Operação 2026: 6 passos para um golpe
A eleição de 2026 já começou. Crises fabricadas em série, campanhas de desinformação, chantagens midiáticas, sabotagens institucionais e articulações entre big techs, mercado e extrema direita mostram que o governo Lula está sendo alvo de uma grande ofensiva
por Reynaldo Aragon e Sara Goes
A operação em curso contra o governo Lula, hoje evidente nos ataques coordenados envolvendo desinformação, lawfare, chantagem midiática e sabotagem institucional, não começou agora. Seu roteiro tem raízes profundas e data de pelo menos duas décadas atrás, quando a chamada “crise dos Correios”, em 2005, serviu como ponto de partida para uma nova forma de guerra política no Brasil. Naquele momento, o episódio foi manipulado midiaticamente, transformado em escândalo nacional e instrumentalizado para abrir caminho ao processo do mensalão. A narrativa que se consolidou a partir dali marcou o início de uma longa campanha de desestabilização do projeto político do Partido dos Trabalhadores e de toda agenda desenvolvimentista que ameaçava os interesses das elites tradicionais e do capital internacional.
Desde então, o Brasil foi se transformando no principal laboratório de guerra híbrida da América Latina, onde operações psicológicas, lawfare e controle informacional se tornaram armas recorrentes para frear qualquer avanço de soberania popular. O que vemos agora, às vésperas de 2026, é a reatualização desse mesmo modus operandi, aperfeiçoado por novas tecnologias, amplificado por plataformas digitais e operado por um consórcio entre setores da mídia, big techs, parlamento e extrema-direita. A crise do Pix, o escândalo do INSS, os ataques à Janja, o cerco ao CGI.br e a tentativa de capturar o processo eleitoral são capítulos recentes de um enredo que começou há vinte anos e que jamais foi interrompido. Apenas mudou de forma.
1- O caso Pix – Em janeiro de 2025, uma norma técnica da Receita Federal sobre o cruzamento de dados financeiros foi distorcida nas redes sociais até se transformar em pânico: milhares de pessoas passaram a acreditar que o governo Lula começaria a taxar o Pix. A mentira viralizou, gerou corrida aos bancos, causou queda no número de transações e obrigou o governo a recuar.
O episódio foi um exemplo clássico de guerra informacional. A desinformação foi amplificada por influenciadores “neutros” e bolsonaristas, como o deputado Nicolas Ferreira, que publicou um vídeo alarmista alegando que “o governo quer meter a mão no seu Pix”. O vídeo foi impulsionado pela Meta, que, sob o pretexto de atividade orgânica, permitiu que a peça circulasse com alto alcance patrocinado, atingindo milhões de pessoas em poucas horas.
Manchetes sensacionalistas da grande mídia, que trataram o caso como uma “ameaça à liberdade financeira”, contribuíram para o caos. Mesmo após a revogação da norma e a divulgação oficial de que não haveria cobrança alguma, o dano já estava feito: a falsa crise minou a confiança popular, alimentou a narrativa de que o governo ataca o povo e serviu como munição para a extrema-direita ensaiar sua campanha antecipada.
2- O escândalo do INSS – Logo após o caso do Pix, veio à tona um esquema de fraudes no INSS que desviou bilhões de reais de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2022. A investigação conduzida pela Controladoria-Geral da União e pela Polícia Federal revelou que o sistema de empréstimos consignados foi utilizado para aplicar golpes sistemáticos contra a população mais pobre, justamente a base que mais depende das políticas públicas e sociais promovidas pelo governo Lula.
Embora as fraudes tenham ocorrido durante a gestão anterior, a crise foi rapidamente transformada em arma política contra o governo atual. Parlamentares bolsonaristas passaram a exigir a abertura de uma CPMI, enquanto setores da grande mídia omitiram deliberadamente o período em que o esquema foi articulado e consolidado, passando a tratar o caso como mais um sinal de ineficiência e permissividade do Estado. A narrativa de um governo conivente com a corrupção voltou a circular com força, explorando o impacto emocional da tragédia social imposta aos mais velhos e vulneráveis.
A resposta do governo foi imediata. O presidente Lula determinou a exoneração do então presidente do INSS, mesmo sem qualquer indício de sua participação nas fraudes, e autorizou uma força-tarefa interministerial para ampliar as investigações, revisar processos e proteger os beneficiários lesados. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, deu declarações duras sobre o esquema, reforçando o compromisso com a responsabilização dos envolvidos, mas mesmo assim, enfrentou pressões públicas e políticas crescentes.
