“Selva”, uma expressão comum entre militares, equivalente a “ok” ou “tudo bem”, era usada pelo capitão Jair Bolsonaro no comando da quadrilha que desviou e vendeu joias sauditas presenteadas ao Estado brasileiro durante sua presidência.

“Selva”, escreveu Bolsonaro, em 4 de fevereiro do ano passado, em troca de mensagens com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, após o tenente-coronel enviar um link com a disponibilização de um kit Chopard – composto de caneta, relógio da marca Rolex, anel, abotoaduras e um rosário árabe – em um leilão nos Estados Unidos.

Foi a partir dessa resposta de Bolsonaro a Mauro Cid que a Polícia Federal obteve a certeza de que o ex-presidente tinha conhecimento do esquema de venda ilegal de joias, avaliadas em R$ 6,8 milhões.

A PF também encontrou no celular do ex-presidente registros de navegação que mostram que ele, de fato, abriu o link do leilão. Para os investigadores, isso demonstra que Bolsonaro tinha ordenado a venda do kit nos Estados Unidos.

Além disso, nos prints das conversas entre Bolsonaro e outros integrantes da quadrilha, anexados ao inquérito, chama a atenção o fato de o ex-presidente ter apagado várias mensagens, uma cautela comum a quem quer eliminar vestígios de crimes.

Indiciamentos

Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato/apropriação de bem público. Além de Bolsonaro, outras 11 pessoas também foram indiciadas pela PF.

Os demais indiciados foram Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, Marcelo da Silva Silveira e Marcos André dos Santos Soeira (apropriação e associação criminosa), Julio Cesar Vieira Gomes (pelos três crimes e por advocacia administrativa perante a administração fazendária) e o militar José Roberto Bueno Junior (pelos três crimes).

Somente Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, foi indiciado por um crime (lavagem de dinheiro).

Modus Operandi

A PF enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o relatório que fundamenta os indiciamentos. O documento traz os detalhes do modus operandi da quadrilha.

O próximo passo é a Procuradoria-Geral da República decidir se apresenta ou não denúncia contra Bolsonaro e outros acusados. Se a denúncia contra o ex-presidente for oferecida e tiver a aceitação do STF, ele passará da condição de investigado para a de réu.

Enriquecimento ilícito

Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um acórdão definindo que todos os presentes recebidos nas audiências com chefes de Estado e de Governo, por ocasião das visitas oficiais ou viagens de Estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de Estado de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil seriam incorporados ao acervo público brasileiro, excetuando-se os itens de natureza personalíssima ou de consumo direto do presidente da República.

Mas essa determinação não foi cumprida durante o governo Bolsonaro. Segundo o relatório da PF, “o GADH atribuiu presentes de altíssimo valor, dados por autoridades estrangeiras, ao acervo privado do presidente da República, adotando uma interpretação que contraria os princípios que regem a Administração Pública e a teleologia do acórdão proferido pelo TCU”.

Os investigadores avaliam que essa interpretação, “além de chancelar um enriquecimento inadmissível pelo Presidente da República, pelo simples fato de exercer uma função pública, proporciona a possibilidade de cooptação do chefe de Estado brasileiro, por nações estrangeiras, mediante o recebimento de bens de vultosos valores”.

Presentes também dos Emirados Árabes

Além das joias da Arábia Saudita, outros cinco presentes dos Emirados Árabes Unidos, recebidos por Bolsonaro, também entraram na mira da Polícia Federal. Contrariando a determinação do TCU, foram incorporados ao acervo privado do ex-presidente um relógio de mesa cravejado de diamantes, esmeraldas e rubis; três esculturas, uma delas feita de ouro, prata e diamantes; e um incensário de madeira dourada. O valor de cada uma delas não foi registrado pela Presidência.

As constantes viagens ao mundo árabe e o grande volume de presentes de alto valor lançaram dúvidas sobre a lisura da venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), situada na Bahia, pela Petrobras ao fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou fragilidades no processo e concluiu que a refinaria foi vendida bem abaixo do preço de mercado. O negócio foi fechado em novembro de 2021, no valor de US$ 1,65 bilhão.

PTNacional

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Última Atualização: 09/07/2024