala global. Mas e na escala local, nos territórios das cidades litorâneas, o que tem sido realizado, ou melhor dizendo, o que não tem sido feito para a qualidade de vida das pessoas que vivem bem próximas do Oceano Atlântico que é, praticamente, o seu quintal natural?
Perto de um ano atrás constatava-se, com certa frequência, “(…) restos de folhas e de galhos de árvores associado ao lixo urbano variado, composto de pneus, calotas de automóveis, garrafas pet, latas de cerveja, sacos plásticos, entre outros materiais, que podem ter sido muito bem lançados diretamente na praia pelas pessoas ou nas suas proximidades, ou jogados no Rio Grande, por exemplo, localizado na parte central da cidade de Ubatuba, e terminando com a “devolução” pelo próprio mar, para formar um cordão de resíduos, no decorrer das suas variações de níveis de marés.
Com as chuvas intensas de verão, o volume desse tipo de material tende a aumentar provocando o entulhamento das calhas dos rios sejam eles de pequeno porte ou de grande porte, aumentando, sensivelmente, o risco para as inundações e os alagamentos urbanos. Vários bairros de munícipios do Litoral Norte do Estado de São Paulo sofrem com esse tipo de transtorno há décadas. A impermeabilização do solo pelo asfalto viário, o avanço de condomínios residenciais em áreas da orla marítima que não deveriam ser ocupadas, a ausência de sistema de drenagem urbana compatível com o volume de água de chuvas excepcionais, são alguns dos fatores que colaboram com esse tipo de situação, fazendo com que muitas praias acabem indo para o beleléu.
A pergunta que fica é: será que estamos num ponto sem volta e o conformismo nos leva a ter que conviver com esse tipo problema recorrente, consolidando um triste retrato 3×4 de várias cidades litorâneas brasileiras?” [1]
A administração pública, muitas vezes propulsionada pela especulação imobiliária, pode ser a uma das principais responsáveis pela desordem ambiental. Em outras palavras, arriscamos dizer que os “territórios” de vários municípios litorâneos vem sendo mal preparados, há tempos, para que as mudanças climáticas atuem num espaço que vem sendo detonado por políticas locais, mesquinhas, e destinadas para atender os interesses de poucos previlegiados, os bacanas das praias.
Ainda nesse contexto, não faz muito tempo, na desembocadura do citado Rio Grande, acrescenta-se que “(…) vi de cima da ponte que liga a parte central da cidade ao acesso para a Praia do Perequê Açu, uma tartaruga nadando de braçada. A “tonta” da tartaruga, coitada, que estava tendo que driblar manchas de óleo, plásticos, pneus, entre outras tranqueiras, decerto, a desatenta nadadora, não deve ter observado a bandeira vermelha do órgão ambiental estadual que, por semanas, vinha indicando que a água do mar desse trecho de praia estava poluída.” [2]
Assim, para encerrar, nada melhor do que a frase “pensar globalmente, agir localmente”, do sociólogo alemão Ulrich Beck, que muito se aplica nesse cenário visível, no dia a dia, de várias cidades do extenso e mal tratado litoral brasileiro.
Fontes
[1] “Praias indo pro beleléu” artigo de 31/01/2024https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/01/praias-indo-pro-beleleu.html
[2] “Tartaruga nadando de braçada” artigo de 03/05/2024https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2024/05/tartaruga-nadando-de-bracada.html
Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
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