
Oportunidade econômica para quem?
por Nadejda Marques
No dia 9 de julho, Donald Trump – o único presidente estadunidense do século XXI que não visitou a África durante o seu mandato – se reuniu na Casa Branca com cinco presidentes africanos. Seus convidados do Senegal, Libéria, Mauritânia, Gabão e Guiné-Bissau participaram de uma cúpula de três dias em Washington para discutir “oportunidades econômicas” entre os Estados Unidos e seus países. Tanto o anfitrião quanto os convidados, em vários momentos, ressaltaram a abundância de recursos naturais ainda não explorados nos países africanos, mas oportunidade econômica é um termo bastante relativo.
Se levarmos em consideração alguns exemplos atuais de exploração de recursos naturais nesses países veremos que geralmente quem ganha com essas oportunidades são empresas privadas multinacionais e quem perde são as comunidades locais e populações tradicionais. Vejamos o caso da exploração de areias pesadas na Guiné-Bissau onde tenho trabalhado desde o início deste ano pela University Network for Human Rights em parceria com a Justiça Global e apoio do PNUD na Guiné-Bissau.
A Guiné-Bissau é o menor dos países que participaram da cúpula em Washington e o único de língua portuguesa. Com uma população de 2.1 milhões de pessoas e PIB per capita de US$2,048 (2023), a Guiné-Bissau ocupa o 174o. lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Segundo o PNUD, a pobreza multidimensional atinge 64.4 por cento da população (abrangendo não apenas a falta de renda mas também a privação de direitos básicos como saúde, educação, moradia, saneamento e acesso à informação). A região de Varela, situada ao longo do litoral norte do país até a fronteira do Senegal é uma região rica em areias pesadas que contém zircónio (Zr), a ilmenita (óxido de ferro e de titânio – FeTiO3) e o rutilo (dióxido de titânio – Ti02). Materiais utilizados em várias indústrias, inclusive a nuclear, a química e a eletrônica. Oportunidade econômica poderia significar a realização dos direitos básicos da população local. Estima-se que um único projeto de exploração de areias pesadas na região possa dar o retorno de US$16milhões mas esses recursos não são convertidos para a melhoria das condições de vida da população local. Pior, o que as nossas equipes documentaram foi que a extração das areias pesadas se dá sem consulta devida e sem o consentimento das comunidades da região. De fato, no relatório O Desenrolar de uma Crise de Direitos Humanos: a extração de areias pesadas e o impacto nos direitos humanos e ambientais em Varela, Guiné-Bissau lançado hoje (7 de agosto) em Bissau explicamos como a extração de areias pesadas em Varela tem resultado no aumento da degradação ambiental, agravado a vulnerabilidade da região devido à crise climática e contribuído para a deterioração dos modos de sobrevivência das comunidades locais, dentre elas o povo Felupe.
Os Felupe tem observado que os rios da região que eram utilizados para irrigação das plantações de arroz (bolanhas), sua principal forma de subsistência, estão cada vez mais salinizados e ou contaminados com dejetos da área de extração de areias pesadas. Além disso, as instalações para a extração de areias pesadas ocupam áreas de grande importância espiritual e cultural para eles, assim como para outros povos como os Manjacos e os Mancanhis. Hoje em dia, a população vive em situação vulnerável, tensa e amedrontada pois após protestos de um grupo de mulheres no dia 18 de abril deste ano, quando alguém ateou fogo à estrutura de extração de areias, as autoridades responderam com prisões arbitrárias de líderes comunitários, submetendo-os a condições degradantes e transportando-os para a capital, Bissau, apesar de evidências de que a maioria não havia participado do ato de vandalismo ou sequer dos protestos. Há um aumento da militarização na região que se presta ao zelo do patrimônio de uma multinacional. A situação é tensa. Governo e empresa insistem e os Felupe resistem.
Que a experiência de Varela sirva como um aviso da violência neocolonial. Os projetos de exploração dos recursos naturais precisam ser consistentes com as normativas internacionais de direitos humanos e baseados em consultas públicas culturalmente adequadas e que respeitem o direito coletivo dos povos indígenas e tradicionais à consulta livre, prévia e informada sobre todas as medidas que possam afetar seus estilos de vida. O foco da “oportunidade econômica” não deve ser simplesmente o que pode ser comercializado, mas sim como as comunidades locais serão incluídas nas decisões, nas avaliações, na produção e na distribuição da riqueza gerada.
Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.
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