Os Adélios nunca acertam, por Luís Felipe Miguel
Quando as notícias do atentado contra Trump chegaram, começaram a surgir teorias da conspiração em perfis de muita gente da esquerda.
Os tiros na Pensilvânia seriam tão fakes quanto a facada em Juiz de Fora. A pose heroica do candidato após os disparos, com sangue (ou seria suco de tomate?) escorrendo pelo rosto, provava que era encenação. O público ficou calmo demais, eram todos figurantes.
Não faltou quem lançasse na hora o prognóstico de que o atirador seria identificado como muçulmano ou latino, para reforçar o discurso xenófobo de Trump.
A comparação no automático com o atentado contra Bolsonaro diz menos sobre os casos em si e mais sobre a mentalidade de parte da militância da esquerda. Sim, teorias conspiratórias não são privilégio da direita.
Vejamos o caso de Juiz de Fora. Como dizia Carl Sagan, “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. E, por mais que existam coincidências curiosas, as evidências extraordinárias que sinalizariam uma conspiração envolvendo várias dezenas de pessoas nunca apareceram. Mesmo um documentário, que causou burburinho quando foi lançado, que pretensamente desmascararia a trama, não faz mais que alinhavar boatos, muitos deles bem fajutos.
A turma de Bolsonaro deixa rastro em tudo, como se vê no caso das joias. E já brigou, já se cindiu, muitas vezes desde lá. E nunca surgiu nem uma única provinha de que tudo foi armação em Juiz de Fora? Temos que continuar buscando pontas soltas e criando narrativas mirabolantes para uni-las?
Enfim: a conspiração parece explicar tudo. Mas a realidade é mais complexa, tumultuada, sem lógica.
Na Pensilvânia, já foi identificado o atirador: um jovem branco, nome e pinta de WASP, eleitor registrado do Partido Republicano (mas que aparentemente fez contribuições para a campanha democrata quando adolescente), fanático por armas. Uma combinação estranha, mas, decididamente, nada de muçulmano ou latino.
E uma armação em que o atirador acaba morto é, convenhamos, bem difícil de engolir. Será que existem kamikazes com tanto amor ao trumpismo? E se fosse um inocente útil, não haveria o risco de conseguir, de fato, matar o candidato?
Tudo aponta para a ação isolada de um desequilibrado mental.
Tal como Adélio. Tal como o responsável pelo atentado político mais famoso dos últimos cem anos, Lee Oswald.
John Hinckley – alguém lembra dele? – atirou contra Ronald Reagan em 1981 com o objetivo de chamar a atenção da atriz Jodie Foster, na época ainda adolescente, por quem era apaixonado.
Qualquer hipótese diferente da ação de um desequilibrado, à luz das evidências disponíveis, é mirabolante – seja uma armação trumpista, seja um complô democrata, como os bolsonaristas insinuam.
Não vou dizer que o assassinato de adversários políticos esteja fora de moda. Estão aí os governos dos Estados Unidos, de Israel e da Rússia, que lançam mão contra desafetos externos ou domésticos.
Mas em geral se trata de uma má ideia. Adélio falhou, Crooks (o atirador da Pensilvânia) também. Se tivessem tido êxito, não melhorariam em nada a situação. A extrema-direita, infelizmente, não se resume a um líder.
E o resultado líquido é fácil de adivinhar. Se Biden, debilitado e com indícios de senilidade, era uma aposta ruim contra um charlatão amoral, contra um quase-mártir é pior ainda.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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