Renata França, da Secretaria LGBTI do PSTU
Neste final de semana, as cores da nossa resistência tomaram as ruas de dezenas de cidades ao redor do mundo. O Dia do Orgulho LGBTI+ deste ano não foi apenas festa — foi grito, foi denúncia, foi levante. Numa época em que a extrema-direita finca suas garras nos direitos democráticos e o ódio se espalha como praga, nossas existências insurgentes desafiaram os governos, o avanço das medidas reacionárias e o aumento da violência machista e LGBTIfóbica.
Em países como Brasil, México e Colômbia, feminicídios e assassinatos LGBTI+ seguem em números estarrecedores. Mas os ataques à nossa dignidade não vêm só dos setores mais brutais da direita. No Reino Unido, o Supremo Tribunal excluiu mulheres trans da Lei de Igualdade, reafirmando a falácia biológica como dogma legal. Já no Brasil, o governo Lula engavetou políticas de saúde voltadas para a população trans e cedeu, mais uma vez, às chantagens da bancada fundamentalista e de direita. Em troca de “governabilidade”, governos ditos progressistas seguem rifando nossas vidas.
É hora de Stonewall de novo
Em Nova York, onde nossas ancestrais negras, trans e travestis colocaram a polícia para correr em 1969, o lema da marcha foi direto: “Levante-se: Orgulho em Protesto”. Diante da volta de Trump e seus ataques como a exclusão de programas de diversidade e a proibição das pessoas trans nas forças armadas e no esporte, buscando apagar nossos corpos da política, da cultura e das escolas, o povo queer nova-iorquino retomou as ruas com memória e fúria.
Mas nem tudo foi brilho: duas pessoas foram baleadas em Greenwich Village, perto do lendário Stonewall Inn. Um atentado silencioso contra o nosso direito de ir às ruas protestar. Uma das vítimas segue em estado crítico. O orgulho que temos é o de continuar de pé — mesmo feridas.
Em San Francisco, o tema foi “A alegria como resistência”. Porque, sim, sorrir entre camaradas também é ato de guerra. Marchamos com bandeiras coloridas e punhos erguidos, ao lado de sindicatos, migrantes e a população negra.
Na Argentina, sob o governo de ódio de Milei, o orgulho virou trincheira unificando os setores oprimidos e trabalhadores contra os planos de Milei. Na Cidade do México, 800 mil disseram que a diversidade não se cala. Em Roma, Viena, Varsóvia, Atenas, a luta ecoou: direitos não se negociam com a extrema-direita — se conquistam nas ruas.
Em São Paulo, Seattle, Oslo, Dublin e no Estado Espanhol, blocos combativos denunciaram o pinkwashing de Israel, que tenta maquiar genocídio com glitter. De nossos alto-falantes brotou o grito coletivo: “Não há orgulho no genocídio!” em solidariedade ao povo palestino.
Trancar a extrema-direita no armário — e jogar a chave fora
Na Hungria, o governo Orbán quis silenciar a Parada com sua “Lei de Proteção Infantil”. Proibiu bandeiras, censurou cartazes, ameaçou com prisão a chamada “promoção” da homossexualidade e da identidade de gênero. Mas o que nasceu foi o maior protesto contra seu regime: 300 mil pessoas tomaram Budapeste, de arco-íris e coragem. Como um rastilho de pólvora, caravanas vieram de todo o continente, com solidariedade e raiva. Greta Thunberg e parlamentares também estiveram presentes.
Com voz firme, orgulho popular e desobediência, a lei que criminalizava o movimento foi desafiada nas ruas. E a polícia sem condições de conter a grande marcha, protegeu outras duas marchas realizadas pela extrema-direita no mesmo trajeto; essas permitidas por Órban que não escondeu que tem lado.
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Marchamos com bandeiras vermelhas e do arco-íris
É verdade: o capitalismo tenta nos vender orgulho em forma de cerveja, glitter e ingresso VIP. As grandes marcas estampam a bandeira arco-íris nos logos, mas seguem explorando nossas manas nas cozinhas quentes do fast food, nas entregas sob sol e chuva, nos call centers em escalas abusivas.
Mas nas ruas deste junho, nosso orgulho não cabia nas vitrines. Ele explodia nas mãos de quem resiste. Nos passos de quem marcha junto com imigrantes, mulheres, indígenas, juventude preta e periférica. Nas faixas que diziam: “Trabalhadoras LGBTI+ também querem viver”.
A extrema-direita tenta dividir a classe trabalhadora. Usa a LGBTIfobia, a xenofobia, o racismo e o machismo para manipular o ódio e jogar os trabalhadores uns contra os outros. Nos culpa pela crise moral e econômica criada pelos próprios capitalistas, quando através de discursos de ódio miram as LGBTI+ como inimigas dos valores “morais” ou quando enquadram os imigrantes como culpados pelo desemprego e crise econômica.
Nossa luta é para derrotar este projeto segregador e de extermínio da ultradireita de vez! Mas também sabemos que os governos da chamada “frente ampla” não são a alternativa. Governos como o de Lula, Biden ou Sánchez negociam nossos direitos em nome da governabilidade, fazem alianças com setores conservadores rifando nossos direitos como moeda de troca, enquanto mantêm intacto as bases deste sistema que nos oprime.
Não há orgulho no genocídio e na exploração
Não aceitamos que usem nossas identidades como isca de marketing. Que nos tratem como consumidores e descartem como pessoas. O pinkmoney é só mais uma forma de lucrar com a opressão.
Rechaçamos também o pinkwashing de Israel, que tenta pintar de rosa o apartheid. A comunidade LGBTI+ não será cúmplice de genocídio! Não aceitaremos que usem nossa luta para legitimar a ocupação e o massacre do povo palestino. Orgulho de verdade é estar do lado dos que resistem — não dos que bombardeiam.
Resgatar a radicalidade de Stonewall… e ir além!
A revolta de Stonewall foi feita por quem não cabia na norma: travestis, gays pobres, negras, putas, migrantes. Não foi desfile, foi revolta. Não pediram licença — fizeram história.
Hoje, 56 anos depois, o sistema continua querendo nos domesticar, nos reduzir a estampa de campanha, nos enfiar de volta no armário das boas maneiras. Mas nós queremos mais. Queremos a revolução!
Queremos o fim da LGBTIfobia — não só na sociedade, mas também dentro da nossa classe, dos nossos sindicatos e movimentos. Queremos unir o amor livre com a luta organizada. Queremos o socialismo com todas as cores da nossa bandeira!
Porque enquanto existir opressão, nossa missão será a mesma de todas as gentes exploradas deste mundo:
Explodir o sistema — e construir uma nova sociedade, livre, diversa e socialista!
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