Na esfera da comunicação, a Secretaria de Comunicação da Presidência, sob a coordenação de Sidônio Palmeira, atuou para conter a erosão da confiança. Foram lançadas campanhas com linguagem clara e direta, explicando a origem do esquema, os anos em que ele foi praticado, os esforços do novo governo para combatê-lo e os canais de denúncia e reparação disponíveis para os prejudicados. A estratégia, no entanto, esbarrou na hostilidade dos algoritmos das plataformas digitais, que privilegiaram conteúdos sensacionalistas e desinformativos, e no boicote informal da imprensa hegemônica, que seguiu tratando o episódio como se fosse uma falha estrutural do atual governo.
Influenciadores bolsonaristas passaram a circular vídeos com recortes distorcidos de falas de ministros e autoridades, além de relatos falsos de beneficiários prejudicados pela atual gestão. Como no episódio do Pix, a Meta e outras plataformas digitais mantiveram a promoção de conteúdos alarmistas sob o pretexto de “liberdade de expressão”, permitindo que a mentira se espalhasse com mais força do que os dados oficiais.
Mais uma vez, uma crise real foi reconfigurada como instrumento de sabotagem narrativa. O ataque à Previdência, ao INSS e ao esforço do Estado para proteger os mais pobres, não é apenas um ataque ao governo Lula, mas à própria ideia de que o Brasil pode ser, ainda, um país comprometido com justiça social e dignidade para sua população.
3- Janja e Gleisi como alvo: misoginia, fake news e ataques ao Lula – Durante um evento institucional em março de 2025, Lula afirmou, em tom descontraído, que havia escolhido uma mulher bonita, referindo-se à deputada Gleisi Hoffmann, para melhorar o relacionamento entre o Executivo e o Congresso Nacional. A frase, feita entre aliados históricos, foi imediatamente capturada pelas engrenagens da guerra informacional. Sites bolsonaristas, influenciadores digitais e parte da grande imprensa transformaram o comentário em escândalo, acusando o presidente de sexismo e tentando reduzir Gleisi a um adorno político.
Colunistas que por anos ignoraram a misoginia explícita no bolsonarismo correram para associar, de forma absurda, a piada de Lula ao crescimento dos feminicídios no Brasil. A tentativa era nítida: colar em Lula a pecha de machista para deslegitimá-lo exatamente onde Bolsonaro é mais vulnerável, entre mulheres e jovens.
Gleisi foi alvo de agressões grosseiras, como as de Gustavo Gayer e Gilvan da Federal, que durante uma sessão da Comissão de Segurança Pública proferiu ofensas escancaradamente misóginas. A resposta institucional veio com a suspensão de Gilvan em uma rara reação institucional à altura da violência cometida.
Enquanto Gleisi enfrentava o ataque direto da retórica bolsonarista no Parlamento, a primeira-dama Janja era alvo da desinformação digital. Durante o jantar oficial com Xi Jinping, na China, ela fez uma intervenção breve e estratégica sobre os riscos do TikTok para a juventude brasileira, mencionando o sofrimento psíquico causado por algoritmos e defendendo a soberania digital. A fala, articulada e politicamente oportuna, colocou o Brasil no centro de um debate geopolítico atual. Mas em vez de reconhecimento, Janja foi ridicularizada por setores da imprensa que preferiram tratar sua fala como gafe, insistindo na ideia de que havia ultrapassado os “limites do papel de primeira-dama”.
Essa reação foi o estopim de uma nova narrativa artificial. Surgiu dela uma subcrise alimentada por especulações maliciosas sobre um suposto vazamento interno. A imprensa passou a insinuar que o ministro Rui Costa teria sido o responsável por levar à imprensa informações distorcidas sobre a fala de Janja. A situação ganhou tons de novela palaciana, com colunas sugerindo atritos no voo entre Pequim e Brasília e um suposto mal-estar dentro da aeronave presidencial. A tentativa de criar uma crise interna durou até Lula elogiar publicamente o ministro da Casa Covil em um evento oficial.
Todo esse ciclo, da invenção do machismo presidencial às agressões explícitas e à invenção de intrigas internas, compõe o mesmo roteiro de guerra híbrida. A misoginia, neste caso, não é subproduto, mas ferramenta. Não se busca apenas humilhar mulheres no poder, mas transformar essas agressões em instrumentos para atingir Lula, fragilizando sua imagem diante de dois dos públicos mais difíceis para a extrema direita reconquistar: as mulheres e a juventude. A ofensiva é simbólica, digital, coordenada e profundamente covarde.
