Na edição especial de sexta-feira (30) do programa Observatório de Geopolítica, o foco da análise recaiu sobre a complexa situação da Argentina sob o governo de Javier Milei. Com participação das professoras Karina Mariano (Unesp), Flávia Loja Araújo (GGN) e do pesquisador Matheus Oliveira (Observatório de Regionalismo), a discussão revelou um retrato multifacetado de um país que vive um profundo processo de reestruturação econômica, institucional e social.

A professora Karina Mariano iniciou a conversa apontando que, ao contrário de outras experiências neoliberais autoritárias da América Latina, como a do Chile sob Pinochet, Milei tem promovido um “ajuste selvagem” com um expressivo respaldo social. Para ela, o cansaço da população argentina com as sucessivas crises políticas e econômicas — marcadas por hiperinflação e alternância entre forças políticas tradicionais — criou um terreno fértil para o surgimento de uma figura outsider como Milei, que promete “romper com a casta política”.

Karina destacou que Milei foi transparente durante sua campanha, não escondendo que adotaria medidas duras. “Ele não mentiu, prometeu a motosserra e a entregou”, afirmou. Apesar do impacto brutal das políticas de austeridade, o apoio social continua, em parte sustentado pela queda recente da inflação, considerada por muitos argentinos como um mal maior do que os cortes sociais.

Na sequência, Matheus Oliveira aprofundou a análise econômica, traçando paralelos com o governo de Carlos Menem nos anos 1990, que também iniciou reformas liberais com apoio popular após crises inflacionárias. Segundo ele, a estratégia de Milei retoma um projeto clássico de liberalização total da economia — reduzindo o papel do Estado, privatizando empresas estratégicas e apostando na confiança do mercado externo.

Oliveira avalia, porém, que o plano de Milei é estruturalmente insustentável. A proposta de dolarizar a economia, por exemplo, carece de viabilidade prática e representaria, segundo ele, a entrega completa da soberania monetária argentina ao Federal Reserve dos Estados Unidos. “Não há como pensar que o Fed tomará decisões pensando em Buenos Aires”, provocou.

Além disso, o pesquisador aponta uma contradição central: grande parte dos ganhos econômicos atuais vêm de projetos iniciados no governo anterior, com forte presença estatal, o que vai na contramão do discurso ultraliberal de Milei.

A professora Flávia Loja Araújo abordou o impacto das privatizações anunciadas, um dos pontos centrais da “Lei Ônibus” aprovada com articulação de Milei no Congresso. Para ela, há uma repetição dos erros históricos da América Latina ao seguir à risca as recomendações do FMI, baseadas em um discurso de ineficiência estatal.

“Vivemos uma nova versão dos anos 1990, só que mais radical”, afirmou Flávia. Ela alerta que a privatização de empresas estratégicas — como as de energia e transportes — acontece sem garantias de preservação do meio ambiente ou da qualidade dos serviços. E em um momento em que outras nações vêm retomando o controle sobre setores essenciais, a Argentina parece caminhar na direção oposta.

Na parte final do programa, voltou-se a atenção para a sociedade argentina. Karina Mariano retomou a palavra com uma análise sociológica da adesão popular ao governo Milei. Segundo ela, a persistência desse apoio revela uma aposta coletiva no “choque de realidade” proposto por um líder que, apesar do radicalismo, dialoga com uma frustração social real. No entanto, ela alerta para o limite dessa sustentação: “Ela dura enquanto a inflação estiver controlada. Se voltar a subir, esse apoio pode ruir rapidamente.”

O que se observa na Argentina de Milei é uma tentativa ousada — e perigosa — de refundação econômica baseada em um ideário ultraliberal. Embora seu governo mantenha apoio, principalmente por conseguir conter a inflação num primeiro momento, o preço tem sido alto para os setores mais vulneráveis da sociedade.

Sem um projeto claro de longo prazo e com a erosão acelerada do papel do Estado, paira no ar a pergunta feita no encerramento do programa: o que restará da Argentina para os próprios argentinos?

Nota da redação: Este texto, especificamente, foi desenvolvido parcialmente com auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial na transcrição e resumo das entrevistas. A equipe de jornalistas do Jornal GGN segue responsável pelas pautas, produção, apuração, entrevistas e revisão de conteúdo publicado, para garantir a curadoria, lisura e veracidade das informações.

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Last Update: 01/06/2025