Ainda que o continente africano seja formado por 54 países e tenha um grande território e diversidade, dificilmente a África ganha notoriedade na mídia tradicional. 

No entanto, o programa Observatório da Geopolítica, da TVGGN, incluiu na programação debates quinzenais sobre o continente, o primeiro deles na última terça-feira (13), quando a bancada discutiu os impactos dos 100 dias de governo Trump em relação à África. 

Para Natalia Fingermann, professora, pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Africanos (NENAF) do Bacharel em Relações Internacionais da ESPM, os 100 dias do presidente norte-americano na Casa Branca pareceram 100 anos, ainda que o continente tenha recursos importantes para o desenvolvimento a Revolução Industrial 4.0, devido à riqueza de minérios. 

Neste contexto, o continente africano virou alvo de disputa entre os EUA e a China. 

A relação entre norte-americanos e africanos, no entanto, não é recente. O professor de Relações Internacionais da África e do Oriente Médio na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/UNIFESP), Anselmo Otavio, lembrou que até 10 anos atrás, esta relação era marcada pela busca de compreender o continente a partir da lógica sistêmica dos Estados Unidos. 

“Falando em português um pouco mais claro, os Estados Unidos sempre buscaram reagir a uma transformação no continente. Então, se você pegar durante a Guerra Fria, por exemplo, a tendência norte-americana era estar presente no continente quando houvesse um avanço do comunismo ou da União Soviética ou de Cuba. Cuba teve uma participação importante em Angola e Moçambique, então tinha uma presença norte-americana com um caráter reativo”, resgatou o convidado.

“Quando você pega ali o final da Guerra Fria, início dos anos 1990, especificamente o governo do Bush e o governo Clinton, essa tendência fica muito mais clara, principalmente porque é um distanciamento”, emenda Otávio.

O docente lembra ainda que só no final do governo Clinton apareceram iniciativas voltadas à trocas comerciais dos Estados Unidos para a África, que nunca foram elevadas. 

“Por exemplo, em 1997 as exportações eram de 11,4 bilhões e em 2000 chegou a 10,9 bilhões. Houve um declínio. As importações até que aumentaram a 19,9 bilhões para chegar a 27,6 bilhões nesse mesmo intervalo de 1997 a 2000”, complementa. 

Naquela época foram criadas ainda iniciativas como o African Growth and Opportunity Act (Agoa), a fim de tentar fortalecer os laços econômicos dos Estados Unidos com a África, mas sempre a partir de condicionalidades, entre elas a adoção, pelos africanos, da lógica neoliberal do comércio.

Apesar da criação de iniciativas de combate à Aids e à malária na África, existiram iniciativas de investir na segurança de alguns países e em parcerias comerciais ao longo das décadas. 

Mas a postura do governo Trump no segundo mandato tem como prioridades a segurança e o posicionamento anti-China no continente, a fim de tentar barrar a influência do tigre asiático no continente. 

“Passados dez anos desde a chegada do Obama até a chegada do Biden, o que você percebe, por exemplo, é que a China conseguiu se tornar o principal parceiro comercial do continente africano e também o principal investidor”, continua Otávio.

Para atuar contra a influência chinesa, os EUA de Trump devem adotar três estratégias: comércio e investimento, vinculada ao Agoa; ajuda internacional e questão humanitária; e enfoque na segurança, principalmente fornecendo armamento militar, para garantir que os países africanos possam combater o terrorismo.

Tarifaço

Rômulo Neves, professor, pesquisador, diplomata e autor de “Irmãos por parte de pai – A Política Externa para a África desde a Independência”, chamou a atenção para os impactos do tarifaço protecionista aplicado por Trump no continente. 

“Primeiro, explicando um pouco de onde veio essa tarifa maluca aí do Departamento de Estado do governo Trump, o Trump fez uma conta muito simples: ele pegou o déficit comercial que os Estados Unidos tinham com algum país e dividiu isso pelo total das importações dos Estados Unidos daquele país. E aí ele encontrou um índice. Ele dividiu esse índice ao meio, e a partir daí ele considerou que aquilo era a verdadeira tributação daquele país”, comenta Neves.

Para o diplomata, o tarifaço resulta de um problema de avaliação interna antigo do Trump, em que o presidente norte-americano precisa estabelecer uma lógica de “nós contra eles”. 

“Até por questão profissional, fiz uma lista dos 54 países africanos, 21 foram taxados acima daquele limite linear de 10% geral que os Estados Unidos impuseram. Então, 21 acima desses 10%.  Desses 21, 12 são exatamente os países elegíveis para o Agoa, que, na verdade, são só 32, não são 54. Então, você vê aí que tem um problema de lógica de implementação dessa política que se choca com a própria política de apoio dos Estados Unidos”, continua Neves. 

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Last Update: 18/05/2025