4- A guerra pelo CGI.br e o lobby das big techs contra a regulação democrática
Enquanto o governo tenta avançar em políticas de regulação das plataformas digitais, cresce nos bastidores uma articulação poderosa para sabotar qualquer limite ao domínio das big techs. O epicentro dessa disputa é o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão multissetorial reconhecido por sua autonomia, mas que agora se vê ameaçado por tentativas de reformulação que buscam fragilizá-lo. Propostas para submetê-lo ao Executivo acirraram o debate, dividindo setores do próprio governo e expondo os riscos de abrir brechas para a captura institucional.
Por trás dessa movimentação, estão interesses muito claros. Empresas como Google, Meta e Amazon resistem a qualquer medida que afete seus algoritmos, sua publicidade política segmentada, a monetização da desinformação ou a coleta massiva de dados pessoais. O que se vê não é apenas pressão econômica, mas ação política organizada. Essas empresas têm interferido diretamente em processos legislativos e fortalecido parlamentares alinhados à lógica da desregulação total.
Um exemplo recente é a criação da FrenCyber, composta majoritariamente por deputados da extrema direita e de vertente liberal conservadora, que atuam como linha auxiliar das plataformas digitais. Essa frente opera sob o discurso da “liberdade de expressão” e da “segurança cibernética”, mas sua principal função tem sido minar propostas como o PL 2630 e esvaziar qualquer tentativa de controle democrático das redes.
A instalação da Comissão Especial para Regulação da Inteligência Artificial, no dia 20 de maio, reforçou esse quadro. Com Luísa Canziani (PSD-PR) na presidência e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na relatoria, o espaço foi rapidamente apropriado por setores do Centrão e por núcleos liberais alinhados ao lobby das big techs. A retórica da “centralidade da pessoa humana” serviu como verniz para uma costura político-corporativa que busca manter tudo como está. Parlamentares do campo progressista tentaram marcar posição. Luizianne Lins (PT-CE) defendeu que a regulação da inteligência artificial seja tratada como um tema de Estado, não apenas de governo, uma afirmação importante, mas que corre o risco de se perder sem o enfrentamento à captura legislativa. Reginaldo Lopes (PT-MG) puxou o debate para a justiça social, lembrando que a IA pode tanto reduzir quanto aprofundar desigualdades. Mas o tom geral da instalação da comissão foi de conformidade, quase resignação. A fala mais reveladora talvez tenha sido a de Gustavo Gayer (PL-GO), que comparou a IA ao fogo e à roda, deixando claro o grau de fetichização tecnológica que atravessa o debate e o esforço de blindar o setor sob o manto do “avanço inevitável”.
Enquanto isso, a soberania informacional do Brasil segue sob ameaça concreta. Como mostramos no Brasil 247, o país está à beira de entregar sua nova corrida do ouro, os dados de milhões de brasileiros, a empresas estrangeiras que não respondem à legislação nacional, mas operam com poder suficiente para moldar comportamentos, manipular afetos e interferir em processos eleitorais.
É nesse cenário que avança a chamada bancada do Like, formada por parlamentares que devem seu capital político à lógica de viralização algorítmica e à manipulação digital de afetos, frequentemente impulsionados por desinformação e conteúdos extremistas. Eventos promovidos por partidos da extrema direita passaram a tratar abertamente as big techs como aliadas estratégicas. A retórica da censura, mobilizada seletivamente, serve apenas para ocultar o real interesse: impedir que o Estado brasileiro proteja sua população da vigilância privada e das guerras informacionais travadas por empresas transnacionais.
O que está em jogo não é apenas o CGI.br ou um projeto de lei, é a possibilidade de o Brasil reconstruir sua soberania a partir da informação, da transparência e do controle público sobre seus próprios dados. Quando empresas se tornam operadoras políticas e moldam o campo legislativo para manter seus privilégios, elas passam a integrar um projeto global de desestabilização. E, no Brasil, encontram solo fértil para isso onde deveriam encontrar resistência.
5- A judicialização sequestrada como obstáculo democrático – A transmissão dos julgamentos do 8 de janeiro pela TV Justiça, por si só uma polêmica, tem sido explorada pela extrema direita para construir a narrativa de uma suposta ditadura do Judiciário. O que deveria ser um processo jurídico de responsabilização virou combustível para um teatro político cuidadosamente encenado. Advogados de réus golpistas usam o plenário do Supremo como palco, ensaiando falas e gestos não para convencer os ministros, mas para alimentar suas bases digitais com cortes de vídeo, slogans prontos e vitimizações encenadas.
