OMS aprova tratado internacional ‘histórico’ sobre pandemias para evitar repetição de erros da Covid
Após mais de três anos de negociações acirradas, um tratado internacional sobre a prevenção e o controle de pandemias foi adotado, nesta terça-feira (20), na Organização Mundial da Saúde (OMS). O texto do “Tratado sobre Pandemias”, aprovado na Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, prevê um acesso mais justo e igualitário à pesquisa sobre patógenos emergentes (agentes infecciosos que podem culminar em surtos), graças a uma melhor cooperação internacional.
“A assembleia está pronta para adotar essa resolução? Não vejo nenhuma objeção. A resolução foi adotada”, declarou o presidente da Assembleia Mundial da Saúde e ministro da Saúde das Filipinas, Ted Herbosa, uma declaração que foi seguida por longos aplausos na sede da organização, em Genebra.
“Este acordo é uma vitória para a saúde pública, a ciência e a ação multilateral. Ele nos permitirá, coletivamente, proteger melhor o mundo contra futuras ameaças de pandemia”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em um comunicado à imprensa. “É um grande dia hoje (…) é um dia histórico”, disse ele à AFP.
Coordenação preventiva precoce
O texto, adotado na reunião anual dos países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelece uma coordenação global mais precoce e eficaz para prevenir, detectar e responder aos riscos de uma pandemia, e agir mais rapidamente, após o fracasso coletivo em lidar com a Covid-19, que matou milhões de pessoas e devastou a economia global.
A obtenção deste acordo é considerada um sucesso após negociações muitas vezes difíceis e acirradas, em um cenário de cortes drásticos no orçamento da OMS, e em um contexto de um número cada vez maior de crises.
Unanimidade e ausência dos EUA
A resolução sobre o acordo foi adotada no comitê na noite (hora local) de segunda-feira (19) por 124 votos a favor e nenhum contra. Entre os países que se abstiveram estão: Irã, Israel, Rússia, Itália, Eslováquia e Polônia.
Alguns Estados-membros da OMS manifestaram reservas durante a reunião do comitê na noite de segunda-feira, com a Eslováquia solicitando uma votação que poderia encerrar o consenso mantido até então. Embora nenhum país tenha votado contra, 11 deles optaram por se abster.
“Estamos preocupados com o fato de que certas prioridades dos países em desenvolvimento não foram consideradas”, declarou o representante do Irã.
“O cronograma das negociações nos parece irrealista”, afirmou o representante da Bulgária.
Embora a retirada americana da OMS, decidida por Donald Trump após seu retorno à Casa Branca, esteja prevista para entrar em vigor apenas em janeiro próximo, os Estados Unidos já haviam se retirado das negociações nos últimos meses. E o país não enviou nenhum delegado para a reunião.
A Argentina seguiu os passos do gigante americano e a Costa Rica abandonou as negociações no início do ano. Nada impede, no entanto, que esses países venham a aderir ao tratado no futuro, ressalta o jornal Le Monde desta terça-feira.
“A pandemia da Covid-19 foi como um choque elétrico. Foi um lembrete brutal de que os vírus não conhecem fronteiras e que nenhum país, por mais poderoso que seja, pode enfrentar sozinho uma crise de saúde global”, observou a embaixadora francesa para a saúde global, Anne-Claire Amprou, que copresidiu as negociações.
Vacinas a preços acessíveis
O acordo visa garantir o acesso equitativo a produtos de saúde no caso de uma pandemia. Essa questão esteve no centro de muitas das queixas dos países mais pobres durante a pandemia de Covid-19, quando viram os países ricos acumulando doses de vacinas e outros testes.
Há muito tempo as negociações estão paralisadas em relação a questões importantes, como a vigilância de pandemias e o compartilhamento de dados sobre patógenos emergentes e os benefícios resultantes, como vacinas, testes e tratamentos.
No centro do acordo está um novo mecanismo de “Acesso a Patógenos e Compartilhamento de Benefícios” (PABS) projetado para permitir “o compartilhamento muito rápido e sistemático de informações sobre o surgimento de patógenos com potencial pandêmico”, de acordo com Amprou.
No caso de uma pandemia, cada empresa farmacêutica que concordar em participar do mecanismo terá que fornecer à OMS “acesso rápido a 20% de sua produção em tempo real de vacinas, tratamentos e produtos de diagnóstico seguro”, dos quais um “mínimo de 10%” será doado e o restante “a um preço acessível”.
Os detalhes práticos do mecanismo – considerado um ponto alto do acordo – ainda precisam ser negociados durante os próximos um ou dois anos, antes que o acordo possa ser ratificado. Serão necessárias 60 ratificações para que o tratado entre em vigor.
A questão das zoonoses e infecções transmitidas por animais
O acordo também fortalece a vigilância multissetorial e a abordagem de “uma saúde” (humana, animal e ambiental).
“Quando se considera que 60% das doenças emergentes são causadas por zoonoses, ou seja, patógenos que são transmitidos de animais para humanos, isso é obviamente importante”, enfatiza Amprou.
Ela também incentiva o investimento em sistemas de saúde para que os países tenham recursos humanos suficientes e autoridades regulatórias nacionais fortes.
Durante os três anos de negociações, o acordo sofreu forte oposição daqueles que acreditam que ele limitará a soberania dos Estados.
Elon Musk se posicionou contra o acordo
Em 2023, o bilionário Elon Musk, um dos membros do círculo íntimo de Donald Trump, pediu aos países que “não cedessem sua autoridade” diante do projeto de acordo internacional destinado a combater pandemias. A OMS o acusou de divulgar “notícias falsas”.
“O acordo sobre pandemias não vai mudar isso. O acordo ajudará os países a se protegerem melhor contra as pandemias. Ele nos ajudará a proteger melhor as pessoas, quer elas vivam em países ricos ou pobres”, respondeu Tedros Adhanom Ghebreyesus.
(RFI com AFP)
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