Luís Felipe de Souza, militante da Juventude Rebeldia, do PSTU e Corinthians
Enfim começaram os jogos da 33ª Olimpíada, sediada, após 100 anos, em Paris, na França. Como sempre, quando esses eventos se aproximam, as pessoas naturalmente se interessam, torcem e se comovem com as histórias dos atletas. A esperança de ver um conterrâneo trazendo um pouco de alegria e orgulho, por meio do esporte, a um povo que cada vez sofre mais é algo extremamente legítimo.
Além disso, se formos mais a fundo sobre o porquê das pessoas se interessarem tanto pelas histórias, é possível concluir que é porque a maioria dos atletas da delegação brasileira, diferentemente da americana ou britânica, são pessoas da classe trabalhadora, atletas que muitas vezes têm o esporte como profissão secundária. Brasileiros que, assim como a maioria de nós, têm que sacrificar grande parte do seu tempo apenas para conseguir sobreviver, quem dirá viver com qualidade.
Quando vemos os 276 atletas que representam o Brasil lá em Paris, é preciso saber que 9 em cada 10 (241 atletas) dependem do Bolsa Atleta para sobreviver, e que a maioria dos atletas que a cada quatro treina em condições extremamente precárias. Segundo dados coletados pelo Globoesporte para as Olimpíadas de Tóquio, em 2021, a profissão mais predominante entre os atletas da delegação brasileira era (pasmem) motorista de aplicativo.
A precarização do trabalho e a incapacidade do esporte como dedicação
Nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021, a delegação do Brasil conseguiu o seu maior número de medalhas de todos os tempos em uma única edição (21). O resultado, porém, não refletiu um aumento nas condições de treinamento e suporte financeiro para os atletas olímpicos, nem antes nem depois dos jogos. Por exemplo, em 2023, o setor do esporte recebeu 0,0080% do orçamento federal, e a previsão é que em 2024 receba 0,040% do orçamento do Estado. Para se ter uma ideia, o Governo Federal investiu pouco menos de R$360 milhões em 2023 no setor dos esportes. Em comparação, apenas os subsídios fiscais dados em 2023 (ou seja, o valor dos impostos que o governo deixou de cobrar das empresas) somaram mais de R$600 bilhões (2000x mais).
E não para por aí, a falta de investimento se reflete na estrutura e nas oportunidades que cada brasileiro tem para se formar enquanto atleta (um exemplo foi o de Darlan Romani, medalhista de arremesso de peso em 2021, que teve de treinar em um terreno baldio perto de sua casa), a maioria das estruturas são feitas por ONGs ou outros tipos de organizações e muitas vezes talentos são desperdiçados por conta da falta de suporte dado por meio do Estado.
Nesse cenário, a necessidade dos atletas terem uma outra forma de subsistência também é refletida na dificuldade dos convocados pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) de poderem se preparar 100%. A maioria esmagadora dos atletas não consegue se dedicar integralmente ao seu esporte como prática que lhe garanta não só a satisfação pessoal e uma identidade própria, como também algo que forneça as condições mínimas para uma vida digna. Esse fato por si só já impede um desenvolvimento pleno do esporte no Brasil. Somado a isso, a luta por patrocínios também gera desgaste emocional e até de desempenho, pois acaba por ficar a mercê do patrocinador, que nem sempre cumpre as promessas de investimento no eventual esportista.
As vitórias dos atletas, portanto, não representam a consistência no investimento olímpico ou uma política de fortalecimento no esporte. Pelo contrário, cada vitória olímpica representa a superação individual, algo que é calcado centralmente na vontade quase sobre-humana que cada um que compete dá para tentar garantir a honra olímpica. Isso, infelizmente, acaba deixando os atletas vulneráveis às imprevisibilidades que ocorrem, ao invés de serem parte de uma política que dá condições para todos terem a mínima estrutura de treinamento e de exercerem os esportes com qualidade.
O esporte e a sua função social
Quando se fala da função social do esporte é preciso remontar à origem dela dentro das sociedades em que fizeram parte. Nas olimpíadas da antiguidade, na Grécia antiga, os esportes eram basicamente treinamentos para as guerras que eram feitas pelas cidades-estado. Nos períodos de paz, os esportes serviam como uma espécie de lembrança e condicionamento social aos atletas, para que estivessem sempre preparados emocionalmente e fisicamente para os confrontos que eventualmente pudessem acontecer. Além disso, serviam como homenagem a Zeus e aos demais deuses gregos, uma verdadeira celebração humana se aproximando de um ideal divino e as preparando para os conflitos que poderiam vir.
