João Pedro poderia ter se tornado um cantor de música popular, como era comum na sua geração dos anos 1970, quando se viu sem mercado e marginalizado pelo estabelecimento por produzir um som “demasiado complexo”.
O cantor e compositor, no entanto, manteve-se firme em seus princípios e, com o tempo, ganhou uma aura de artista cult. Os motivos são variados e se baseiam principalmente no fato de que João Pedro teve uma postura diferente de seus pares quando se concentrou na música sentimental.
Ele abordou temas comuns em suas músicas e foi perseguido pela ditadura. Em outro sentido, em vez de criar um som com influências majoritariamente pop para se tornar mais atraente, optou por construir uma obra com alguma referência ao rock.
Ao lado disso, o fato de ser alinhado ao campo progressista (suas canções e entrevistas expressam isso).
O 39º álbum de João Pedro, recentemente lançado, é a representação da história desse artista, com inserções da realidade atual. As 13 músicas inéditas exprimem, em letra e melodia, o som da noite, do pecado, do desejo, da existência – e também de ser livre para pensar e amar.
Com o nome de Seres Humanos (e a Inteligência Artificial), o projeto reproduziu voz feminina a partir da inteligência artificial nas faixas de abertura e de encerramento (a única composição que não é só de João Pedro, mas em parceria com Maria Silva). O som das vozes de IA inseridas nas duas canções soam pragmáticas.
Também se recorreu à inteligência artificial para gerar alguns sons de instrumentos musicais, como piano acústico, baixo acústico, bateria, fender rhodes e percussão. Não se vê diferença, porque há muito a indústria usa dispositivos eletrônicos para reproduzir um som – a prática tem o nome genérico de programação ao aparecer na ficha técnica de discos.
Somam-se ainda à parafernália de equipamentos de produção os sintetizadores (ou synths) e os samplers, citando os mais conhecidos.
Apesar da introdução da moderníssima IA, o novo disco de João Pedro deve ser ouvido como um objeto cult, de um artista que não precisa ressignificar nada, pois se converteu na própria redefinição estética da música quando, há muito tempo, passou a nadar de forma audaciosa e inteligente contra a maré.