A sanha privatista do governador Tarcísio de Freitas está causando estragos e prejuízos. O absurdo do momento é o processo de desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A privatização está envolta em várias incoerências e suspeitas de irregularidades. A maior empresa de saneamento da América Latina, com lucro líquido de 3,12 bilhões de reais, foi vendida por um preço 10,6% abaixo do mercado e da própria expectativa do governador. As ações foram negociadas a R$ 65 contra os R$ 75 operados na bolsa.
A Equatorial Energia fez uma oferta de R$ 6,87 bilhões por uma fatia de 15% da Sabesp. Valor que contraria e muito a expectativa do governador que esperava lucrar R$ 30 bilhões. Na prática, vai arrecadar no máximo 50% deste valor, já que para a venda do restante das ações (17%) o valor a ser pago não ultrapassará 8 bilhões de reais.
Essa venda é uma verdadeira lambança e demonstra a incapacidade do governador de gerenciar o estado mais rico do país. Para cumprir a promessa de reduzir tarifas após a venda, ele vai retirar recursos obtidos com a privatização para controlar os preços de uma empresa que agora será privada. Parece até mentira, mas o governo deixará de receber participação nos lucros e vai ter que usar recursos dos cofres públicos para garantir as tarifas. Enquanto isso, os acionistas da empresa seguirão lucrando como nunca.
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Além disso, é inacreditável o fato da Sabesp, que é responsável pelo serviço de água, coleta e tratamento de esgoto em 375 municípios, atendendo 28,4 milhões de pessoas, só conseguir atrair o interesse de uma única empresa sem experiência no ramo. Melhor dizendo, a Equatorial está gerindo há dois anos o serviço no Amapá, um estado que a população total corresponde aos moradores de um bairro da zona sul da cidade de São Paulo. Tarcísio entregou uma empresa lucrativa, com toda a tecnologia e conhecimento, que presta um serviço de qualidade e com preços justos para a sociedade para uma empresa do setor de energia que já figurou como a pior do ramo no ranking da Aneel.
Curiosamente, a presidente do conselho de administração da Sabesp, Karla Bertocco, tinha, até dezembro de 2023, cargo no conselho da Equatorial. Outro ponto de estranheza: ela abriu mão de ganhar R$ 1 milhão por ano no conselho da Equatorial para receber R$ 160 mil anuais na Sabesp. Será que já sabia quem levaria o leilão? Será que ela já sabia que o seu salário na Sabesp em breve aumentaria e muito?
O que não surpreende neste jogo é que os principais acionistas da Equatorial são o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra Capital e o fundo americano de investimentos Blackrock. Ao se tornar acionária de 15% da Sabesp, a Equatorial vai indicar boa parte da diretoria e o foco da gestão já é evidente: garantir os lucros bilionários dos acionistas e prestar um serviço péssimo, modelo adotado pela Enel, por exemplo. Inclusive, a Equatorial ainda nem assumiu o comando da Sabesp e já apresentou aos investidores um plano estratégico que inclui corte no quadro de trabalhadores e distribuição maior aos acionistas, o que deixa claro que a empresa está preocupada só com lucro.
O silêncio de alguns veículos da grande mídia com relação à privatização da Sabesp é escandaloso. Historicamente, eles defendem a política de Estado mínimo e privatização, mas surpreende a pífia cobertura com relação às suspeições no processo. Sem concorrência, com preço abaixo do mercado e suspeitas de conflitos de interesses. Mas nada disso despertou de forma considerável o interesse da grande mídia. Curioso, né?
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Carlos Zarattini é economista pela USP e deputado federal (PT-SP)