“Caso Arquivado: Os Assassinatos do Tylenol” está atualmente no topo das séries mais vistas do streaming no mundo. O ano era 1982. Na cidade de Chicago, sete pessoas morreram de forma repentina após tomarem cápsulas de Tylenol extra forte. Mary Kellerman, de apenas 12 anos, foi a primeira vítima. Além de terem tomado o mesmo remédio, havia um outro ponto em comum: todas tinham tomado cápsulas do mesmo lote do medicamento. Diagnóstico: envenenamento por cianeto.
O documentário que pode ser visto na Netflix apresenta uma narrativa envolvente e profundamente investigativa, expondo um dos maiores escândalos da indústria farmacêutica norte-americana. Com uma abordagem detalhada, o filme consegue conduzir o espectador através de uma intrigante combinação de suspense, dúvidas e acusações que marcaram um período sombrio na história do consumo de medicamentos.
A produção evidencia a gravidade do caso, ao retratar como a crise desencadeada pelo envenenamento por cianeto levou ao medo generalizado e a uma resposta coletiva de mobilização e investigação. As mortes geraram um pânico nacional nos Estados Unidos, que, na época, ainda não tinham respostas concretas para o que causara as mortes.
Essa situação de vulnerabilidade expôs a fragilidade do sistema de controle de qualidade das empresas e a falta de transparência diante de uma tragédia de proporções tão alarmantes. A narrativa consegue transmitir com sensibilidade a dor das famílias afetadas, bem como a angústia social do momento.
A tentativa da Johnson & Johnson, responsável pelo Tylenol, oferecer uma saída para a crise foi colocada na mira do documentário, ilustrando uma estratégia que envolvia divulgar a possibilidade de sabotagem externa por um psicopata. Essa hipótese, embora plausível, serviu de escudo para a fabricante evitar assumir responsabilidades. A companhia tentou manipular a opinião pública, minimizando os próprios efeitos de suas ações ou falhas, e, potencialmente, desviando o foco de suas possíveis negligências no controle da produção.
Os acusados e investigados considerados “responsáveis pelo caso” foram presos, mas os julgamentos permanecem inconclusivos. Essa parte do documentário aponta para uma justiça que foi lenta e incapaz de responsabilizar verdadeiramente os culpados.
A sensação de impunidade perpetuou a dúvida sobre se o verdadeiro responsável foi descoberto ou se há interesses invisíveis que impediram uma condenação efetiva. Essa ausência de um desfecho claro alimenta a sensação de injustiça e reforça a questão da impunidade diante de um desastre que poderia ter sido evitado.
O comportamento da Johnson & Johnson também é amplamente criticado, pois a companhia sempre se esquivou de suas responsabilidades como fabricante. A resistência em admitir o próprio papel na tragédia e as iniciativas de fazer acordos milionários com as famílias parecem mais uma tentativa de esconder o escândalo e minimizar seus danos do que uma postura de transparência ou responsabilização. Essa atitude revela uma cultura corporativa marcada pela negligência e pelo desejo de preservar a imagem da empresa a qualquer custo.

A produção é bastante bem amarrada, com uma abordagem investigativa que mantém o espectador atento a cada detalhe revelado. Os depoimentos, as imagens de arquivo e as análises aprofundadas contribuem para uma narrativa que não apenas informa, mas também provoca reflexão sobre os limites éticos da indústria farmacêutica e a necessidade de maior fiscalização. Um episódio trágico vira um debate amplo, cobrando responsabilidade de todos os envolvidos.
Até hoje, a Johnson & Johnson não assumiu oficialmente suas responsabilidades pelas mortes ocasionadas pelo envenenamento. Seus acordos milionários com as famílias parecem uma tentativa de silenciar as denúncias e esconder o escândalo de forma definitiva.
O documentário deixa claro que, apesar de esforços para minimizar o impacto, a sombra do caso permanece viva, refletindo uma leitura amarga sobre a fragilidade das regulações e os perigos da negligência corporativa. “Os Assassinos do Tylenol” é uma obra importante que denuncia um episódio sombrio da indústria de remédios, nos convidando a refletir sobre ética, responsabilidade e justiça, escancarando de maneira gritante o poder político e econômico de uma indústria que sobrevive e se multiplica em escala geométrica às custas da dor humana, produzindo lucros colossais.