Com três meses de atraso, o Congresso Nacional aprovou, nesta quinta-feira 20, o Orçamento de 2025. Protagonistas da votação antes mesmo de ela começar, as emendas parlamentares explicam a demora para chancelar a peça orçamentária e simbolizam o avanço do Legislativo sobre o controle do dinheiro público.
As emendas são recursos que deputados e senadores destinam às suas bases eleitorais para, em tese, financiar políticas públicas. Elas podem ser:
- individuais: propostas por cada parlamentar. São impositivas;
- de bancada: de autoria das bancadas estaduais no Congresso e relativas a matérias de interesse de cada estado ou do Distrito Federal. São impositivas; e
- de comissão: apresentadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado. Não são impositivas.
O Orçamento prevê 50 bilhões de reais em emendas para este ano, um montante semelhante ao de 52 bilhões aprovado em 2024. Do total, 39 bilhões se referem a emendas impositivas, ou seja, de execução obrigatória pelo governo.
O Congresso avalizou o pagamento de 11,5 bilhões de reais neste ano em emendas de comissão, teto estabelecido pela Lei Complementar 210/2024. É uma boa notícia, por exemplo, para o PL, que chefiará a Comissão de Saúde e seus 3,8 bilhões de reais. O partido de Jair Bolsonaro deve comandar, ao todo, 4,8 bilhões de reais, à frente do MDB, com 2,5 bilhões.
As emendas de comissão estiveram no centro do mais recente episódio da tensão entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. No auge da crise, o ministro Flávio Dino chegou a suspender, em dezembro passado, a execução desses recursos, por não identificar mecanismos suficientes de transparência e rastreabilidade.
Congresso e STF fecharam um acordo para tornar mais clara a destinação do dinheiro, mas o projeto de resolução que deputados e senadores aprovaram na semana passada mantém uma brecha para ocultar os padrinhos das emendas.
O Orçamento também reservará 14,3 bilhões de reais para emendas de bancada e 24,7 bilhões para emendas individuais.
Além da busca por transparência, contudo, a polêmica das emendas ilustra o controle cada vez mais expressivo do Orçamento pelo Congresso Nacional e as dificuldades do governo Lula (PT) para dar vazão às políticas públicas consagradas pelas urnas em 2022.
Para Cláudio Couto, cientista político da FGV-EAESP, trata-se de uma mudança estrutural no funcionamento do presidencialismo de coalizão: o Parlamento deixou de apenas sugerir gastos e passou a impor as suas vontades, independentemente do que o chefe do Executivo deseja.
Há diversas consequências desse movimento, entre elas o fato de que o presidente da República perde capacidade de negociação, uma vez que não pode mais utilizar com desenvoltura uma grande fatia das emendas como instrumento para obter apoio em votações importantes.
“No Brasil é muito restrito o espaço para manejo orçamentário, porque tem muita vinculação. Aí, do pouco que sobra, o Congresso abocanha uma parte muito grande”, diz Couto. “O esperado é que isso se repita todos os anos. Esse é o jogo daqui para frente.”
A dificuldade de imaginar uma ruptura nesse cenário é óbvia: para reduzir a distorção das emendas, o Congresso teria de abrir mão do próprio poder acumulado ao longo dos últimos anos, especialmente a partir da presidência de Eduardo Cunha na Câmara.
O desacerto entre Executivo, Legislativo e Judiciário sobre as emendas explica o fato de a votação do Orçamento ficar para março. Mesmo com essa procrastinação, porém, o governo teve de se mexer nos últimos dias: a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, sinalizou o pagamento de 6,8 bilhões de reais em emendas de comissão e individuais, a partir da semana que vem.
Enfrentar a imposição de 50 bilhões de reais em emendas seria uma decisão arriscada para o governo, avalia o cientista político Jorge Chaloub, professor da UFRJ. Em um Parlamento no qual a direita predomina, o fantasma do impeachment — ou da ameaça de considerá-lo — está sempre à espreita. Mesmo o Judiciário, ao tentar fixar critérios razoáveis para escoar as emendas, virou alvo da fúria do Centrão e de expoentes do bolsonarismo.
Segundo Chaloub, também entra em cena um elemento que até o ano passado estava adormecido: a proximidade do ano eleitoral que definirá a sucessão de Lula 3. Os cálculos do governo na relação especialmente com a Câmara, acrescenta, passam a ser ainda mais marcados pelo pleito.
O professor avalia que o Congresso usará o interesse duplo do Palácio do Planalto — aprovação de projetos e articulação para 2026 — para ampliar seu poder de barganha neste ano.
“Ele vai se aproveitar da necessidade do governo de ter medidas aprovadas e conseguir chegar viável eleitoralmente em 2026 para aumentar a pressão e conseguir mais coisas.”
Veja outros destaques do Orçamento:
- prevê um superávit de 15 bilhões de reais nas contas públicas em 2025;
- salário mínimo de 1.518 reais;
- recursos para uma nova edição do Concurso Nacional Unificado;
- 246 bilhões de reais para o Ministério da Saúde e 197 bilhões para o Ministério da Educação;
- 159 bilhões de reais para o Bolsa Família (7,7 bilhões a menos que na proposta inicial do Orçamento). O corte bancará o incremento de outros programas, como o Vale Gás.