Na segunda-feira 12, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou que, a partir de agora, vai atacar o vizinho Paquistão toda vez que grupos extremistas muçulmanos cometerem atentados contra cidadãos indianos na Caxemira. O anúncio indica uma deterioração inédita na situação de segurança entre as duas potências militares, e vai na contramão das esperanças levantadas pelo cessar-fogo, anunciado dois dias antes.

“Água e sangue não podem correr juntos”, disse Modi, ao reiterar a acusação de que o governo paquistanês acoberta atividades terroristas na região. A declaração de Modi demonstra um aumento da pressão para que o governo do país vizinho assuma sua responsabilidade de combater esses grupos, sob risco de sofrer bombardeios a cada gesto de hostilidade.

Índia e Paquistão vivem o maior pico do recrudescimento das tensões em suas­ relações bilaterais desde que ambos os países se tornaram independentes do Reino Unido, em 1947. De lá para cá, vários enfrentamentos militares irromperam na região, que, em 1962, passou a envolver também reivindicações territoriais da China, pois a Caxemira fica nos pés da Cordilheira do Himalaia, numa zona de tríplice fronteira.

No episódio mais recente, homens armados assassinaram 26 moradores e deixaram 17 feridos no Vale de Baisaran, perto de Pahalgam, cidade que fica no sul da porção da Caxemira, controlada pela Índia. De acordo com testemunhas, os integrantes do grupo perguntaram a religião de cada uma das vítimas antes de disparar. Apenas seguidores do hinduísmo, religião praticada por Modi e majoritária na Índia, foram mortos no atentado.

Um grupo chamado Frente de Resistência reivindicou a autoria do ataque, mas autoridades indianas disseram que o anúncio foi uma cortina de fumaça para acobertar o Lashkar-e-Taiba, grupo jihadista fundado em 1985, que é largamente apontado como um proxy do governo do Paquistão para ações violentas no contexto das disputas pela Caxemira.

Não é a primeira vez que a Índia ataca alvos no Paquistão sob o pretexto de retaliar ações de grupos muçulmanos que realizam ataques terroristas na ­Caxemira. A diferença é que, agora, Modi classificou a resposta como parte de um novo protocolo de reação da Índia, que passará a classificar automaticamente todos os ataques desse tipo como provindos das forças estatais paquistanesas.

A resposta não terá fim, disse Modi. Ela passará a ser “o novo normal”, e todo atentado terá como retaliação o bombardeio de bases militares do outro lado da fronteira. Modi advertiu ainda que as “ameaças nucleares não funcionarão contra a Índia” – um recado sobre o temor mundial de que um conflito atômico irrompa um dia entre os dois adversários.

Se esta última operação indiana for um exemplo do “novo normal” prometido por Modi, então o mundo pode esperar por sequências de bombardeios com o uso de artilharia de longa distância, aviação, mísseis e grande quantidade de drones.

Do lado paquistanês, os ataques chegaram a atingir a importante base aérea de Nur Khan, localizada nas proximidades da capital, Islamabad. A ação contou com mísseis disparados pela aviação indiana. O Paquistão revidou contra diversos alvos do lado indiano, incluindo as bases militares de ­Udhampur e ­Pathankok, que receberam fogo de artilharia. Dos dois lados da fronteira houve registros de residências e outras instalações civis bombardeadas, o que resultou em um grande número de deslocados internos.

A troca de fogo foi marcada também pela opacidade nas informações, com os dois lados refutando afirmações sobre baixas e outras perdas sofridas. O Paquistão, por exemplo, diz ter abatido três caças Rafale, de fabricação francesa, que são importantes ativos das Forças Armadas da Índia. A informação é, porém, uma de muitas que não puderam ser confirmadas.

O conflito permanece latente, a despeito do frágil cessar-fogo mediado pelos EUA

A operação indiana dos últimos dias foi batizada por Modi de Sindoor, que é o nome de um pó vermelho usado em cerimônias hindus. Em seu primeiro pronunciamento depois do início das operações, ele disse que essa não foi apenas uma resposta militar ao Paquistão, mas uma mudança profunda em toda a doutrina de defesa da Índia, que passará a castigar alvos paquistaneses a cada novo ataque terrorista, além de ignorar as ameaças nucleares do país vizinho e de não fazer distinção entre os que cometem os atos de terror e aqueles que os financiam ou os acobertam.

Essa primeira rodada de agressões foi interrompida por um cessar-fogo decretado no sábado 10. O acordo momentâneo permitiu a retomada dos voos comerciam em mais de 30 aeroporto civis da Índia e reabertura de todos os aeroportos do Paquistão. Além disso, o mercado financeiro em ambos os países voltou a operar.

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou o cessar-fogo entre indianos e paquistaneses numa de suas redes sociais, depois de ter mandado seu vice, JD Vance, e seu secretário de Estado, Marco Rubio, intercederem, por meio de contatos com os líderes dos dois países em guerra. O Paquistão corroborou a versão segundo a qual a Casa Branca é que costurou a frágil paz na região, mas a Índia, não. O desencontro de versões deve-se ao fato de que os paquistaneses têm interesse em internacionalizar a questão, enquanto os indianos preferem manter a disputa restrita à agenda bilateral.

Dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, a partição do antigo território britânico resultou na formação de um país de maioria muçulmana, o Paquistão, e outro de maioria hindu, a Índia. A zona de fronteira entre esses dois novos países, no entanto, virou pivô de uma disputa que dura 78 anos e que, mais recentemente, passou a ter também a participação da China, como sócio minoritário do imbróglio.

No início, a Caxemira era governada por um marajá – título da monarquia nessa região da Ásia – chamado Hari Singh, que tentou manter uma posição de neutralidade. Ele chegou a firmar um acordo nesse sentido com o Paquistão, mas a Índia não aderiu, dando início às disputas, que, ao longo do tempo, passaram a ser marcadas por ataques terroristas e confrontos militares – os mesmos que, agora, Modi classifica como o “novo normal”. •

Publicado na edição n° 1362 de CartaCapital, em 21 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Olho por olho’

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Last Update: 15/05/2025