A busca por refúgio em regimes autoritários desnuda a contradição de quem se dizia guardião da pátria, mas agora rejeita viver sob suas leis
Enquanto o Brasil enfrenta a difícil tarefa de reconstruir suas instituições após anos de ataques sistemáticos, Jair Bolsonaro insiste em encenar um papel que não lhe pertence: o de mártir da liberdade. A verdade, porém, é que o ex-presidente, longe de defender a soberania nacional, transformou-se num fugitivo em potencial, pronto para abandonar o país assim que o chão desabar sob seus pés.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes de reforçar a vigilância da Polícia Federal sobre Bolsonaro não é um ato de perseguição política, como a direita bolsonarista insiste em gritar. É, sim, uma medida de prudência democrática. Quando um ex-presidente mapeia rotas de fuga para os Estados Unidos, Hungria e Argentina — países escolhidos não por laços históricos, mas por alinhamento ideológico com governos autoritários e anti-democráticos —, a nação tem o direito de se proteger. E a Justiça, o dever de agir.
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Bolsonaro, que tanto se diz “brasileiro da gema”, que tanto empunhou a bandeira do patriotismo, revela-se agora como um nacionalista de ocasião. Enquanto incitava seus seguidores a defenderem o Brasil com fuzis, ele próprio já planejava o embarque para a Flórida. Enquanto chamava de traidores aqueles que questionavam seus abusos, buscava asilo em regimes que desprezam justamente os valores que ele diz defender: a ordem, a família, a pátria. Mas que ordem é essa que ignora a Justiça? Que família apoia um pai que foge do país? Que pátria é defendida por quem não quer nela viver quando as contas chegam?
O mais grave, contudo, é o padrão de comportamento que se repete: usar o Estado para fins pessoais, atacar as instituições quando elas funcionam, e buscar refúgio no exterior quando o cerco se fecha. A tentativa de envolver a Casa Branca — com a pressão de Donald Trump, aliado de conveniência, não de princípio — para interferir no julgamento do STF é um ato de submissão vergonhosa à ingerência estrangeira. É o oposto de soberania. É capitulação disfarçada de resistência.
Soberania nacional não é gritar hino em comício. Soberania é respeitar a Constituição, submeter-se às leis e cumprir as decisões dos tribunais. É o que fazem Lula, Dilma, e todos os presidentes que passaram pela cadeia ou pelo julgamento sem ameaçar fugir, sem pedir ajuda a ditadores, sem transformar o cargo em trampolim para a impunidade.
Bolsonaro, por outro lado, tratou o Brasil como se fosse uma propriedade privada. Desprezou o Congresso, ameaçou o Judiciário, desmoralizou as Forças Armadas com politicagem rasteira. E agora, diante da possibilidade de responder por crimes contra a democracia, quer escapar como um bandido comum. Pior: quer que o façamos acreditar que é um herói perseguido.
O cerco se fecha, e bem feito. A sociedade brasileira não pode mais aceitar que ex-presidentes achem que estão acima da lei. A esquerda, os movimentos sociais, os defensores da democracia devem celebrar cada passo que afasta o Brasil do abismo autoritário. A prisão domiciliar, a tornozeleira, a vigilância — tudo isso é fruto da resistência de quem nunca se dobrou ao fascismo tropical.
Se Bolsonaro tentar fugir, não será um ato de coragem, mas de covardia. E se for preso, não será vingança, mas justiça. O Brasil não é refúgio para golpistas. E a soberania não se constrói com asilo em embaixadas de ditadores, mas com o respeito ao voto, à lei e à dignidade do povo.
Chega de heróis de mentira. O que o país precisa agora é de responsabilidade. E de um exemplo claro: ninguém, nem mesmo um ex-presidente, está acima da República.