Trecho do livro: “Walther Moreira Salles, o banqueiro embaixador”

Em fins de março de 1953, em encontro com Getúlio Vargas, Walther solicitou o afastamento da embaixada. Getúlio negou.

No dia em que lhe pediu que o dispensasse das funções de embaixador, Vargas comentou a respeito de um deputado governista que o acusara de ser “mais um embaixador americano em Washington”. Walther não quis saber quem era.

– Embaixador, o senhor não pergunta quem é o deputado, estranhou Vargas.

– Eu já sei, porque tivemos incidente semelhante no Itamaraty.

Era Euvaldo Lodi, presidente da Confederação Nacional da Indústria.

– Mas o senhor sabe qual foi minha resposta?

– Não.

– Eu disse a ele que tinha a Câmara para denunciar, e não a mim.

E soltou uma grande gargalhada, jogando a cabeça para trás.

Depois, convidou Walther para jantar. O embaixador disse que era uma grande honra, mas pedia para telefonar e cancelar um compromisso agendado.

Vargas interrompeu:

– Então meu convite não é mais válido. O senhor é moço, precisa se divertir no convívio de gente agradável.

– Mas gostaria de jantar consigo.

– Não mais.

Desceram pelo elevador do Palácio Rio Negro. Saíram pelo Salão de Despachos. Na alameda, Getúlio pôs o chapéu e cruzou os braços atrás das costas:

– Boa noite.

E caminhou sozinho para seu jantar solitário.

Walther reiterou o pedido de demissão em correspondência de 30 de abril de 1953. Vargas solicitou que ficasse mais alguns meses aguardando a vinda do substituto, João Carlos Muniz. A demissão foi concedida finalmente no dia 20 de julho de 1953.

Foram apenas 14 meses na embaixada, mas o reconhecimento veio de diversos lados. Telegrama da Agência France Press, do dia 23, qualificava Walther Moreira Salles como “um dos melhores embaixadores que o Brasil enviou aos Estados Unidos”. No dia 3 de agosto, foi a vez da Time Magazine saudá-lo, em uma matéria com o título “Trabalho bem feito”. Por sua intervenção pessoal – dizia a nota -, o Brasil obteve crédito de US$ 300 milhões do Eximbank. Também participou ativamente dos trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.

No dia 25 de agosto de 1953, Getúlio enviou-lhe a carta que começava com um afetuoso “Prezado amigo Doutor Walther Moreira Salles”.

“Considero assim de justiça deixar aqui consignada a expressão do meu reconhecimento pela maneira inteligente, capaz e esclarecida, com que se desempenhou da missão que foi incumbido.

Apraz-me renovar-lhe a afirmação do meu alto apreço e cordial estima pessoal.”

De volta ao Brasil, no verão de 1954, Walther teve o último encontro com Vargas. O mais polido dos homens que conhecera conservava ainda seu senso de humor e a risada inigualável. Mas demonstrava certa melancolia e solidão.

Em 26 de agosto, Walther foi exonerado, a pedido, do cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

E o favor político a Vargas, conseguindo financiamento para a eletrificação do Rio Grande do Sul? Como embaixador, Walther empenhou-se por vários projetos, entre os quais o de eletrificação do Rio Grande do Sul, que tinha importância política para Vargas, mas sem se descurar dos aspectos técnicos.

O financiamento foi aprovado pelo BIRD, mas ficou anos sem ser utilizado. Ocorre que Noé de Freitas, presidente das centrais gaúchas, era francamente anti-americano. Foi com o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul a Washington para a cerimônia de assinatura.

O embaixador Walther ofereceu um almoço aos dois e a Eugene Black, presidente do BIRD. Walther dirigiu-se a Noé:

– Então, Noé, agora você pode comprar os equipamentos. O senhor deve estar muito satisfeito.

– Eu vou embarcar para a Europa.

– Mas não vai pesquisar equipamentos na América?

– Não, quero só equipamento europeu.

Anos depois, quando Walther voltou a ser embaixador em Washington, o crédito ainda não havia sido utilizado, embora o país continuasse pagando comissão anual pelo empréstimo.

Os tempos turbulentos de guerra fria chegaram ao auge, nos meses seguintes, com o episódio que marcaria para sempre a história do país.

A morte de Vargas

Walther vinha com San Tiago Dantas da Zona Sul, num momento muito tenso na cidade do Rio de Janeiro. O rádio do carro estava ligado na Globo. Perto do Flamengo a programação é interrompida para a notícia extraordinária: Vargas havia se suicidado.

Imediatamente San Tiago ordenou ao chofer que rumasse para o Catete. Eram oito e meia da noite quando ambos entraram no Palácio. A essa altura as rádios informavam que os jornais O Globo e a Tribuna da Imprensa estavam cercados por populares enfurecidos.

San Tiago rumou para O Globo, cercado por uma multidão que uivava de dor e ódio. Walther dirigiu-se imediatamente para o último andar do Palácio. Não chegou a entrar no quarto onde Vargas se suicidara. O Palácio era grande e nele contrastavam dois fortes sentimentos: de um lado, uma confusão enorme, de pessoas correndo de um lado para o outro; de outro, uma sensação de vazio, de solidão. Calor mesmo havia apenas do lado de fora, onde uma multidão cercava o Palácio querendo entrar à força, obrigando que se pedisse garantias policiais para evitar a invasão.

Mais tarde, começaram a chegar pessoas. Juscelino e Amaral Peixoto foram os únicos governadores a se apresentar. Walther deixou o Palácio por algumas horas, foi à sua casa e retornou logo depois. Cumprimentou Alzira e Amaral, não conseguiu ver dona Darcy e permaneceu no velório até a hora da partida, dividindo um banquinho no primeiro andar em longa conversa com Oswaldo Aranha e em longas reflexões sobre o processo de isolamento de Vargas.

As suspeitas de conspiração internacional vazavam por todos os poros da República e impregnavam as paredes do Palácio. Na época, a Bolsa de Nova York abriu investigações sobre as operações brasileiras no mercado de café, que ajudaram a precipitar a queda das cotações. Aranha acreditava que a queda era mais um capítulo da longa conspiração contra Vargas. A insistência de Aranha nessa tese cansava um pouco Walther.

Conhecedor do mercado, Walther não via fundamento em suas acusações.

Em 1952, Aranha informou aos principais comercializadores de café, os irmãos Jabour, Wallace Simonsen e o respeitado Marcelino Martins, com seu sobrinho Floriano Peçanha, que fixaria um preço mínimo para o produto a 87 centavos de dólar. Abaixo disso, ninguém poderia exportar café. Segundo Peçanha, Marcelino Martins alertou que os preços poderiam subir em vendas e que quando o mercado revertesse os comercializadores estariam presos a valores mínimos definidos. Conforme o previsto, o preço chegou a bater em um dólar. Depois voltou para 83 centavos. Naquele ano, o Brasil praticamente não exportou café. Foi um dos mais magros anos de um setor crucial para o equilíbrio do balanço de pagamentos, precipitando a queda de Vargas.

O desastre foi mencionado na carta-testamento como prova da conspiração internacional contra o Brasil. A versão de Peçanha era bem mais objetiva do que as lendas que se formaram em torno da operação.

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Última Atualização: 26/08/2024