O vira-lata rodrigueano e a relevância do underdog

por Felipe Bueno

É tempo da chegada de um técnico estrangeiro para a seleção brasileira de futebol. O aroma de ração no hálito de parte da imprensa esportiva (re)confirma a velha tese de Nelson Rodrigues. A nação tem testemunhado escândalo após escândalo no mínimo desde os anos 1980, e a fábrica segue a pleno vapor. Mas, do alto do trono carcomido canarinho, a única vergonha mesmo é perder para a Croácia ou a Bélgica. O Brasil, que era admirado pela estética futebolística mesmo quando saía de campo derrotado, achou por um momento que tinha reaprendido a vencer, misturando suas talentosas commodities nativas ao pragmatismo europeu. A mentira teve, literalmente, pernas curtas. Há bastante tempo, as duas coisas, talento e pragmatismo, estão escorrendo pelos dedos.

O que fica para o mundo hoje em dia é um amarelo esbranquiçado, opaco, um eco de uma memória que não se sabe se realmente ouviu.

Se por um lado o vira-lata se alimenta do próprio vício em sua inferioridade e sua subserviência, outro bicho do mesmo gênero vive justamente do oposto: do underdog se espera que abaixe a cabeça e aceite a coleira e eventualmente alguns biscoitos, nada mais que isso.

Mas como os cães do colóquio de Cervantes, os underdogs têm inteligência, visão e atitude. Sabem que o capital, a grande mídia e as arbitragens não estão ao seu lado. Mesmo assim, ousam sonhar e bater de frente com a realidade. De tempos em tempos, saem premiados.

Crystal Palace, Tottenham, Newcastle United, Napoli, Bologna, Go Ahead Eagles e outros são instituições que mantêm vivo um lado do futebol desconhecido de quem acompanha apenas a superfície do “noticiário”. Quando vencem, são tidos como exóticos, meramente insólitas consequências das derrotas daqueles que, por obrigação, deveriam vencer.

O vira-lata desconhece a grande potência do underdog: quando este termina em primeiro, a vitória não é apenas de um grupo de jogadores e dos outros profissionais a eles associados. É de uma cidade – ou parte dela, é de uma sociedade, de um estilo de vida, de uma ou mais ideias, de uma ou mais causas. É uma espécie de versão civilizada da estratégia de conquistar corações e mentes.

No caso do Napoli, por exemplo, ficam para o mundo as cenas de ruas fechadas ocupadas por torcedores não apenas no Sul da Bota, mas em Milão (hereges!), Nova York e Buenos Aires.

Assim como no futebol, a vida está repleta de vira-latas e underdogs. Ainda que tenham a mesma estrutura física, diferem no instinto e nas atitudes. Os primeiros nasceram para rastejar, roer o osso e latir. Os outros não.

Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

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Last Update: 29/05/2025