Especialistas em segurança alimentar apoiados pela Organização das Nações Unidas (ONU) lançaram um novo alerta internacional, nesta terça-feira (29), apontando que “o pior cenário de fome está se desenrolando em Gaza”. A região, assolada por quase dois anos de conflito, enfrenta deslocamento em massa, colapso de serviços essenciais e restrições severas ao acesso humanitário.
De acordo com a plataforma Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), dois dos três critérios técnicos para a declaração de fome foram atingidos: consumo agudo de alimentos e desnutrição generalizada. A morte por inanição, que completaria o terceiro requisito, ainda não pôde ser documentada por completo, devido ao colapso dos serviços de saúde, que impede a coleta de dados confiáveis.
Mesmo assim, segundo os especialistas, há indícios crescentes de que a fome já causa mortes, especialmente entre crianças. Desde abril, mais de 20 mil menores foram atendidos com desnutrição aguda nos hospitais, e ao menos 16 crianças com menos de cinco anos morreram por causas diretamente associadas à falta de comida desde meados de julho.
“É claramente um desastre se desenrolando diante dos nossos olhos, diante das nossas telas de televisão”, afirmou Ross Smith, diretor de emergências do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU.
Para ele, o cenário é “diferente de tudo que vimos neste século”. “Isso não é um alerta, é um chamado à ação.”
O alerta surge após uma análise do IPC de maio de 2025, que projetou níveis catastróficos de insegurança alimentar para toda a população até setembro. De acordo com os especialistas da plataforma, espera-se que pelo menos meio milhão de pessoas estejam na Fase 5 do IPC – catástrofe –, marcada por fome, miséria e morte.
A crise é impulsionada por quase dois anos de conflito desencadeado pelos ataques terroristas liderados pelo Hamas em Israel em outubro de 2023, que deixaram cerca de 1.250 mortos e cerca de 450 pessoas feitas reféns.
Os combates intensos mataram milhares de pessoas e destruíram 70% da infraestrutura de Gaza. Ecoando as preocupações de longa data das agências humanitárias com os não combatentes, a avaliação do IPC confirmou que o deslocamento é generalizado, com áreas seguras reduzidas a menos de 12% de todo o território.
Gaza tem uma população de cerca de 2,1 milhões de pessoas e 90% foram deslocadas, muitas delas múltiplas vezes. Mais de 762.500 deslocamentos foram registrados desde o fim do cessar-fogo em 18 de março.
Enquanto isso, o acesso humanitário permanece severamente restrito, com comboios de ajuda frequentemente obstruídos ou saqueados. No domingo, Israel anunciou que iniciaria pausas humanitárias diárias em Gaza. Mais de 100 caminhões de ajuda teriam entrado no domingo, mas a ONU continua defendendo a necessidade de inundar Gaza com alimentos, combustível e medicamentos.
“Este pesadelo precisa acabar”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. “Para acabar com este pior cenário, serão necessários os melhores esforços de todas as partes agora.”

Teste de humanidade
Guterres voltou a pedir um cessar-fogo imediato e permanente, a libertação incondicional dos reféns mantidos pelo Hamas, e o acesso humanitário pleno ao território sitiado. “Este é um teste da nossa humanidade compartilhada, um teste que não podemos nos dar ao luxo de falhar”, afirmou.
Guterres também reiterou que os esforços atuais para levar ajuda a Gaza são insuficientes.
Apesar de promessas israelenses de pausas diárias para permitir a entrada de ajuda, comboios humanitários seguem sendo interceptados, saqueados ou severamente restringidos. No último domingo, mais de 100 caminhões teriam entrado em Gaza, número considerado muito abaixo do necessário por agências internacionais.
Sofia Calltorp, diretora da ONU Mulheres em Genebra, destacou a situação dramática enfrentada pelas mulheres e meninas no enclave. “Em Gaza, mulheres e meninas enfrentam a escolha impossível de morrer de fome em seus abrigos ou se aventurar em busca de comida e água, correndo extremo risco de serem mortas.”
Calltorp pediu acesso irrestrito à ajuda humanitária para mulheres e meninas, além de um cessar-fogo imediato. “Também ecoamos a esperança de que a Conferência Internacional de alto nível para a Solução Pacífica da Questão da Palestina, realizada esta semana, seja um ponto de inflexão, levando a uma solução viável de dois Estados, com Israel e Palestina convivendo em paz e segurança”, acrescentou.
Em resposta à crise humanitária extrema, algumas nações iniciaram lançamentos aéreos de alimentos sobre Gaza. Contudo, segundo o PMA, essas operações são arriscadas e ineficientes. Consequentemente, serão um último recurso, pois além de caros, são perigosos para as populações civis em áreas superlotadas, segundo Ross Smith, mencionando que ao menos 11 civis ficaram feridos em um lançamento no domingo.

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