A linguagem jurídica cede espaço à retórica bélica. Expressões como “trincheira”, “combate” e “resistência” tomam o lugar dos argumentos técnicos, convertendo o julgamento em conteúdo performático. Os ministros, especialmente Alexandre de Moraes e Flávio Dino, são transformados em vilões da vez, enquanto criminosos condenados passam a ser apresentados como mártires. Cada condenação vira símbolo de suposta perseguição, cada silêncio estratégico dos advogados vira insinuação conspiratória.
A engrenagem é visível. Bancadas parlamentares, canais de YouTube, grupos de Telegram e influenciadores digitais operam de forma coordenada. A defesa dos réus se torna produto audiovisual, editado, distribuído e impulsionado com o objetivo de corroer a legitimidade da Corte. A advocacia, nesse contexto, deixa de ser instrumento técnico de defesa e passa a ser arma de guerra híbrida.
Mesmo quando perdem, ganham. Perdem no tribunal, mas vencem ao reforçar entre seus seguidores a tese do Estado de exceção. A comunicação se torna o centro da estratégia, sustentada por heurísticas cognitivas como o viés de confirmação e o medo difuso. A figura do Supremo como guardião constitucional vai sendo substituída, paulatinamente, pela imagem de um regime opressor que censura, persegue e oprime.
Essa tática não é apenas ruidosa, é funcional. Normaliza o ataque às instituições, desgasta a confiança na justiça e prepara o terreno para uma futura anistia ou reabilitação simbólica dos golpistas. O que está em jogo não é apenas um julgamento, mas a disputa pela memória e pelo poder. O golpe não foi derrotado, apenas mudou de forma. Saiu das botas e tanques, vestiu terno e gravata, pegou um microfone e agora desfila diante das câmeras, esperando que a democracia siga distraída no papel de coadjuvante.
6- O papel da mídia corporativa e a chantagem narrativa permanente – Diferente da ofensiva escancarada do mensalão ou das jornadas de 2013, a atuação atual da mídia contra o governo Lula é mais sutil, segmentada e adaptada à lógica performativa das redes. Como aponta a pesquisadora Eliara Santana, o ataque hoje é identitário, cirúrgico e simbólico. Em vez de confrontar o projeto petista diretamente, a imprensa insinua que bandeiras como a defesa das mulheres ou dos direitos civis seriam incompatíveis com o governo, criando fissuras onde antes havia adesão popular.
Os alvos são calculados. Ridicularizam Janja por sua atuação como primeira-dama, atacam Gleisi Hoffmann sob pretextos éticos e invocam um feminismo que nunca defenderam. A crítica mudou de tom e estética: novelas e influenciadores atualizam o velho mito do self made man, propagando que vencer sozinho é virtude e depender do Estado é vergonha. Assim, modulam a juventude para rejeitar sindicatos, partidos e a política em si, como se tudo fosse atraso, o mesmo espírito que fermentou 2013.
A grande mídia atua como vetor da desestabilização. Durante o escândalo do INSS, omitiu a origem bolsonarista das fraudes. Na crise do Pix, embarcou na histeria digital sem checagem. O lobby das big techs segue intocado. Ataques misóginos a Janja são naturalizados como folclore. Tentativas de regulação democrática são tachadas de censura.
Essa postura não é neutra. A mídia continua operando como partido informal do capital financeiro: defende austeridade, hostiliza redistribuição, despreza soberania digital e sabota o papel do Estado. Ao invés de combater desinformação, ajuda a moldá-la. Ao invés de proteger a democracia, encena sua defesa enquanto mina seus alicerces.
Vivemos sob uma chantagem narrativa contínua. O jornalismo hegemônico virou engenharia de subjetividades: não apenas informa, mas modula afetos, induz percepções e corrói legitimidades. Em tempos de guerra simbólica, o silêncio calculado e o editorial ambíguo valem tanto quanto o ataque frontal. E assim, a mídia cumpre papel central na Operação 2026.
Nos últimos meses, redes como CNN Brasil, Globo, SBT, Band e Record intensificaram a exposição de Bolsonaro, oferecendo espaço nobre e tratamento leniente, ao passo que pesquisas eleitorais aceleradas e nem sempre metodologicamente sólidas, reforçam o clima de colapso. Nesse ambiente, os institutos de pesquisa funcionam como extensão da máquina de guerra híbrida, usando o verniz técnico para fabricar cenários e induzir comportamentos. O que se apresenta como neutralidade estatística, na prática, é parte da mesma engrenagem de desestabilização.
Reynaldo Aragon e Sara Goes
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