Em outros tipos de sociedade, os esportes também serviam como forma de dominação de um povo sobre outro ou uma forma demonstração de poder de certos grupos sociais, como a nobreza na Europa feudal, sobre outros.
Portanto, diante das mais diversas formas de sociedade, o vínculo essencial entre a forma de organização social e prática do esporte sempre esteve presente. O esporte, enquanto atividade física humana, sempre foi utilizado em conjunto de formas distintas, mas em concomitância com a sociedade que era inserido.
O capitalismo, Olimpíadas e o esporte
Com as revoluções burguesas clássicas (Revolução Inglesa de 1640 e Francesa de 1789) e a ascensão do capitalismo enquanto forma de organização social dominante em todo o mundo posteriormente, o esporte não ficou de fora do subjugamento do capital. Na Europa do século 17 os chamados “jogos populares”, onde as massas das classes subjugadas pela herança feudal praticavam o esporte como forma de entretenimento, foram gradualmente substituídos pela lógica da mercantilização. Se, no início do desenvolvimento capitalista, o esporte ainda mantinha ligações com a ideia de uma atividade que fosse para fins de entretenimento e de desenvolvimento comunitário local, com o aprofundamento da lógica do capital na sociedade a prática foi adquirindo um caráter cada vez mais de mercado.
Isso se reflete em diversos esportes. Pode-se pegar o exemplo do futebol, criado na Inglaterra e disseminado mundialmente não só pela dinamicidade do esporte mas também por conta da sua facilidade e inserção nas classes operárias do mundo todo. Porém, com o passar do tempo cada vez mais se torna uma mera sombra do que foi. As vendas milionárias de atletas de base, a estratificação social causada pelas arenizações dos estádios, a dificuldade cada vez maior de identificação com os clubes (que passam a atuar como empresas) e os mais recentes escândalos de corrupção são o reflexo do que o capitalismo e sua sanha por lucro causa nos esportes.
Nas Olimpíadas não é diferente. Os atletas não representam de fato o Brasil, senão o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) uma instituição privada que tem como fonte de renda parte das receitas das loterias federais, mas que em sua maioria recebe de associações privadas e patrocínio de empresas. Além disso, tem em sua história uma série de casos de corrupção (o ex-presidente do comitê foi condenado a mais de 30 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro), assédios (mais recentemente a atleta Ana Carolina Viana denunciou a instituição por acobertar casos de assédio sexual) e uma desorganização que deixa os atletas à mercê dos repasses feitos.
É a síntese do esporte no capitalismo, a utilização do esporte para a obtenção de lucros exorbitantes.
Um esporte para todos
Ao contrário do que pode ser visto na sociedade capitalista, a nossa luta é por um esporte realmente edificante, que possa levar saúde, qualidade de vida e lazer para as pessoas. Os Jogos Olímpicos deveriam representar a união e disputa saudável entre os diversos atletas de cada país, chegando até o seu limite. Porém, como podemos ver, o espírito olímpico não passa de uma ilusão. A desigualdade do capitalismo se reflete claramente nos esportes.
A falta de oportunidades dos nossos atletas tem que ser revertida com o investimento público, que crie centros de treinamentos, parques públicos e meios para que todos possam exercer suas atividades físicas de forma plena. Além disso, tendo em vista as Olimpíadas, um investimento realmente robusto na formação dos atletas, os garantindo uma vida digna.
Porém, todo esse ideal sobre o esporte também passa pela transformação social. Na sociedade em que vivemos, as vitórias parciais e os investimentos podem até ser obtidos. Infelizmente, mesmo com isso, a maioria da população continuará sendo excluída da oportunidade das práticas de lazer, por conta da estrutura do próprio sistema. Em vista disso, a luta também tem que ser pelo fim da forma de sociedade que vivemos. A sociedade que seja substituída por aquela que seja feita pelos e para os trabalhadores, que saiba que todos têm direito ao lazer, aos esportes, a tempos com a família, com os amigos, com os colegas e com todos aqueles que fazem parte de nossas vidas. E que consiga construir de fato um campo de oportunidades para todos que sonhem com a vitória esportiva e a honra de representar todo um povo nas suas modalidades.
O esporte ideal passa pela sociedade ideal, pelo socialismo!