Personagens vivem experiências que os levam ao limite em Cavalos no Escuro, novo livro do paulistano Rafael Gallo, vencedor do Prêmio José Saramago de 2022, com o romance Dor Fantasma. No novo trabalho, composto de dez contos, o autor desenvolve uma coleção de criaturas desiludidas ou desesperadas. Trata-se, no fundo, de figuras derrotadas.
Uma delas, o cantor famoso, do conto Bis, por exemplo, encarna à perfeição aquilo que se convencionou chamar de perdedor. Embora tenha alcançado o estrelato, ele não consegue deixar de ceder à pressão dos fãs e sempre apresentar, em cada show de sua turnê, o mesmo hit antigo.
Alguns personagens, simplesmente, não enxergam o próprio desastre. É o caso de um salva-vidas incapaz de perceber o absurdo de sua condição ambígua, de estar sempre atento aos veranistas que se arriscam no mar, mas sem jamais efetivamente resgatá-los.
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Cavalos no Escuro. Rafael Gallo. Record (208 págs., 64,90 reais) – Compre na Amazon
Gallo não apenas narra histórias interessantes, mas hierarquiza palavras para formar frases ricas em simbolismo, mesmo quando lidas isoladamente. As lembranças, em uma de suas narrativas, são descritas como “a forma de os pesadelos circularem por trás dos olhos quando estão abertos”. Ou, ainda: “no mapa antigo de seu amor, tempestades são sopradas por zéfiros montados em nuvens”.
Entretanto, a maior habilidade do escritor está em alcançar aquilo que mais comumente os autores do gênero buscam: a sensação de arrebatamento por nocaute. Gallo constrói tramas que aumentam gradativamente a tensão até o clímax e posterior desfecho. Os finais dos contos são ora surpreendentes ora apaziguadores.
Um dos melhores deles é, justamente, aquele que dá nome ao livro. Cavalos no Escuro, mesmo sendo uma narrativa curta, guarda uma qualidade comum aos romances perenes. O conto é totalizante, dando conta de um tempo (a ditadura militar), de um modelo econômico (a grande propriedade rural que explora mão de obra barata) e de uma estrutura social (o patriarcalismo e o machismo).
Na história, Pedro e Joana formam um jovem casal de empregados de uma fazenda. Ele lida com os animais e o campo. Ela trabalha na casa-grande, servindo diretamente ao patrão. Eles são dominados no trabalho e no afeto, com suas individualidades anuladas. Joana é duplamente oprimida, pelo marido e pelo fazendeiro. Os cavalos do título simbolizam a rebeldia que os humanos não conseguem ter. •
Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Onde os fracos não têm vez’