(Deus queira)
Por Sara Goes.
O retorno de Ciro Gomes ao PSDB não projeta futuro, apenas formaliza o fim. Não é reencontro com as origens, mas despedida. Volta ao partido como quem retorna ao local do velório de si mesmo. O ciclo que se encerra não é apenas o dele, mas de um modelo de mando, de um estilo de fazer política que se apoiava em prefeituras, alianças verticais e pupilos obedientes.
No Ceará, os homens da política protagonizam uma narrativa de temperamentos e rompantes que definem o destino do estado. Ciro sempre encarnou a versão mais colérica desse teatro. A política, para ele, era palco, duelo, mágoa e revanche. Sua trajetória é marcada por surtos de protagonismo, surtos de raiva. O ápice dessa dramaturgia foi a acusação pública que lançou contra Camilo Santana, a quem chamou de traidor. Camilo chorou, e o Ceará, que leva a sério essa palavra, ficou do lado de quem chorava, não de quem gritava. Desde então, Ciro nunca mais se recompôs.
Os pupilos também se dispersaram. Roberto Cláudio, que já foi um dos irmãos de proveta de Ciro, depois de Camilo e antes de Sarto, rompeu. Camilo se emancipou e virou patrimônio do PT. Sarto, sem carisma nem sustentação, mal segura a própria cadeira. Roberto tentou seguir a cartilha, foi leal até onde deu, mas se desfiliou do PDT logo após encontros com Bolsonaro em Fortaleza. Agora está no União Brasil, onde circula como quem já entendeu que o clã perdeu o trono.
O PSDB, por sua vez, oferece um abrigo e um palco. Segundo matéria publicada no jornal O Povo, a filiação de Ciro é articulada diretamente por Tasso Jereissati, com aval de Marconi Perillo, e teve até gesto simbólico, Ozires Pontes, atual presidente estadual da legenda, declarou que abriria mão da presidência do diretório cearense para que Ciro possa comandar o projeto. A aposta da cúpula tucana é que ele ainda tenha densidade eleitoral suficiente para enfrentar o PT em 2026. Nos bastidores, repete-se o mantra, “todo mundo no interior quer votar no Ciro”. Mas a frase diz mais sobre nostalgia do que sobre realidade.
A volta de Ciro ao PSDB pode até dar novo fôlego à oposição no estado, como analisou o jornalista Inácio Aguiar em sua coluna no Diário do Nordeste, mas exige um malabarismo público, apagar críticas passadas, reabilitar antigos desafetos e se abrir a alianças com nomes que até ontem eram tratados como inimigos, inclusive figuras da extrema direita cearense. Não é uma rearticulação, é uma reedição forçada, sem enredo claro.
Enquanto isso, o abismo digital seguia aberto. Com a política o empurrando para fora, sobrava o precipício das redes. Lives amargas, cortes de entrevista fora de contexto, comentários raivosos sobre o “lulopetismo”… Ciro estava a um passo de divulgar o tigrinho. A reentrada no PSDB o livra, por ora, desse destino de ex-candidato convertido em influencer de cassino online.
Para o partido, a filiação não representa força. O PSDB já não move o tabuleiro, e Ciro tampouco tem fôlego para reinventá-lo. O que se vê é um pacto entre ruínas, um abrigo mútuo entre estruturas esvaziadas que ainda tentam performar relevância. Nenhum dos dois ameaça ou propõe, apenas sobrevivem, no modo espera.
É o fim sem apoteose. Não há queda épica nem renascimento. Apenas uma volta em círculos até que o públco se disperse. O PSDB ganha um nome, mas não recupera fôlego, Ciro ganha uma sigla, mas não reencontra estrada. Talvez ainda venha discurso, talvez ainda saia uma entrevista incisiva, mas o que vem depois disso, ninguém mais acredita, nem ele própriamente.