Beatriz Segall como Odete Roitman em Vale Tudo (1988) – Foto: Reprodução

Por Washington Araujo

Como jornalista, sempre me fascinou como a ficção pode expor verdades cruas. Em 1988, “Vale Tudo”, da TV Globo, nos deu Odete Roitman, vivida por Beatriz Segall, uma vilã que cuspia veneno contra o Brasil. Em 2025, o “remake” com Debora Bloch reacendeu sua chama. Suas falas, cortantes e politicamente incorretas, são um espelho do elitismo que ouço hoje de políticos e figuras da mídia.

Odete desdenhava o país: “Eu gosto do Brasil. Acho lindo, uma beleza. Mas de longe, no cartão postal. Essa terra aqui não tem jeito. Esse povo daqui não vai pra frente, é preguiçoso. Só se fala em crise e ninguém trabalha?” Em 15 de março de 2025, o senador Magno Malta (PL-ES) ecoou isso no Senado, segundo O Globo: “O brasileiro quer tudo de graça, vive de bolsa, não quer trabalhar. É por isso que o país não cresce.” Ambos culpam o povo, ignorando desigualdades.

Ela ridicularizava costumes: “Você acha que eu vou pegá-los no aeroporto? Eu acho a coisa mais jeca dar plantão em aeroporto. Eles até colocaram vidro para as pessoas não verem quem está chegando, mas mesmo assim as pessoas colocam o nariz no vidro, penduram criancinha pra dar ‘tchau’. Eu vou mandar o chofer.” No dia 10 de abril, a deputada Bia Kicis (PL-DF) postou no Instagram, na Folha de S.Paulo: “Festa de São João no interior é só melação de milho e quadrilha mal ensaiada. Isso é cultura pra quem?” O desprezo é idêntico.

Odete atacava a cultura: “O Brasil é um país de jecas. Ninguém aqui sabe usar talher de peixe.” Em 22 de maio, Rodrigo Constantino, na Jovem Pan, disse, segundo CNN Brasil: “O brasileiro não tem refinamento, come feijoada com a mão e acha isso normal.” A imposição de padrões europeus é a mesma.

A língua portuguesa era alvo: “Chinelo, chinelo? Que palavra horrível! Português é uma língua tão chinfrim.” No dia 18 de junho, o deputado Coronel Tadeu (PL-SP), na Câmara, afirmou, per G1: “O português do Brasil é pobre, cheio de gírias. Não tem a elegância do inglês.” O desdém pela identidade nacional é gritante.

O racismo de Odete chocava: “O Brasil é uma mistura de raças que não deu certo.” No “remake”, ela disse: “Ela nem é tão preta assim”, sobre Maria de Fátima. Em 5 de fevereiro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), na Rede Bandeirantes, declarou: “A miscigenação no Brasil criou uma população sem identidade clara, o que dificulta a governança.” A segregação é clara.

Sua visão autoritária era cruel: “A única solução para a violência é a pena de morte. Para ladrão e assaltante, cortar a mão em praça pública. E se cortasse a mão dessa gente, diminuiria o índice de violência nesse país. Não tenha dúvida.” Em 12 de julho, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR) postou no X, no UOL: “Bandido só entende cadeia ou cova. Pena de morte já!” A brutalidade se repete.

Odete ridicularizava o interior: “Você pode imaginar uma menina inteligente e sensível como a Maria de Fátima morando em uma cidadezinha de interior ao lado da mãe? No dia do aniversário ganhando bolinho com velhinhas, olhinho de sogra, cocadinha, docinho de leite, salgadinho enfeitado com florzinha de tomate?” Em 30 de março, Rachel Sheherazade, no SBT News, disse, per Estado de Minas: “O interior do Brasil é atrasado, vive de festas caipiras e tradições que pararam no tempo.”

O Nordeste era vilipendiado: “Falar de Nordeste antes da hora do jantar me faz perder o apetite.” Em 15 de maio, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) postou no X, no Correio Braziliense: “O Nordeste vive de assistencialismo, é um peso para o Brasil.” O preconceito regional é idêntico.

A educação era desdenhada: “E você pensa que alguém aprende alguma coisa em universidade brasileira?” Em 25 de abril, o senador Jorge Seif (PL-SC), no Senado, disse, per Jornal do Comércio: “Nossas universidades públicas são fábricas de militantes, não de conhecimento.”

Odete ironizava a hospitalidade: “O que é que você tem para me oferecer? Contanto que não seja nenhuma dessas excentricidades brasílicas? Um licor de jenipapo, por exemplo.” Em 10 de junho, Milton Neves, no BandSports, disse: “Essa mania de oferecer cachaça e comida gordurosa é coisa de brasileiro sem classe.”

Festas populares eram alvos: “A recepção vai ser hor-ro-ro-sa! Casamento, então, confundem com festa junina.” Em 20 de julho, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) postou no Instagram, per Metrópoles: “Casamento no Brasil é um circo, com forró e gente suada dançando.”

Debora Bloch interpreta Odete Roitman no remake de Vale Tudo (2025) – Foto: Reprodução

Debora Bloch, em 21 de maio, disse à CNN Brasil: “Odete representa um pensamento que está vivo, cada vez mais.” Como jornalista, vejo sua sombra no Brasil de 2025, onde o elitismo de Odete, eleita a maior vilã das novelas por O Estado de São Paulo, ainda divide a nação.

Neste Brasil de 2025 resiste o Brasil de 1988. O mau-caráter-ismo da vilã parece onipresente na vida nacional. Odete Roitman — entre uma gravação e outra do folhetim — vai à tribuna do Congresso escancarar, em horário nobre, o sórdido elitismo.

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Last Update: 01/07/2025